sexta-feira, abril 29, 2011

Opinião: "O QUE VAI MUDAR NA SUA VIDA?"

"O Negócios desafiou os leitores a colocarem as suas dúvidas sobre o impacto do pedido de ajuda externa nas suas vidas. Eis as respostas a oito das perguntas que foram feitas.
Habitação Acesso ao crédito vai ser mais difícil?
A redução das carteiras de crédito que os bancos pretendem levar a cabo passa pela exigência de "spreads" mais elevados nos empréstimos. O que significa custos mais altos para quem for fazer um crédito à habitação. Quem fizer agora um empréstimo vai enfrentar também prestações mais altas. A tendência de subida deverá acentuar-se, como consequência do aumento das Euribor. Estes indexantes registaram um movimento ascendente nos últimos meses a reflectir a expectativa de subida da taxa de juro de referência da Zona Euro, que se situa agora em 1,25%. Acresce que o Banco Central Europeu já deu sinais claros de que não irá tolerar o aumento da inflação. Ou seja, que pode voltar a subir a taxa directora para conter a subida nos preços. No mercado, as Euribor devem manter a tendência de subida na perspectiva de novos agravamentos da taxa, que se traduzirão em prestações mais altas para as famílias portuguesas. A subida do custo do crédito poderá ser atenuada essencialmente com a amortização parcial do financiamento. Havendo disponibilidade financeira para o fazer, esta é uma boa solução para enfrentar a subida dos juros.
Banca Os meus depósitos estão protegidos?
Ao contrário do que se passou na Irlanda, o sistema financeiro português não está ameaçado. Naquele país existia um problema de solvência, enquanto os bancos portugueses enfrentam sobretudo dificuldades de liquidez no acesso aos mercados de financiamento. O Banco de Portugal exigiu aos bancos que fortaleçam os seus rácios de solvabilidade. A maioria dos principais bancos portugueses já cumpre o rácio de 8% exigido. No âmbito da ajuda externa, que deverá contemplar um pacote de apoio ao sector financeiro, aquelas exigências poderão ser ainda reforçadas. A imagem dos bancos foi penalizada pela descida dos "rating" para uma classificação próxima de lixo, decisão que as agências justificaram sobretudo com a percepção de risco sobre o Estado. A exposição à dívida pública é o "calcanhar de Aquiles" dos bancos, que serão afectados na eventualidade de uma restruturação da dívida, que parece improvável no caso português. É também de assinalar que a generalidade dos bancos tem vindo a registar lucros, trimestre após trimestre. Recorde-se que o Fundo de Garantia de Depósitos protege as aplicações até 100 mil euros por depositante. Outro risco seria a saída de Portugal do euro, o que também não se perspectiva.

Certificados Investimentos em aforro do Estado estão seguros?

Os certificados de aforro e os do Tesouro são títulos de dívida do Estado, colocados junto de investidores particulares. A legislação diz que as condições aplicadas a estes produtos não podem ser alteradas em desfavor do aforrador por um período de 10 anos após o investimento. Mas especialistas contactados pelo negócios alertam que, tal como na restante dívida pública, pode haver um corte no valor dos certificados. Só a Grécia corre o risco de uma reestruturação da dívida. Mas, no limite, também Portugal pode ser obrigado a fazê-lo. Nesse cenário, o capital e o prazo de reembolso da dívida pública são renegociados com os credores. Ou seja, podem receber o capital mais tarde e, num cenário mais extremo, receber só parte do dinheiro investido. Esta hipótese coloca-se sobretudo nas obrigações e bilhetes do Tesouro. Mas pode atingir também os certificados. À luz do direito todos os títulos de dívida do Estado têm de ter tratamento igual, defendem os juristas contactados. Além disso, a legislação que agora "protege" estes produtos pode vir a ser alterada. O IGCP está a garantir aos clientes que um cenário de perdas total ou parcial do investimento é uma hipótese que, actualmente, não se coloca.
Salários Haverá cortes no sector privado?
Reduzir salários é uma das medidas utilizadas para devolver a competitividade a uma economia com elevado desemprego e muito endividada. Mas isso normalmente é feito através da desvalorização da moeda. Sem esse instrumento cambial, um corte de salários é muito mais difícil de fazer, dada a resistência da população a reduções nominais de salários. O Governo pode, contudo, criar um imposto especial sobre os salários - por exemplo, sobre o subsídio de Natal. Neste momento, é impossível saber se a medida está no prelo. As políticas defendidas pelas principais organizações internacionais apontam, no entanto, para uma clara contenção salarial. Seja por via da orientação para a indexação dos salários à produtividade, seja pelo exemplo de cortes nominais que está a ser dado pelo Estado. Na Irlanda, a intervenção implicou o corte de um euro por hora no salário mínimo.
Austeridade Quanto tempo vai durar o aperto?
É impossível definir com certeza quanto tempo Portugal terá pela frente de políticas de austeridade e contenção orçamental. Uma coisa é certa: até 2013, ano em que Portugal se comprometeu a atingir um défice orçamental de 2% do PIB (partindo de 8,6 % em 2010), a regra será a de controlar a e cortar a despesa no Estado, com enfoque nos gastos com a Função Pública e as despesas sociais que, pela sua dimensão, são os que mais facilmente conseguem traduzir-se em resultados efectivos. Provável também é haver um aumento de impostos: nesse caso o IVA é o mais verosímil - qualquer aumento da taxa de imposto tem resultados significativos e é um dos tributos fiscais cujo aumento é menos sentido directamente pelas famílias. E depois de 2013? Dependerá muito da forma como a economia reagir à terapia de choqueque aplicada como contrapartida do empréstimo que aí vem assinado pelo FMI, Comissão e BCE. O programa da "troika", em princípio, durará até 2014. Se nessa altura, a economia nacional tiver recuperado a sustentabilidade orçamental e externa e os principais parceiros comerciais estiverem lançados numa trajectória de crescimento, então o governo de então poderá aliviar as medidas de contenção.
Euro Portugal pode sair da moeda única?
A saída do euro é admitida como um cenário possível, embora pouco provável, a longo prazo. A curto, e mesmo a médio prazo, a saída do euro não se parece colocar como hipótese, nem em termos políticos, nem económicos. A justificação para uma saída da moeda única seria a possibilidade de desvalorizar a nova moeda, facilitando as exportações e, assim, as recuperação. O problema é que essa "cura" para as empresas exportadoras seria a "morte" dos que devem dinheiro em euros. Ou seja, os portugueses e as empresas a operar em Portugal teriam os seus salários e receitas denominados na nova moeda (mais fraca), mas teriam de continuar a pagar as responsabilidades em euros o que, a partir de determinado limite, se tornaria impossível. Seria assim expectável um forte aumento do incumprimento de empresas e famílias que, em última análise, levariam a fortes pressões sobre a banca e a possível falência/nacionalização dos bancos. E este é ao mesmo tempo uma justificação política e económica para a continuação do euro. Aos factores políticos junta-se a pressão europeia por preservação da moeda única.
Reforma Idade legal deverá aumentar?
O alinhamento da idade da reforma com a evolução da esperança média de vida foi uma das orientações assumidas nos documentos oficiais da Comissão Europeia, depois da Alemanha ter recomendado a "harmonização" para os 67 anos. Em Portugal, a idade legal da reforma é de 65 anos, mas as alterações introduzidas em 2007 já prevêem que, na prática, os candidatos tenham que trabalhar mais tempo com o objectivo de evitar um corte adicional na pensão. Este ano, por exemplo, o corte é de 3,14% e o tempo médio exigido ronda os sete a oito meses. Resta saber se o chamado "factor de sustentabilidade é suficiente". O Governo demissionário considera que sim. A OCDE diz que não e Bruxelas lembra que "as reformas não se fazem de uma vez só". Certo é que o extraordinário aumento do desemprego, com a consequente quebra nas receitas contributivas, veio abalar as projecções de sustentabilidade financeira da Segurança Social. O PSD assume que é necessário tomar medidas para garantir a "sustentabilidade" da Segurança Social. No seu livro, Passos Coelho defendia o plafonamento das contribuições, ou seja, a imposição de tectos ao salário que é alvo de descontos para o sistema público comum.
Bolsa: Que impacto terá a austeridade no PSI-20?
Numa fase inicial a bolsa de Lisboa reagiu positivamente ao pedido de ajuda externa. Mas rapidamente inverteu a tendência, perante a possibilidade de uma restruturação da dívida da Grécia, o primeiro país da Zona Euro ser auxiliado. Caiu e chegou a anular os ganhos acumulados em 2011, apresentando agora uma subida ligeira. Soma menos de 1%, um desempenho aquém do das pares da Europa. A praça lisboeta deverá continuar sob pressão, na medida em que muitas empresas sentirão nos resultados as medidas que serão implementadas pelo FMI e a União Europeia. Medidas que levaram a uma contracção da economia e, por conseguinte, do consumo, penalizando as empresas mais dependentes do contexto macro-económico nacional. É o caso da Sonae SGPS, pela exposição ao retalho em Portugal. Ou da Mota-Engil, que terá de reforçar o negócio no exterior, para compensar a quebra no investimento público e privado na construção. As atenções centram-se também no sector financeiro, isto porque o apoio externo não irá necessariamente aliviar o acesso dos bancos aos mercados, tal como se verificou na Grécia e na Irlanda. A possibilidade de serem exigidos novos reforços de capital poderá manter o sector sob pressão.
Ajuda, empréstimo ou um bom investimento?
Os pressupostos para uma ajuda, um resgate ou um bom investimento são bem diferentes, embora estejam a ser usados indiscriminadamente
" (texto do jornalista do Jornal de Negócios, Rui Peres Jorge, com a devida vénia)

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