sábado, julho 18, 2009

Irão: ser mulher no Irão

A jornalista do Público, Sofia Branco, publicou há uns anos um interessante artigo sobre o que é ser mulher no Irão texto esse que eu recordo porque ajuda a perceber melhor o motivo das mulheres estarem na primeira linha da contestação no Irão:
"A Revolução Islâmica de 1979, que destituiu o xá, teve um enorme impacte na vida das mulheres, trazendo consigo restrições mais severas, como um novo código de vestuário, mas também novas oportunidades, como a possibilidade de obter uma educação, a par com os homens.Os religiosos conservadores impuseram, desde a revolução, restrições à forma como as mulheres se vestem e aos seu comportamento. Em público, as mulheres devem usar o "chador" (espécie de grande lenço preto), cobrindo o cabelo e o corpo até aos pés. A face pode ser mostrada no Irão. Ainda existem restrições para as mulheres que queiram alugar apartamentos sozinhas e, por vezes, para viajarem para o estrangeiro ainda precisam de consentimento prévio dos maridos ou pais.Os dois sexos são aconselhados, pelo menos em público, a manter uma certa distância. Nalgumas zonas, mulheres e homens têm áreas de transportes públicos próprias, bem como existem estâncias de esqui, praias e outras instalações desportivas apenas para mulheres.Estas restrições tiveram algumas consequências nefastas: as mulheres têm uma taxa de suicídio mais alta do que os homens, particularmente em Qom, cidade santa para os muçulmanos xiitas e centro dos estudos religiosos do Irão.Nos últimos quatro anos, sob a Presidência reformista de Khatami, as mudanças na vida feminina evidenciaram-se mais. Actualmente, os sectores mais religiosos continuam a fazer do uso do "chador" uma tradição, mas em Teerão, por exemplo, existem muitas mulheres, inclusivamente as que ocupam cargos de chefia, que o substituem por um gabardina larga, a tapar o corpo até abaixo do joelho. O cabelo tem, por outro lado, que aparecer sempre coberto, podendo usar-se um "hijab" ou lenço, que começa a ser colorido e com padrões diversificados. As mulheres começam a usar maquilhagem. Mulheres na políticaNa área da política, as mulheres estão a tornar-se cada vez mais activas, mas continuam a ocupar poucos cargos de direcção. Elegíveis desde 1962, as políticas iranianas obtiveram o maior número de votos em 109 cidades, nas eleições locais de Fevereiro de 1999. No Majlis actual, existem 15 mulheres-deputadas (em 290 assentos), na sua maioria moderadas. As legislativas de Fevereiro-Abril 2000 contaram com o número recorde de 518 candidatas.Nestas presidenciais, as 45 candidaturas de mulheres foram rejeitadas pelo Conselho dos Guardiões da Constituição, embora Farh Khosravi tenha integrado o primeiro leque seleccionado de 30 candidatos, retirando posteriormente a candidatura.O apoio feminino, aliado ao das camadas jovens, foi decisivo para a vitória esmagadora de Khatami nas pesidenciais de 1997. O Presidente cessante conquistou os corações femininos a partir do momento em que declarou que, segundo o Islão, mulheres e homens são iguais em direitos. Para isso, Khatami pediu aos seus ministérios que integrassem mais mulheres. No entanto, para o seu gabinete, Khatami escolheu apenas uma mulher, Masoomeh Ebtekar, actual vice-presidente para a Organização da Protecção Ambiental do Irão.Nesta campanha, Khatami voltou a virar-se para as mulheres, garantindo-lhes mais poder. "Temos tentado aumentar o papel das mulheres na tomada de decisões na política e na sociedade", afirmou numa mensagem lida num acto de campanha para as mulheres. "As mulheres não são seres de segunda classe, não são menos do que os homens", declarou Khatami, prometendo acabar com as "discriminações". "A questão da mulher exige uma nova abordagem, a todos os níveis da sociedade. As discriminações que existem na nossa cultura, direito e estruturas políticas devem acabar", defendeu Khatami.Peso das mulheres na sociedadeA gestão do núcleo familiar - considerado a base fundamental de toda a sociedade pelo Islão - cabe, quase na totalidade, à mulher, com tudo o que isto tem de positivo e de negativo. Para os muçulmanos, a mulher é o elemento harmonizador da família e é responsável pela estabilidade do núcleo.Inicialmente, a Revolução Islâmica tentou mandar as mulheres para casa, com ofertas de reforma antecipada e de incentivos a trabalharem menos, mas as necessidades do país, nomeadamente durante a guerra com o Iraque, modificaram a situação e, hoje, as mulheres representam cerca de doze por cento da força laboral.A nível da educação, a literacia feminina tem crescido muito. As mulheres representam cerca de metade dos alunos no ensino superior. Na área da agricultura, o Departamento dos Assuntos Femininos tem tido uma acção positiva no desenvolvimento das zonas rurais. Mais de 60 cooperativas femininas abriram entre 1983 e1987, dirigidas e administradas por mulheres.A representação das mulheres na sociedade civil tem aumentado, sendo-lhes permitido, actualmente, integrar as forças policiais ou ser juízas conselheiras, e assistir e jogar futebol. A sociedade iraniana tem revelado uma certa abertura nos últimos anos, nomeadamente em relação a assuntos antes considerados tabu. Questões como a prostituição, fenómeno crescente, têm sido debatidas abertamente na imprensa. Nalgumas reportagens televisivas recentes, são mostradas imagens de toxicodependentes. Por outro lado, continuam a existir testes de virgindade obrigatórios para as mulheres. Caso a sua "pureza" não seja confirmada, as mulheres são punidas com chicotadas.As mulheres têm vindo a exigir os mesmos direitos de herança, divórcio e custódia dos filhos (os maridos podem ficar com a custódia, desde que as filhas tenham idade superior a sete anos e os filhos a dois) do que os homens. Actualmente, as mulheres podem exigir que o contrato de casamento integre uma clásula relativa ao direito de pedir o divórcio (os homens podem fazê-lo sem apresentar qualquer justificação).A maior tomada de consciência dos seus direitos sociais tem levado as mulheres a pedir o divórcio mais frequentemente. No entanto, os testemunhos femininos nos tribunais valem apenas metade dos masculinos e, nalguns crimes, não são admitidos de todo.O Parlamento, dominado por reformadores, aprovou uma lei este ano que tornava obrigatória a aprovação do tribunal no que diz respeito a casamentos de raparigas com menos de 15 anos e rapazes com menos de 18. Esta lei, que se destinava a proteger as raparigas novas de casamentos forçados, foi, contudo, desaprovada pelo Conselho dos Guardiões da Constituição, que tem o poder de rejeitar legislação que vá contra a Constituição e a "sharia" (que permite os casamentos de raparigas a partir dos nove anos e de rapazes a partir do 14).Apesar disto, as mulheres iranianas gozam de mais direitos e oportunidades do que as suas congéneres da maior parte dos Estados do Médio Oriente, podendo estudar, trabalhar, votar, conduzir, viajar sem a autorização do marido e exercer quase todas as profissões".

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