terça-feira, junho 28, 2011

A Madeira no livro do Ministro Álvaro Santos Pereira (1)

"CAPITULO 15
o Mito da Independência Madeirense

Felizmente, e contrariamente a muitos países (inclusivamente a Espanha), Portugal é um país bastante coeso a nível da identidade nacional, não existindo actualmente nenhum movimento separatista que ponha em causa a nossa integridade territorial. Porém, por vezes, surgem rumores, queixumes e inclusivamente ameaças mais ou menos veladas de que a Madeira poderá um dia seguir o seu próprio caminho. Ninguém melhor representa este espírito nem estas ameaças implícitas do que o presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim. Devido ao seu estilo pouco habitual, muitos analistas têm uma certa repulsa quando falam sobre o presidente do Governo Regional da Madeira. Mas será que não existem razões económicas para João Jardim ser João Jardim? A resposta é afirmativa, assim como é afirmativa a possibilidade de a Madeira se tornar independente. No entanto, se o quiser fazer, terá primeiro de resolver os seus graves problemas económicos, que não são compatíveis com as exigências de uma independência. Esperemos não chegar a esses extremos.

Porque é que João Jardim é João Jardim?

Nas últimas décadas, habituámo-nos a ouvir e a ver as afirmações polémicas do presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira, Alberto João Jardim. Fizeram história declarações como apelidar de «caloteiro» o então primeiro-ministro António Guterres, o desprezo que demonstrou pelo «Sr. Silva», o actual presidente da República, entre muitos e muitos outros insultos. Todos os anos, em plena silly season, João Jardim aparece-nos nas televisões, na festa de Chão de Lagoa, onde, depois de conviver com o povo e beber convictamente em todas as barraquinhas, acaba a festa a praguejar contra os «cubanos» (os continentais), os «traidores», os «mentirosos», os «caloteiros», os «colaboracionistas» e os «desgraçados». Recentemente, revoltado com a diminuição de transferências fiscais afectas à Madeira, João Jardim lançou um ataque cerrado ao actual Governo, convocando eleições regionais antecipadas (das quais emergiu com uma maioria reforçada), ameaçando recusar a aplicação da lei da Interrupção Voluntária da Gravidez no território madeirense e acusando o primeiro-ministro de querer fomentar o separatismo e de pôr em causa a coesão nacional.
Ao longo dos anos, o estilo invulgar (para um político) de João Jardim tem provocado toda a espécie de protestos e de indignações em quase todas as forças políticas e órgãos institucionais do Estado. Para além de uma forma muito própria de estar na política e da personalidade peculiar do presidente do Governo Regional da Madeira, será que João Jardim tem razões para ser João Jardim? Isto é, na nossa terminologia anterior, haverá incentivos para que João Jardim seja João Jardim? A resposta a estas questões é claramente afirmativa. De facto, por trás da maioria das declarações de João Jardim em relação ao continente reside quase sempre uma ameaça velada ou implícita de que se os governos centrais não satisfizerem as exigências da Madeira, então tudo pode acontecer ... Inclusive a possibilidade da independência deste território insular. Como os governos centrais entendem que a integridade do território nacional não pode ser posta em causa, a tendência dominante tem sido ceder às pressões de João Jardim. Consequentemente, a Madeira tem sido extremamente bem sucedida na atracção de abundantes fundos nacionais e europeus para os seus projectos de investimento e demais despesas do Governo Regional.
Ora, para além do retrato psicológico e da questão social que não nos interessa analisar aqui, economicamente faz todo o sentido João Jardim ser João Jardim. Ao jogar tão eficazmente o trunfo independentista, João Jardim tem sido capaz não só de prevenir a inconveniente interferência dos políticos do continente na região madeirense, como também (e principalmente) tem conseguido ser extremamente eficaz na atracção de fundos, tanto de Portugal Continental como da União Europeia. Assim, faz todo o sentido João Jardim ser João Jardim, porque ao sê~lo não só está a maximizar a sua «função utilidade» (como os economistas gostam de dizer), como também tem conseguido atrair uma grande quantidade de fundos para o seu território. Ou seja, João Jardim cedo percebeu que tanto jogar a cartada independentista como criar e encarnar a figura de João Jardim era a melhor estratégia para maximizar a remessa de fundos para a Madeira. Por isso, o facto de João Jardim ser João Jardim tem por detrás uma lógica económica coerente.
Assim, ao longo dos anos, quando o governo mudava no continente, quando havia a possibilidade de cortes de fundos para a região autónoma ou quando surgiam ameaças de que certos comportamentos madeirenses (a nível orçamental) não seriam tolerados, João Jardim bradava a sua fúria aos céus e proclamava o desespero madeirense perante a falta de solidariedade nacional, suspirando que os madeirenses estavam a ficar fartos da prepotência dos «cubanos» (os continentais), o que poderia fazer ressuscitar a FLAMA (uma organização que nos anos 70 preconizou a luta armada pela independência da Madeira) ou organizações similares. Perante a ameaça, sempre ou quase sempre o Governo central claudicava ou pelo menos diminuía as suas exigências e demandas em relação ao Governo Regional. Moral da história: João Jardim é João Jardim, porque existem todos os incentivos do mundo para o ser e para continuar a fazê-lo. De facto, nos próximos tempos é provável que João Jardim ainda se torne mais acérrimo e mais radical nas suas demandas, pois não só tem pouco a perder, como principalmente não tem outras soluções credíveis que assegurem a viabilidade financeira da sua região autónoma. Mesmo que fosse menos vocal ou espalhafatoso, era muito provável que João Jardim fosse sempre João Jardim no seu relacionamento com o continente. Não o fazer ou não aplicar o bluff independentista implicava a perda de milhões e milhões de euros, que provavelmente seriam redireccionados, para outras regiões nacionais.
A crise mais recente entre o governo regional e o nacional tem por base os mesmos pressupostos, apesar de agora existirem outros factores que diminuem a eficácia de João Jardim ser João Jardim. Vejamos então porquê. Graças às crescentes receitas do turismo, à existência do off-shore, aos generosos fundos europeus e nacionais, bem como graças a uma inegável boa aplicação de grande parte dos mesmos, a Madeira tornou-se em poucos anos a segunda região mais rica de Portugal, logo atrás de Lisboa. Mesmo que o off-shore madeirense esteja a inflacionar os números do bem-estar económico do território (o que é provável), a verdade é que a Madeira é, actualmente, pelo menos tão rica como o Algarve, bem acima das regiões Norte, Centro, do Alentejo e dos Açores. E este é, paradoxalmente, o grande problema de João Jardim. A afluência da Madeira faz com que a eficácia de João Jardim ser João Jardim seja grandemente diminuída. Mesmo que João Jardim ameace tornar-se ainda mais João Jardim, mesmo que os insultos subam de tom, mesmo que as ameaças se tornem mais melodramáticas, a verdade é que, perante a insofismável riqueza relativa madeirense, são cada vez menos os alentejanos que se comovem com as abastadas transferências para o território insular, são cada vez menos os nortenhos que se atemorizam com as ameaças independentistas, são cada vez menos os beirões dispostos a que os seus impostos sejam canalizados para uma região bem mais rica do que a deles. E quando a opinião pública reagiu desta maneira, o governo central, sedento para cortar despesas (e ainda por cima de outra cor política), não claudicou perante João Jardim. Foi então que João Jardim percebeu que ser João Jardim já não bastava, jogando a sua cartada final, que consistiu na convocação de eleições antecipadas. Como ficou patente na votação histórica registada pelo seu partido, ser João Jardim ainda compensa internamente, a nível regional, pois os madeirenses votaram maciçamente a favor do seu líder, «injustiçado» pelos continentais. No entanto, apesar de todo o dramatismo, é extremamente improvável que o Governo central (e muito menos a União Europeia) ceda às novas pressões e ameaças de João Jardim" 48.
Deste modo, no futuro só restam duas possibilidades ao presidente regional da Madeira. Ou percebe de uma vez por todas que ser João Jardim já não compensa e, por isso, é forçado a meter a casa em ordem, reduzindo significativamente as despesas do governo Regional (que brevemente não terá ao seu dispor muitas dezenas de milhões de euros de subsídios), ou aumenta o bluff independentista, arriscando-se a dar azo a um inexorável movimento político para o qual poderá não estar necessariamente interessado. E se é assim, surge uma pergunta inevitável: poderá a Madeira tornar-se independente? Será uma Madeira independente viável economicamente?".

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48. Mesmo assim, a chantagem resultou uma vez mais, pelo menos parcialmente. Perante a recusa madeirense em aplicar a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez no território madeirense por suposta falta de fundos, alguns membros do governo central contra-argumentaram que a falta de financiamento do procedimento não era um problema, pois o governo nacional poderia subsidiar a vinda de mulheres ao continente para efectuar a remoção do feto. Quem disse que as ameaças e o alarido não valeu a pena?"

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