quinta-feira, julho 02, 2009

Autonomia: frases & ideias que ficam (I)

·O absentismo eleitoral sendo um facto cada vez mais inocultável traduzido por um crescente afastamento do cidadão da política e da coisa pública, obriga-nos, a todos, - políticos e cidadãos empenhados e responsáveis – a uma séria reflexão, sobretudo pelos riscos que tal afastamento cívico comporta para a sobrevivência da própria Democracia
·A crescente desafeição dos cidadãos pela política em geral e pelas próprias organizações partidárias, obriga-nos a questionar não a essência da própria democracia representativa mas, antes, a ponderar a necessidade de uma significativa melhoria das instituições representativas no sentido de um maior envolvimento do cidadão, da criação de novos espaços deliberativos e do próprio ajustamento do processo de decisão em ordem a responder às novas exigências da sociedade.
·O indispensável reforço da qualidade da democracia não se reduz, nem se pode reduzir, às reformas das instituições, mas implica antes um processo exigente de melhoria dos instrumentos de expressão e participação democrática. É, pois, fundamental eliminar ou atenuar os crescentes riscos de apatia cívica e criar as condições para a reconciliação dos cidadãos com a política
·A democracia que desejamos é uma democracia particularmente exigente, que se recusa acantonar a política num segmento profissional, separado e distante. Pelo contrário, deve fazer interagir a democracia representativa e a participativa.
·Como sabemos, e a História tem-no demonstrado, a todos os processos de natureza descentralizadora são imanentes tensões dialécticas entre o Estado que tende a não abrir mão dos seus poderes e as entidades autonómicas que, mais próximas das populações e, logo, melhor conhecedoras das suas realidades concretas, pugnam por uma maior afirmação e reclamam maiores competências
·E o que se pode dizer quanto à evolução das competências legislativas do nosso Parlamento, ao longo das sucessivas revisões constitucionais ocorridas, é que foram marcadas por algumas conquistas, é certo, mas também por frustrações e por decepções. Frustrações decorrentes do facto de a configuração do poder legislativo regional – verdadeira essência da Autonomia – permanecer limitado e factor de atrito entre as instâncias nacionais e as instâncias regionais, por força da subsistência de fronteiras indefinidas na repartição dos respectivos âmbitos de competência, do que resulta, sempre prejuízo para a Autonomia
·Decepções, pela forma como o modelo constitucional da Autonomia Política Regional, adoptado no nosso país, conduziu à formação de uma jurisprudência constitucional onde enxameiam ponderações discutíveis e, sobretudo, profundamente restritivas e lesivas da iniciativa legislativa autonómica, prevalecendo sempre um entendimento excessivo das competências reservadas aos órgãos de soberania
·Deste quadro resulta, que cada intervenção do Tribunal Constitucional corresponde, na mais das vezes, a uma “sentença de morte” do diploma regional, recorrendo, por vezes, aquele tribunal, a insólitos argumentos que bloqueiam a Autonomia Regional que a Constituição consagrou
·Após 33 anos de Autonomia Regional, entendemos que é chegada a hora de se proceder a uma reavaliação global do funcionamento do sistema político-constitucional português em relação às Regiões Autónomas e, em particular, em relação à nossa Região
·Sustentamos ser absolutamente necessária a apresentação de um projecto próprio de revisão constitucional, previamente discutido e aprovado pela nossa Assembleia Legislativa. Iniciado este processo de revisão constitucional, a Madeira mais não faz do que reequacionar a sua Autonomia tendo, desde logo e prioritariamente, de clarificar e reforçar, na ordem constitucional da República, a superioridade hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas em relação a todos os demais actos legislativos ordinários do Estado
·É que, e sobretudo nos últimos tempos, tem-se dado conta de certa doutrina também acolhida pelo Tribunal Constitucional, conducente a uma inadmissível confusão a propósito da natureza jurídica dos Estatutos que sendo para as Regiões as suas verdadeiras Constituições Regionais são menorizados e desrespeitados. São as pulsões unitaristas e soberanistas da República a que já nos habituamos mas com que não pactuamos
·Ao contrário do que sustentam alguns defensores da subalternização dos Estatutos, da subjugação das normas estatutárias às normas das leis ordinárias, os Estatutos Político-Administrativos são verdadeiras leis para-constitucionais, a que nenhuma outra lei se pode sobrepor e que, em consequência, não pode violar
·Se nos lembrarmos das habilidades de triste memória, para não lhes chamar outro nome, com graves consequências para a nossa Autonomia Política, que ditaram a última alteração à Lei das Finanças Regionais, ao arrepio do texto estatutário, e que a História um dia julgará, aperceber-nos-emos então da importância desta clarificação constitucional.
·Mas este projecto não se ficará por aí mas abrangerá também outras matérias, da maior relevância, que se pretende introduzir no texto da Constituição respeitantes, naturalmente, ao indispensável reforço do poder legislativo regional que não foi obtido pela Revisão de 2004 que pouco mais foi do que um logro
·A Autonomia foi, desde os seus primórdios, um projecto eminentemente regional, mas, ao mesmo tempo, revolucionário e novo. Foi e é um projecto pensado e sonhado por gente. Um projecto de quem não baixou bandeiras, não desertou nos combates, não abdicou de ideias, nem de esperanças, que se afirmou, sempre, inimiga do equívoco e da duplicidade. É um projecto que se vai construindo no silêncio, no trabalho, na dureza e nas alegrias do quotidiano, com coração e espírito de luta. Uma ideia que vem do fundo da História e que avança com a roda do tempo
·Os últimos 33 anos da nossa história contemporânea foram, sobretudo, um tempo de conquista de direitos, de instauração de políticas desenvolvimentistas e, igualmente, de marcado pendor social, em persistentes e consequentes combates contra centralismos e dominações (…) Não obstante os entraves de natureza constitucional, que se nos colocam a obra da Autonomia, em Democracia, na Região, está aí à vista de todos. Foi também uma obra que procurou eliminar a pecha do provincianismo servil e da dependência pela ignorância
·Estamos num momento de escolhas claras, não deixando que, tal como sucedeu durante séculos, e à nossa revelia, outros se encarreguem de ditar a nossa vontade e condicionar o nosso futuro. Não é tempo nem há espaço para pudores, debilidades ou propostas de conciliação a todo o preço, com o que não é conciliável, ou de diálogo pelo preço de tudo porque os reclamados direitos da Madeira precedem e excedem tudo o mais. Só Deus lhes está antes. (fonte: Miguel Mendonça, Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira - discurso no 01 de Julho de 2009, Dia da Região)

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