sexta-feira, abril 29, 2011

Opinião: "De défice em défice até à submissão ao exterior"

"Pedido de ajuda inaugura período de perda de soberania orçamental. Decisões ainda são tomadas pelo Governo e Parlamento, mas aguardam "visto prévio" da Troika. Tal como o Rei Ricardo II de Shakespeare, Portugal está aprisionado numa torre, preocupado com a perda da sua soberania económica e a perguntar em solilóquio como é que as coisas puderam correr tão mal. A frase é retirada do "Financial Times" do passado 25 de Abril. Só foi alterada num ponto: onde está "preocupado", o FT escreveu "aliviado". A "perda de soberania" deixou de ser uma possibilidade a partir do momento em que FMI, BCE e Comissão aterraram na Portela, para se tornar uma certeza. O termo é pomposo mas, em termos concretos, significa apenas que as principais decisões ao nível de política orçamental - que impostos lançar, que tipo de despesas fazer, como gerir o Orçamento do Estado - deixam de estar sob controlo nacional para passarem para mãos estrangeiras. É verdade que todas estas escolhas continuam a ser feitas a meias pelo Governo e Assembleia da República. Mas, como lembra Abel Fernandes, economista da Universidade do Porto, na prática o grau de dependência de Portugal do financiamento do FMI e da UE é tão elevado que "qualquer política terá de ser tutelada por estes corpos". Na antecâmara de eleições antecipadas, a situação significa que a margem de manobra para os diferentes partidos é cada vez mais exígua. Oficialmente, nenhum admite que o próximo Executivo poderá ser remetido à condição de mero executante de uma política imposta pelo exterior. Na prática, contudo, jáhá quem diga que os próximos tempos vão ser de técnicos e não de políticos. E o PS já deu o primeiro passo: o programa eleitoral tem 67 páginas, cerca de metade do programa de 2009. Preocupação ou alívio, como escreve o FT? À primeira vista, abdicar do principal instrumento de política económica, depois de já se ter abdicado da política monetária (ao cargo do BCE), parece um revés para uma economia estagnada há quase dez anos e a braços com uma recessão prolongada. Além disso, há a questão do orgulho nacional, invocada por Teixeira dos Santos para adiar o pedido de ajuda externa. Em surdina, contudo, há quem comente que colocar a política orçamental nas mãos do FMI durante dois a três anos é a melhor forma de levar a cabo reformas duras que de outra forma nunca poderiam ser feitas. A ideia subjacente é simples: neste momento, a economia está "presa" por vários interesses que um Governo democrático tem dificuldades em combater. Neste contexto, um plano delineado por quem está fora pode ser bastante mais efectivo.
Limitações vão continuar
Uma coisa é certa: a perda de soberania não deve resumir-se aos próximos anos. Como escreveu recentemente o Nobel Michael Spence, a Europa não está disposta a tolerar mais instabilidade do euro. A solução é, por isso, dupla: a criação de um mecanismo de estabilidade financeira que tenha, como contrapartida, o controlo mais apertado do orçamento periférico. Para países como Portugal e Grécia, isto significa menos défice. No caso irlandês, a Alemanha tem montado cerco à baixa taxa de IRC. De uma maneira ou de outra, os próximos anos parecem ser de pouca margem de manobra política. É impensável que os vários partidos se disponham a executar programas significativamente diferentes".
(texto do jornalista Pedro Romano do Jornal de Negócios, com a devida vénia)

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