segunda-feira, dezembro 15, 2008

Assembleia: fundamentos da proposta de alteração da lei orgânica (VI)

"Também o PCP apresentou o Projecto de Lei nº 225/IX, tendo abandonado, definitivamente, tal qual o PS, a sua tese de dever caber ao Tribunal de Contas, a fiscalização das contas dos partidos. (v. Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 68, de 13 de Fevereiro de 2003, fls. 3065 e seguintes). Igualmente, o Bloco de Esquerda apresentou o Projecto de Lei nº 266/IX, mantendo a competência exclusiva do Tribunal Constitucional, relativamente à fiscalização das contas dos partidos Políticos. (v. Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 85, de 9 de Abril de 2003, fls. 3440 e seguintes). Estes diplomas deram lugar a um texto de substituição, discutido e votado, em votação final global, como lei comum, e não como Lei Orgânica, tendo-se mesmo consignado em acta: “Neste caso, o entendimento geral é de que não se trata de uma Lei Orgânica, mas sim de uma lei geral”. (v. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 113, de 26 de Abril de 2003, fls. 4795). Daqui decorre que, não tendo a matéria do financiamento partidário de ser objecto de Lei Orgânica, as subvenções atribuídas aos partidos, através dos Grupos Parlamentares, na Assembleia Legislativa da Região, podem (e devem) ser fixados em diploma regional, não deixando de ser, por isso financiamento partidário público. E foi na sequência do que se vem referindo que nasceu a Lei nº 29/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), actualmente em vigor. Feito o registo da evolução legislativa, tanto nacional, como regional, no que diz respeito às subvenções públicas, que integram o financiamento dos partidos, bem como a história legislativa relativa à fiscalização das contas partidárias, importa, agora, fazer o enquadramento da questão, no domínio da Lei actualmente vigente e aplicável. Constata-se que, a partir da Lei nº 72/93, de 30 de Novembro, a Lei do Financiamento dos Partidos passou a reproduzir, no seu art. 7º, o art. 47º nºs. 1, 2 e 3, da LOFAR (Lei 87/88, de 1 de Julho), que respeitava à subvenção directamente atribuída aos partidos, enquanto que a LOFAR continuou a referir-se, tanto àquela subvenção como à subvenção aos Grupos Parlamentares.
Por sua vez, a Lei nº 56/98 manteve, no seu art. 7º, a mesma solução. Igualmente, a Lei nº 19/2003, de 20 de Junho, actualmente em vigor, mantém a solução referida (v. art. 5º).
Esgota aquela subvenção o financiamento público? É óbvio que não. Basta ver o art. 4º, da Lei 19/2003, de 20 de Junho, em que se refere como recursos públicos dos partidos: “a) As subvenções para financiamento dos partidos políticos; b) As subvenções para as campanhas eleitorais; c) Outras legalmente previstas.” É curioso que, sendo a redacção daquele art. 4º, da Lei nº 19/2003, muito semelhante à do art. 6º, da Lei nº 56/98, de 18 de Agosto, regista, porém, algumas diferenças, que convém salientar. É que o art. 6º, da Lei nº 56/98 referia como financiamento públicos dos partidos: “a) As subvenções para financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais previstas na presente Lei; b) Outras legalmente previstas.”.
Tínhamos, assim, que a subvenção pública dos Grupos Parlamentares não estava obviamente incluída na alínea a), do art. 6º transcrito, já que não estava prevista na mesma Lei nº 56/98, mas estava, seguramente, na alínea b), ou seja, nas “outras legalmente previstas”. Na verdade, a subvenção prevista no nº 4, do art. 47º, da LOFAR, bem como as subvenções previstas nos artigos 46º e 47º do Decreto Legislativo Regional nº 24/89-M, de 7 de Setembro, e ainda as previstas em disposições similares da Lei Orgânica da Assembleia Legislativa dos Açores, atribuídas aos partidos, através dos Grupos Parlamentares, incluíam-se na “outras legalmente previstas”. Teve, porém, o legislador a preocupação de, com a redacção do art. 4º, da Lei 19/2003, de 20 de Junho, tornar clara a questão relativa às subvenções partidárias atribuídas, por intermédio dos Grupos Parlamentares da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. Há, efectivamente, uma tendência conhecida do legislador nacional para esquecer as realidades das Regiões Autónomas.
Ora, quando, anteriormente, o legislador se referia, na Lei dos Partidos às subvenções previstas “na presente Lei”, esquecia-se das subvenções previstas na Leis Orgânicas das Regiões Autónomas, e, em parte, esquecia-se também da subvenção prevista na Lei Orgânica da Assembleia da República para os Grupos Parlamentares, consabidamente havidos como órgãos partidários.
É certo que a alínea que se referia a “outras legalmente previstas”, já abarcava, como não podia deixar de ser, as subvenções parlamentares, mas as novas alíneas a) e b), conjugadas com a alínea c), do art. 4º, da Lei nº 19/2003, de 20 de Junho, tornaram claro e inequívoco, que ambas as subvenções previstas na Lei Orgânica da Assembleia da República, bem como as consagradas nos artigos 46º e 47º da Lei Orgânica da Assembleia Legislativa da Madeira, integra o financiamento público partidário.
Aliás, como já se referiu, os Estatutos dos Partidos referem, expressamente, os Grupos Parlamentares como seus órgãos partidários (v. para além dos já citados, o art. 9º, alínea f) e o art. 35º, dos Estatutos do PSD Madeira).
Basta pensar que a tese de que as subvenções públicas em causa, por serem atribuídas aos Grupos Parlamentares, ou por intermédio destes, não devessem ser consideradas financiamento partidário, permitiria que se abrisse a porta a que os Grupos Parlamentares recebessem financiamentos privados, que não seriam contabilizados, nem havidos como financiamento partidário, defraudando-se, por essa via os limites estabelecidos pela Lei de Financiamento dos Partidos, o que é, de todo, indesejável e impensável.
Assim, claro é que, como meros órgãos partidários que são, não dotados de qualquer personalidade jurídica, as subvenções públicas que lhes são destinadas, sempre foram tratadas como financiamento partidário pois, na Região, foram sempre anexadas às contas anuais dos Partidos, apresentadas ao Tribunal Constitucional, as contas dos Grupos Parlamentares, como estruturas autónomas, em conformidade com o nº 4, do art. 12º, da Lei nº 19/2003, de 20 de Junho.
Aliás, e como já foi referido, tal facto é mesmo salientado pela Juíza Conselheira Helena de Brito, no voto de vencido ao citado Acórdão do Tribunal Constitucional.
Resulta, assim, claramente, da Lei nº 19/2003 e designadamente do seu art. 4º, acima transcrito, que as subvenções aos Grupos Parlamentares são financiamento partidário público.
Como resulta daquela Lei (artigos 12º, 23º, 24º e 26º, entre outros), que a fiscalização de tais financiamentos cabe exclusivamente ao Tribunal Constitucional.
Aliás, o Tribunal Constitucional e a Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos vêm apreciando as contas dos Grupos Parlamentares da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, apresentadas pelos partidos e nunca se declarou incompetente para tal apreciação.
É também ao Tribunal Constitucional que cabe a competência sancionatória para quaisquer infracções detectadas (v. artigos 28º e seguintes, e 33º, da Lei 29/2003, de 29 de Junho).
Por sua vez, a Lei nº 88/82, de 15 de Novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), confere, no seu art. 9º, ao Tribunal Constitucional, em exclusivo, a competência para “Apreciar a regularidade e a legalidade das contas dos Partidos Políticos, nos termos da Lei e aplicar as correspondentes sanções”.
Efectivamente, sempre os Grupos Parlamentares da Assembleia Legislativa apresentaram, através dos seus partidos, as suas contas, ao Tribunal Constitucional, explicitando-se no Projecto de Lei nº 606/X (PS/PSD), que assim deve ser. Do citado Acórdão do Tribunal Constitucional, incluindo os votos de vencido, resulta que as subvenções previstas nos artigos 46º e 47º, da Lei Orgânica da Assembleia Legislativa, são financiamento partidário e, como tais, sempre foram tratadas e havidas. Mas já agora vejamos o que nos dizem, a este respeito, os constitucionalistas. O Prof. Jorge Miranda, autor do art. 180º, da CRP, consagrou a figura dos Grupos Parlamentares, com a autoridade que se lhe reconhece e, neste caso acrescido, refere: “Os Grupos Parlamentares não são órgãos da Assembleia da República, não exprimem uma vontade que lhe seja imputável e imputável, portanto, ao Estado; não são equiparáveis, por exemplo, às comissões (ou às secções, que existem em certos Parlamentos estrangeiros e que existiam na Câmara Corporativa da Constituição de 1933). A regra é, antes, de diversidade e contraditório dos grupos, desembocando nas maiorias exigidas para a prática de qualquer acto parlamentar. Os Grupos Parlamentares são, sim, órgãos dos partidos com representação na Assembleia, ainda que a forma de articulação com as estruturas partidárias se mostre variável.” (in CRP, II Vol., pág. 621). Os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira atribuem aos Grupos Parlamentares natureza dupla – órgãos partidários e órgãos da Assembleia da República. Porém, explicam em que medida são órgãos da Assembleia da República – enquanto “titulares de direitos parlamentares próprios, sendo por isso objecto do respectivo Regimento”. Como se vê tudo se resume a uma perspectiva de sujeito parlamentar activo – órgão político e por isso, com assento no seu “Regimento” – regulamentação com eficácia interna. O Tribunal Constitucional nos Acórdãos que tem proferido, no âmbito da fiscalização das contas dos partidos tem enfatizado sistematicamente a necessidade de nelas serem incluídas as contas de todos os seus órgãos e estruturas. Assim, por exemplo, no Acórdão 146/07, de 28 de Fevereiro, referiu-se: “Por outro lado, e apesar dos progressos contínuos já registados, não pode o Tribunal deixar também de reafirmar, uma vez mais, que só a organização de uma conta abrangendo todo o universo partidário – seja uma conta consolidada, no sentido técnico a que a auditoria se reporta, e nos termos anteriormente referidos, seja uma conta acompanhada das contas das estruturas descentralizadas e autónomas do respectivo Partido, de tal modo que possa operar-se fidedignamente a correspondente consolidação ou, o que valerá o mesmo, o apuramento da totalidade das suas receitas e despesas – permitirá, efectivamente dar integral cumprimento ao regime consagrado na Lei nº 56/98 e assegurar o controlo do seu efectivo cumprimento: basta atentar em que só assim será viável aferir da observância dos limites quantitativos que, no que respeita ao Financiamento dos Partidos políticos, constam dos artigos 4º, 4º A e 5º, do diploma legal em apreço, limites esses que, certamente, hão-de valer para todo aquele universo e não apenas para as suas estruturas centrais. Uma tal exigência, aliás, consta actualmente de forma expressa (ao invés do que sucedia na Lei nº 75/93), do nº 4, do art. 10º, da Lei nº 56/98 – disposição que há-se manifestamente ter-se como induzida pela anterior jurisprudência do Tribunal, vindo a corroborá-la no seu sentido essencial. Em face do exposto, e à semelhança do já afirmado no Acórdão nº 683/2005, a propósito das Contas Anuais de 2003, conclui-se que, desde logo, só com a ressalva exigida pela ausência de uma conta integrando o conjunto de toda a actividade partidária, podem julgar-se prestadas as contas dos partidos agora considerados.” O Tribunal Constitucional não aceita nem admite a exclusão de qualquer órgão partidário e, portanto, dos Grupos Parlamentares, à sua fiscalização em matéria de financiamento. Não está em causa a regra geral de controlo e jurisdição do Tribunal de Contas relativamente a todas as entidades que beneficiem de dinheiros públicos"

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