sexta-feira, janeiro 22, 2010

"Lá foi o nosso Rui"

Conheci o Rui há muitos anos, na Pena, quando a malta tinha o fulgor que naturalmente fomos (estamos) perdendo. Porque os anos passam. Unionista, desportista, funcionário bancário, o Rui Adrião era um tipo daqueles que nenhum de nós imagina chegar ao final do seu percurso de vida da forma que acabaria por acontecer, vítima de uma doença prolongada, que aos poucos foi destruindo, daquelas doenças que bem os apetece dar cabo dela, esmagá-la, mas que antes disso ela acaba por nos destruir. Lembro-me bem daquelas animadas "romarias" diárias, Rua Pedro José de Ornelas abaixo, de manhã cedo, "excursões" de estudantes do Liceu ou da Escola Industrial de então - instituições que se "picavam" uma à outra numa rivalidade que o tempo se encarregou de pôr côbro, rivalidade essa que naqueles grupos e entre aquela malta, não existia porque não podia existir. Era um ritual diário esta descida para as aulas das 8 da manhã. Vínhamos todos a pé para baixo, subíamos quase todos a pé de regresso, um dia mais, outro menos, tudo em função dos nossos desencontros e horários. E claro, os engates. Esperávamos todos uns pelos outros, porque era assim que vivíamos, cultivando entre nós a amizade de quem acreditava que era "dono" do tempo e nunca imaginou que a alguns de nós pudesse acontecer o que aconteceu ao longo de todos estes anos, e que provavelmente voltará a acontecer a outros, porque não somos senhores do nosso destino. Quando esta madrugada me enviaram uma mensagem - "O Rui Adrião acaba de ir-se embora", a que se seguiu uma outra "Lá foi o nosso Rui" - lembrei-me logo, não das nossas disputadas jogatanas de futebol no campo de cimento do Colégio de Santa Teresinha, onde regularmente nos encontrávamos, com a condescendência das "Irmãs" dessa altura, mas sim daquela espécie de autocarro que descia pela Pena abaixo, tomando porta sim, porta não, os passageiros que à hora de sempre, lá estavam à espera e engrossava. O Rui era um dos primeiros, vinha lá mais de cima da Pedro José de Ornelas. Não era o "chauffeur", mas era quase. É corrente afirmar-se que os homens não choram. No meu caso, factos da minha vida, acontecidos cedo demais, muito demasiado cedo, secaram o poço de onde brotam as lágrimas. Praticamente não sei o que é isso. Mas não escondo que sofri, guardando para dentro a tristeza de ver partir o Rui Adrião. Tal como há poucas semanas atrás, quando vi uma sua fotografia no jornal numa manifestação ligada ao desporto. Fiquei com a certeza que ele sofria, e embora continuasse a ser o mesmo Rui com quem todos se davam, percebi também que ele já tinha deixado de ser o tal "chauffeur"de que atrás falava. Encontra rapidamente a paz, vai fazendo tempo nesse lugar onde certamente os bons se reúnem, porque tenho a certeza que, é tudo uma questão de tempo, vamos todos nos reencontrar. Os que descíamos manhã cedo, todos os dias, pela Pena abaixo, barulhentos, bem dispostos e peito-cheio, porque éramos tantos que ninguém se atrevia a meter connosco. E se há modalidade onde mais farás falta, é o basquetebol da qual foste um dos emblemas e um dos entusiastas. Modalidade que certamente saberá prestar-te o tributo que mereces.

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