quarta-feira, julho 01, 2009

Opinião: "A Gronelândia entre o medo e a esperança"

"A Gronelândia é um enorme paradoxo. Para muitos estrangeiros representa um desastre inevitável. Para os seus habitantes a ilha é sinónimo de esperança. Este paradoxo está bem visível em Ilulissat.
Ilulissat, uma pequena cidade no oeste da Gronelândia, com cinco mil habitantes e um hotel de quatro estrelas, transformou-se nos últimos anos num lugar de peregrinação política para os decisores europeus e americanos. Angela Merkel, Durão Barroso, Romano Prodi, John McCain e Nancy Pelosi, speaker da Câmara dos Representantes dos EUA estiveram na longínqua Ilulissat. O mesmo se pode dizer de inúmeras celebridades no mundo euro-atlântico.O que é que explica esta verdadeira ponte aérea política em direcção a uma pequena cidade numa ilha com apenas 57 mil habitantes onde muito pouca gente acaba um curso universitário, o alcoolismo e o desemprego são elevados e as estradas praticamente não existem? O que é que Ilulissat e a Gronelândia têm de tão especial para atrair tanta gente?
Glaciares e muito gelo é a resposta. Em tempos não muito distantes, os glaciares da Gronelândia eram uma visão espectacular. Eram também uma visão benigna. Hoje em dia, estes glaciares geram medo na Europa, EUA, no Pacífico e nas costas do sudoeste da Ásia. A rápida diminuição do glaciar de Ilulissat por causa do aquecimento global explica as viagens dos líderes políticos e das celebridades, a atenção dos cientistas e as imagens que vamos vendo periodicamente nos telejornais nacionais e internacionais.
Para cientistas, activistas e ex-políticos como James Lovelock, Mark Lynas e Al Gore o desaparecimento dos glaciares da Gronelândia fará subir entre seis e sete metros as águas dos oceanos. As consequências para cidades, estados e países como Londres, Veneza, Calcutá, Nova Iorque, Tóquio, Florida, Bangladesh, Vietname, Tuvalu e as Maldivas serão catastróficas. (O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas é bem menos catastrofista na sua análise da possível evolução do clima nas próximas décadas).
Na Gronelândia, o aquecimento global tem gerado um sentimento muito diferente do medo que vemos na Europa e EUA. Há 30 anos, Nuuk, a capital da ilha, era conhecida pelo seu nome dinamarquês — Godthab, ou seja, Boa-Esperança. O sentimento dominante hoje em dia na pequena Nuuk tem muito a ver com a esperança de que o aquecimento global mude a Gronelândia para melhor ao nível económico e político. Nas lojas da cidade é possível comprar batatas e brócolos produzidos localmente, algo impossível até há poucos anos. Nos mares, o bacalhau está de volta.
Estes pequenos sinais prometem o acesso às riquezas minerais e energéticas que parecem existir na ilha. O número de empresas interessadas em pesquisar a existência de minerais como o ouro, diamantes, ferro, zinco, chumbo e urânio é elevado. Estima-se que nas águas do nordeste estejam 31 mil milhões de barris de petróleo e gás natural. Mais a norte, o Árctico promete ainda mais recursos energéticos e minerais. Nuuk espera deixar de ser uma fronteira climática e tecnológica no acesso e exploração dos minerais e energia. Espera também ter uma relação política diferente com a Dinamarca.
A Gronelândia é território dinamarquês desde 1721. A ilha é autónoma desde 1979 e continua a receber anualmente 537 milhões de euros de Copenhaga. O aquecimento global, com as suas promessas, ajudou a maioria dos habitantes da Gronelândia a negociar mais autonomia em relação à Dinamarca. No domingo passado, a popular rainha Margarida II esteve em Nuuk para entregar ao presidente do parlamento o documento que transfere para o Governo local o controlo gradual em áreas que vão da exploração do petróleo e minerais ao sistema de justiça. As receitas obtidas com o petróleo e minerais serão partilhadas pelos dois Governos. Entre a esperança local e o medo estrangeiro, a Gronelândia está a mudar
" (artigo de Miguel Monjardino, publicado no
Expresso)

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