quarta-feira, julho 01, 2009

Reportagem: "GRONELANDIA: "Autonomia exige dinheiro"

"Para o primeiro-ministro da Gronelândia, Kuupik Kleist, “só faz sentido aderir a uma união de países se isso se basear em argumentos lógicos”. É por isso que a Gronelândia — território dinamarquês que goza de um novo regime de autonomia desde o passado domingo — não se arrepende de ter saído da União Europeia (UE), em 1985, após consulta popular. Já em 1973, a maioria dos gronelandeses votara contra a adesão da Dinamarca, que os arrastou para a União. “Não vejo como é que a UE poderia proteger-nos da crise”, afirma Kleist, rejeitando comparações com a Islândia, onde o colapso do sistema bancário suscitou um debate sobre a adesão. A Gronelândia quer, até, rever os acordos estabelecidos com a Europa dos 27. “Estivemos satisfeitos durante muitos anos, mas agora esses acordos estão desequilibrados a nosso desfavor”, diz Kleist. Refere, como exemplo, a proibição do comércio de produtos provenientes da foca, decretada pela UE a 5 de Maio.
O primeiro-ministro lidera a esquerdista Aliança Inuit, que governa aliada a dois pequenos partidos conservadores. Nas legislativas de 2 de Junho, derrotou o partido social-democrata Siumut, no poder desde 1979 (ano do primeiro estatuto de autonomia). O Executivo encabeçado por Kuupik Kleist assume 30 novas áreas de governação, graças ao estatuto aprovado por 75% dos gronelandeses, num referendo realizado em Novembro.
Polícia, justiça, guarda-costeira e política externa passam a ser competência de Nuuk, a capital, outrora conhecida pelo nome dinamarquês Godthåb. O gronelandês passou a ser a única língua oficial na maior ilha do mundo (2,16 milhões de quilómetros quadrados para 57 mil habitantes), que tem, agora, o direito à autodeterminação. O primeiro-ministro Kleist diz, todavia, que “a independência não é um assunto premente”. “Implantar a autonomia alargada é tarefa para 10 a 15 anos.” Quando saiu da UE há 24 anos, a Gronelândia fê-lo para evitar que Bruxelas assumisse o controlo das pescas, o seu mais precioso recurso natural. Hoje, há novas riquezas por explorar no Árctico: petróleo, gás e minerais, que o derretimento da calote polar torna mais fáceis de extrair (ver texto ao lado).
Para aproveitar esses recursos, os países com costa no Árctico — Dinamarca (via Gronelândia), Noruega, Rússia, Estados Unidos da América (via Alasca) e Canadá —, esticam ao máximo as suas fronteiras marítimas. À Zona Económica Exclusiva (até 200 milhas náuticas da costa, ou 365 quilómetros) somam-se os direitos sobre o fundo do mar na extensão da plataforma continental de cada Estado.
A riqueza do Árctico motiva disputas sobre acidentes de relevo submarinos como a Cordilheira de Lomonosov, reinvindicada pela Dinamarca (via Gronelândia), o Canadá e a Rússia. Foi lá que uma expedição russa colocou uma bandeira, em Agosto de 2007. Este gesto causou polémica, embora Moscovo garantisse que não estava a ocupar território, apenas a verificar o tamanho da sua plataforma continental. A Gronelândia tem uma motivação suplementar para cobiçar o maná do Árctico. Ao abrigo do novo estatuto, será gradualmente reduzido o subsídio anual de 3200 milhões de coroas (430 milhões de euros) que lhe chega de Copenhaga, e que constitui dois terços do orçamento da ilha. Com o desemprego acima dos 9%, problemas de alcoolismo e suicídio e quatro quintos da sua superfície sob gelo, é um desafio para a Gronelândia manter um PIB per capita que era, há dois anos, de 27122 euros (o de Portugal era de 15058 euros).
Kleist explica que o Árctico “ainda não gera receitas significativas”, embora já tenham sido emitidas 80 licenças para exploração de petróleo e gás. A forma de dividir o dinheiro proveniente dos combustíveis também mudou. Os primeiros dez milhões de euros vão para a Gronelândia e o resto é dividido irmãmente com Copenhaga
" (texto do jornalista Pedro Cordeiro, no Expresso)

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