segunda-feira, setembro 29, 2008

Estatuto dos Açores: Cavaco indeciso? (II)

Carlos Blanco de Morais, apontado nalguns círculos políticos regionais como um dos possíveis "responsáveis" pelo presente diferendo em torno do Estatuto dos Açores, num artigo de opinião publicado há dois anos no qual escolheu como tema principal o "modelo de ordenação das autonomias político-administrativas dos Açores e da Madeira, na sua vertente legislativa" - referiu:
"Trata-se de uma área que parece reflectir o modo como sucessivos exercício tácticos passaram a possuir o “animus” das revisões constitucionais, procedendo-se a alterações, uma vezes desnecessárias, outras extemporâneas e outras ainda, pautadas por simples exercícios contraditórios com os regimes anteriores que desfiguraram a unidade e a coerência do pensamento constitucional sobre a matéria. Em Estados com uma autonomia territorial avançada e amadurecida, como é o caso dos federalismos norte-americano e alemão, a evolução das relações entre o centro e a periferia não tem sido marcada por avanços e recuos erráticos traduzidos em sucessivas revisões constitucionais. As normas da Lei Fundamental têm mantido uma muito apreciável estabilidade e as novidades acabam, frequentemente por resultar da jurisprudência e da legislação infra-constitucional.
(...)
Ao invés, em Portugal, a história dos últimos trinta anos demonstrou que nunca existiu um objectivo estável no modelo de organização territorial, para além de uma ideia difusa de “autonomia progressiva”, expressão que reflecte tanto uma fuga à definição de qualquer estratégia aplicada em permanência, como o abandono do processo de regionalização a todas as vicissitudes de ordem conjuntural. A autonomia progressiva para o poder político regional parece ter, apenas, o “céu como limite” e quiçá, algo envergonhadamente, para os demais actores, a preservação da integridade do Estado e do núcleo das suas funções de soberania. De entre as vicissitudes que mais contaram para a evolução “ziguezaguiante” do modelo constitucional português de autonomia legislativa regional e da sua implosão parcial em 2004, destacou-se a força de pressão dos ramos autonómicos dos partidos do bloco central, exibida nas diversas revisões ordinárias do texto fundamental. Essa pressão tomou-se mais intensa no decurso de períodos onde se encontram ausentes maiorias absolutas monopartidárias sólidas, situação que tornou as lideranças dos principais partidos do Governo e da oposição mais dependentes desses ramos regionais. Foi o que ocorreu em 1997, com um protagonismo do ramo social-democrata da RA da Madeira no processo de revisão e constitucional e em 2004, onde a influência do referido ramo foi paralelamente reforçada pelo ramo socialista da RA dos Açores, tendo o centralismo clássico do PS sofrido uma alteração, a partir do momento em que adquiriu um reduto regional no arquipélago açoreano.
(...)
Não estará pois em causa, nesta a análise, a avaliação do sucesso do modelo regional para as populações insulares, o qual parece ser evidente. Estará, sim, em debate, a falta de coerência e o défice estratégico dos decisores constitucionais quanto ao modelo organizativo das mesmas autonomias bem como os elevados custos deste último, para o todo nacional, não apenas no plano da igualdade financeira e prestacional, mas sobretudo, na perturbação que as vacilações da moldura jurídica das autonomias tem importado para o sistema de fontes legislativas unitárias.
(...)
Em suma, os órgãos estaduais conservaram a faculdade de fixar parâmetros materiais às regiões, embora com carácter mais geral e menos denso do que os parâmetros constantes das leis gerais da República. E se é um facto que as competências regionais comuns, poderão ser, “ab origine”, tendencialmente primárias, elas ficarão sujeitas, a todo o tempo, a uma sub-primarização superveniente, no caso de os órgãos de soberania aprovarem uma lei de bases ou uma lei mista contendo bases gerais dos regimes jurídicos, sobre matérias onde as mesmas possam incidir.
(...)
Em conclusão, obtiveram as regiões, um ganho em termos de aumento do diâmetro da sua discricionariedade legislativa, mas esse ganho não se transformou na vitória efemeramente reclamada por alguns, quanto à criação efectiva de competências regionais “exclusivas”, as quais não foram efectivamente consagradas".
Sublinhe-se que este texto do Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, "desenvolve a intervenção feita num colóquio realizado em Dezembro de 2006, na Faculdade de Direito de Lisboa, no âmbito das comemorações relativas ao nascimento do Professor Marcello Caetano"...

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