segunda-feira, janeiro 24, 2011

RESCALDO (I)

"Costumam dizer os entendidos que cada eleição é uma eleição e que não deve comparar resultados eleitorais de actos eleitorais diferentes, muito menos manipulando-os para projecções. De facto, concordo com tudo isso. Mas nada nos impede de estabelecermos, no quadro da análise sempre especulativa pós-eleições, uma comparação entre os resultados partidários em eleições diferentes e anteriores, com resultados de candidatos apoiados pelos respectivos partidos.
A primeira nota a ter em consideração tem a ver com o facto de não ser credível qualquer associação entre estas eleições e as regionais de 2011, pese embora alguns sinais que inquestionavelmente o eleitorado quis dar. A votação para a liderança de um governo regional, tendo por exemplo Alberto João Jardim e outros políticos regionais (os mesmos de sempre) como protagonistas, nada tem a ver com o debate presidencial, ainda por cima para uma reeleição quase dada como certa. Não confundamos as coisas. Haverá quem o fala, mas acaba por se ridicularizar. A minha primeira constatação, é que o eleitorado madeirense está a mudar, uma mudança geracional progressiva, e que caminhamos para uma situação em que a volatilidade eleitoral será cada vez mais real, porque as pessoas tendem a sentir-se cada vez menos vinculadas a um partido em concreto. Passam a votar em função de outros valores, mais imediatistas, de coisas aparentemente insignificantes, de ideias que vão construindo com a ajuda da comunicação social, mas sobretudo com a influência crescente, e nem sempre valorizada, das novas tecnologias e das potencialidades da internet. As pessoas passam a votar, já estão a votar, quanto muito, nos candidatos, em função do perfil destes e da opinião que deles têm. Votam cada vez menos em função de ideologias. Votam contra partidos por causa de outros candidatos e pelo que fazem ou deixam de fazer. Reparem que neste acto eleitoral os partidos do contra que andaram desde 2007 a ”berrar” num coro quase afinado, foram os que maior sova levaram, já que acabou por ser Coelho – e reconheço-lhe mérito pessoal nos resultados, não ao PND, muito menos das figuras que aparentemente personificaram até hoje este partido, embora aceite que também o factor regional da proximidade poderá ter influído – a capitalizar a seu favor um sinal de descontentamento que as pessoas quiseram dar num determinado momento e contexto.
A minha dúvida sobre isso é contudo outra, bem mais inquietante para os partidos e para os políticos, particularmente para aqueles que terão que liderar, acho que com maior contundência, um processo de mudança política que tem que ser mais profundo: se em Janeiro deste ano, naquele que será um dos piores anos de sempre em mais de 30 anos de democracia, para as pessoas, as famílias e as empresas, assistimos a esta hecatombe eleitoral, o que não poderá acontecer, quer em termos de abstenção, quer em termos de subversão do que até hoje alguns entendiam ser a uma absurda ”lógica eleitoral” (que não existe até porque, que nessa ordem de ideias e no caso da Madeira, ela tinha sido hiper-pulverizada), em Junho, num cenário patético de eleições legislativas antecipadas, ou em Outubro, nas regionais, se as coisas se mantiverem como até aqui e se agravarem, se a insatisfação popular aumentar, se o desemprego crescer, se a pobreza, em grande medida devido ao corte de benefícios sociais, piorar se o endividamento das famílias aumentar, então o que não poderá acontecer em termos de resultados eleitorais?!
Repito, recuso o empolamento à volta dos resultados – espero que José Manuel Coelho não adjective da forma ofensiva como já o fez no passado recente as opções eleitorais dos madeirenses que agora votaram, nele, só porque nesses actos eleitorais anteriores votaram noutros partidos… - não estabeleço ligações com as regionais, tal como não me esqueço que Manuel Alegre contava este ano com favas contadas – influenciado pelo fenómeno das presidenciais de 2006 – quando acabou por ser derrotado em toda a linha, obtendo piores resultados agora com o apoio do OPS e do Bloco de Esquerda, do que quando concorreu contra o PS e sem apoio partidário declarado.
As presidenciais – e vou fazer um rescaldo meramente opinativo e analítico das presidenciais de domingo passado – resolveram-se logo à primeira volta, tal como defendi e tal como era desejável num país completamente falido. Nesse aspecto, esta foi uma questão positiva deste acto eleitoral. O reverso da medalha tem a ver com os problemas surgidos com o cartão de cidadão e com o facto de num país que se diz moderno, o cartão do cidadão ser afinal fonte de problemas e não de resolução de problemas. Impossibilitar as pessoas de votar, pelo simples facto de que usam agora um, cartão que foi uma das bandeiras da governação socialista para exemplificar a modernização da administração pública é intolerável. Contudo, porque nem sequer vale a pena andarmos a pedir demissões de ministros - num país decente, ela tinha acontecido imediatamente na noite eleitoral de domingo – não vou empolar demasiado o assunto, porque ninguém me consegue dizer com verdade, qual, o número de pessoas que realmente se viram impossibilitadas de votar por causa dos problemas com o referido cartão do cidadão para que possamos aquilatar do peso dessas pessoas no universo dos votantes, particularmente o seu contributo para uma esperada abstenção.
A terceira questão, lado-a-lado com os vergonhosos problemas com o cartão, tem a ver com a abstenção. Ela foi elevada, porque já todos sabiam que seria elevada, porque é um fenómeno real de distanciamento crescente das pessoas e porque também tem a ver com uma realidade que os comentaristas fogem como o ”diabo-da-cruz“, com imperiosa necessidade de reformar o sistema eleitoral português, um sistema idiota (veja-se o embuste à volta do alegado não envolvimento directo dos partidos nas candidaturas, quando todos sabem que são os partidos que estão por detrás das principais candidaturas), obsoleto e que tem aumentado o fosso entre os candidatos e os eleitores.
Como quarta questão a abordar, incontornavelmente, a votação de José Manuel Coelho, é certo que abaixo dos míticos 5% nacionais, mas que protagoniza na Madeira, de forma surpreendente, um resultado que tem que ter uma interpretação concreta e que deixou sinais. Não nos podemos refugiar na argumentação facilitista de que foi um “acidente” eleitoral – pode ter sido, mas resta saber qual o impacto, que raízes deixará daqui para a frente, particularmente nas eleições regionais – e que não existem explicações.
Comecemos pelo mais fácil:
- José Manuel Coelho beneficiou, em muito, dos sinais de insatisfação existentes na sociedade e que não podem ser ignorados e desvalorizados. O povo dá sinais de está farto, deixou de acreditar na política e nos políticos, como no passado e, lamento ter de reconhecer isto, olha com desconfiança para certas situações e certos personagens, distanciando-se de alguns esquemas denunciados, reforça cada vez mais a abstenção, está farto das medidas impopulares que penalizam sempre os mesmos, desconfia de certas cumplicidades ao estilo da promiscuidade entre a política e o capitalismo selvagem, que muitas vezes estão na origem de problemas sociais graves. Portanto temos que lhe reconhecer
- mérito pessoal, associado ao discurso, por vezes agressivo, dizendo no fundo o que as pessoas querem ouvir, mas que revela uma evidente disputa política com outros partidos da oposição;
- ter sido capaz de servir de albergue para a insatisfação de milhares de funcionários públicos em particular, que viram, os seus salários reduzir drasticamente, quando receberam os ordenados dois dias antes do acto eleitoral;
- congregar descontentes com a política socialista que aumentou impostos, subiu o custo de vida, reduziu benefícios sociais, etc e pelos vistos tem a suprema lata de dizer que nem sabe se lá para o Verão terá que tomar medidas ainda mais gravosas., Neste contexto, o PSD não podia estar à espera de desfecho diferente, quando foi aliado do PS nalgumas das medidas gravosas em vigor e quando o próprio Cavaco Silva , o promulgar sem contestação as medidas tomadas e ao reconhecer ter contribuído para o entendimento do bloco central, acabou por ser, naturalmente, um alvo da contestação do eleitorado.
- beneficiado da oscilação eleitoral, que acredito tenha sido significativa (mas disso falarei noutro texto), que prejudicou os partidos da esquerda (PS, Bloco de Esquerda, PCP) a que se junta uma parte não quantificável de eleitores do PSD cujo grau de insatisfação também é grande;
- o facto de ter sido um candidato, o primeiro, oriundo da Madeira., aliás presente quando conseguiu as tais 8.500 assinaturas que viabilizaram a sua candidatura, fenómeno que não aconteceu por acaso e que terá sido desvalorizado erradamente (foi caricato e depreciativo, por exemplo, as televisões falarem do “candidato da Madeira”, mas nunca se referiam a Defensor de Moura como o “candidato de Viana do Castelo”
- gostem ou não, a verdade é que o tipo de discurso, pelo seu conteúdo quando fala da política regional, pode estar a deixar algumas marcas, levando as pessoas a se interrogarem e suscitando eventualmente muitas interrogações;
- finalmente, as pessoas têm que perceber, de uma vez por todas, que o exercício da política assente hoje em premissas que nada têm a ver com o que se passava há uma década, que as novas tecnologias são cada vez mais um instrumento de propaganda, que determinadas redes sociais, pelo impacto crescente, podem ser arrasadoras e que o recurso ao ataque pessoal, sob a capa do anonimato, embora sendo, e é, uma excrescência desse novo universo, têm uma projecção de leitura nalguns extractos sociais que acaba por deixar marcas, na medida em que as histórias passa de pessoa em pessoa, aumentando o universo de quem a elas tem acesso. E neste domínio reconheço que José Manuel Coelho, quer no domínio da propaganda, quer no campo do insulto e da ofensa pessoal indiscriminada – sem que pelo menos até hoje lhe tenham apontado casos que envolvam o próprio Coelho. O caso da campanha de Coelho é paradigmático. Continuarei amanhã com este rescaldo". Luís Filipe Malheiro" (Jornal da Madeira, 24 de Janeiro de 2010)

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