segunda-feira, dezembro 15, 2008

Assembleia: fundamentos da proposta de alteração da lei orgânica (V)

"Acresce que, como se lembra neste Relatório, o PCP propôs que, nos casos de os partidos não apresentarem, no prazo legal, as respectivas contas, a consequência seria a imediata suspensão das subvenções previstas na Lei Orgânica da Assembleia da República, ou seja, ambas as subvenções, incluindo a subvenção ao Grupo Parlamentar, o que só tem sentido, na medida em que ambas sejam tidas e havidas, para todos os legais efeitos como financiamento partidário, como efectivamente são (v. citado Diário da Assembleia da República, fls. 816). O mesmo Relatório, ao apreciar o Projecto de Lei do PSD, refere: “Assim, mantêm as regras de Financiamento Público aos Partidos constantes da Lei Orgânica da Assembleia da República. São subsídios do Estado.” Do que vem referido resulta claramente que os dois maiores partidos e o PCP estavam, pois, em divergência relativamente à entidade fiscalizadora, mas completamente identificados na caracterização das duas subvenções previstas na Lei Orgânica da Assembleia da República (e o mesmo se diga das correspondentemente previstas nas Leis Orgânicas das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas), como financiamento público partidário. E o Relatório, aliás exaustivo e muito bem fundamentado, do Deputado do PSD Fernando Condesso, caracteriza também as duas subvenções em causa como financiamento partidário. Estas iniciativas foram-se desenvolvendo no âmbito da Comissão Eventual de Ética e de Transparência da Actividade Política, constituída para tratar da reforma do sistema político e, por isso, na votação na generalidade, foram todas viabilizadas, como se pode ver da acta da Sessão Plenária, de 24 de Junho de 1993, em que teve lugar aquela votação (v. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 87, de 25 de Junho de 1993, fls. 2812).
Na discussão, na generalidade, daqueles Diplomas, veio ao de cima a controvérsia entre ser o Tribunal Constitucional a fiscalizar as contas dos partidos, conforme era proposto pelo PSD, ou antes, o Tribunal de Contas conforme proposta, então, dos demais partidos (v. intervenções dos Deputados Pacheco Pereira, Alberto Martins e Lobo Xavier – Diário da Assembleia da República, I Série, nº 87, de 25 de Junho de 1993, fls. 2796 a 2806). Que a questão da fiscalização das contas partidárias caber ao Tribunal Constitucional ou ao Tribunal de Contas foi, durante algum tempo, controversa, confirma-o o Deputado Alberto Martins ao lembrar na Sessão Plenária de 26 de Novembro de 1993, o seguinte: “Senhor Presidente, na primeira intervenção do meu Grupo Parlamentar sobre esta matéria, quero salientar quanto à parte relativa às contas dos Partidos Políticos que o Partido Socialista apresentou um Projecto de Lei em 1990, que foi discutido em 1991, onde propunha que a fiscalização das contas e da actividade dos partidos fosse atribuída ao Tribunal de Contas.
Nessa ocasião, a nossa proposta não foi acompanhada por nenhum dos outros partidos da Assembleia da República, pelo que nos congratulamos pelo facto de a maior parte deles o fazer hoje…”.
Confirma-se, assim, que o partido Socialista esteve isolado, inicialmente, nesta matéria. Porém, hoje há praticamente unanimidade de todos os partidos no entendimento de que tal competência deve caber exclusivamente ao Tribunal Constitucional, o que é reafirmado no Projecto de Lei nº 606/X, pendente na Assembleia da República. Nesse mesmo debate, e sobre esta matéria, intervieram ainda os Deputados Narana Coissoró do CDS-PP, Octávio Teixeira, do PCP e Guilherme Silva, do PSD, sendo certo que ficou, desde então, consignada na Lei a atribuição da competência exclusiva ao Tribunal Constitucional para a fiscalização das contas dos partidos, nelas se incluindo todas as subvenções públicas previstas nas Leis Orgânicas da Assembleia da República e das Assembleias das Regiões Autónomas, incluindo as destinadas aos Grupos Parlamentares.
Finalmente, e como se pode ver a fls. 525 do Diário da Assembleia da República, I Série, nº 16, de 27 de Novembro de 1993, a votação final global da Lei do Financiamento dos Partidos (texto elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), foi efectuada como Diploma comum, e não como Lei Orgânica, o que confirma, mais uma vez, de que não se trata de matéria da reserva absoluta da Assembleia da República (art. 164º, alínea h), da CRP), já que aquela reserva respeita exclusivamente à lei de criação, funcionamento e extinção dos partidos, e não já a matérias a ela marginais e instrumentais, como seja o do seu financiamento. E foi assim que nasceu, com a referida votação final global, a Lei 72/93, de 30 de Novembro, que nunca ninguém acusou de inconstitucional. Assim sendo, é indiscutível a competência dos Parlamentos Regionais e cai totalmente por terra e torna falso o argumento de que as subvenções previstas nos artigos 46º e 47º, da Lei Orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, não têm a natureza de financiamento partidário, porque, para o terem, necessário era que estivessem previstas numa lei com a natureza de Lei Orgânica, aprovada pela Assembleia da República, por ser matéria da sua reserva absoluta. Se assim fosse, então, todas as leis aprovadas, até hoje, pela Assembleia da República, em matéria de financiamento dos partidos políticos, seriam inconstitucionais, uma vez que não foram votadas e aprovadas com a maioria exigida pela Lei Fundamental, nem votadas, na especialidade, em Plenário (v. nºs. 4 e 5 do art. 168º, ex vi do nº 2, do art. 166º e alínea h), do art. 164º, todos da CRP).
Ora, como se demonstrou, não foi essa a solução que o legislador consagrou. Continuemos, porém, a indagar qual a evolução que a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos foi registando ao longo do tempo. Pela Lei nº 27/95, de 18 de Agosto, acentuou-se, em alteração à Lei nº 72/93, de 30 de Novembro, a competência fiscalizadora do Tribunal Constitucional. Em 1997, ou seja, na VII Legislatura, e já sob a égide do Partido Socialista, tomaram-se, de novo, diversas iniciativas, na Assembleia da República, no domínio do financiamento partidário. Assim, o primeiro Partido a apresentar iniciativa nesta matéria foi o PSD, através do Projecto de Lei 313/VII, no âmbito do qual se mantinha a fiscalização exclusiva do Tribunal Constitucional, incluindo para as contas das campanhas eleitorais, competência que deixava assim de caber à Comissão Nacional de Eleições (v. Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 38, de 24 de Abril de 1997, fls. 593 e seguintes).
Também o PS, então no poder, apresentou o Projecto de Lei nº 322/VII, no qual abandonou a pretensão de atribuir a competência para a fiscalização das contas dos partidos, ao Tribunal de Contas. (v. Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 39, de 26 de Abril de 1997, fls. 605 e seguintes). Por sua vez, o PCP apresentou o Projecto de Lei nº 390/VII, aceitando e propondo que coubesse ao Tribunal Constitucional a fiscalização das contas partidárias, abandonando, assim, a solução, que sempre defendera, de atribuição de tal competência ao Tribunal de Contas. Por seu lado, o CDS-PP apresentou o Projecto de Lei nº 410/VII, sendo o único que manteve a proposta de atribuir, como sempre defendera, a competência de fiscalização das contas dos partidos, ao Tribunal de Contas, incluindo a matéria das campanhas eleitorais, de que era afastada a Comissão Nacional de Eleições (v. artigos 19º e 20º do Projecto, in Diário da Assembleia da República, nº 75, II Série-A, de 25 de Setembro de 1997, fls. 1472 e seguintes). Sobre estes Projectos de Lei foi elaborado, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Relatório e Parecer, de que foi Relator o Deputado António Filipe, do PCP, em que se deixou claro que as subvenções aos Grupos Parlamentares integram o Financiamento Público aos Partidos, quando, sob o título “Financiamento Público”, escreve: “Para além das subvenções ao Financiamento das Campanhas Eleitorais, das subvenções atribuídas pelo Parlamento Europeu nos termos das normas comunitárias aplicáveis e, evidentemente dos apoios específicos ao desempenho de funções por parte dos Grupos Parlamentares da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas Regionais, tal como dos eleitos nas Autarquias Locais, a actual Lei do Financiamento dos Partidos acolhe a existência de uma subvenção anual aos partidos políticos.” (v. Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 76, de 27 de Setembro de 1997, fls. 1506 e seguintes.) Na Sessão Plenária de 1 de Julho de 1998, procedeu-se à votação, na especialidade, das normas avocadas a Plenário e de algumas propostas de alteração. Mais uma vez se procedeu à votação final global, da Lei em causa, como lei comum, e não como Lei Orgânica, confirmando-se o entendimento do legislador e da Assembleia da República, de que a matéria de financiamento dos partidos, não está abrangida pela alínea h), do art. 164º da CRP. (v. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 87, de 1 de Julho de 1998, fl. 3092). Foi, assim, aprovada a Lei nº 56/98, de 18 de Agosto (Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), que substituiu a Lei nº 77/93, a qual manteve, e reforçou, a exclusiva competência do Tribunal Constitucional para a fiscalização das contas dos partidos. Entretanto, a Lei nº 23/2000, de 23 de Agosto, introduziu algumas alterações à Lei do Financiamento dos Partidos, mas não alterou em nada a competência, já definida, de fiscalização atribuída ao Tribunal Constitucional.
Ainda, pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgão das autarquias locais procedeu-se também a algumas alterações à Lei do Financiamento dos Partidos, na parte respeitante às campanhas eleitorais, nada se alterando relativamente à competência de fiscalização dos financiamentos partidários.
Em 2003, os partidos voltaram a tomar iniciativas legislativas relativas ao financiamento partidário, no âmbito da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, presidida pela Deputada Leonor Beleza. Assim, o PS apresentou o Projecto de Lei nº 222/IX, em que, definitivamente, reforça a exclusiva competência do Tribunal Constitucional para fiscalizar as contas dos partidos e das campanhas eleitorais, criando, para coadjuvar aquele Tribunal, a Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos (v. Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 66, de 6 de Fevereiro de 2003, fls. 2972 e seguintes.)
Na Exposição de Motivos daquele Projecto de Lei, do PS, enuncia-se como objectivos do diploma, o seguinte: “O reforço dos meios de controlo por parte do Tribunal Constitucional relativamente às receitas e despesas dos partidos e das campanhas eleitorais – o reforço dos poderes e das competências do Tribunal Constitucional, passando este a ter a exclusividade da apreciação e fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais para os órgãos de soberania, das Regiões Autónomas e do poder local; A criação junto do Tribunal Constitucional de uma entidade independente, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que o coadjuvará tecnicamente nas funções de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, designadamente na instrução dos processos e na fiscalização da correspondência entre os gastos declarados e as despesas efectivamente realizadas”.

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