sábado, junho 25, 2011

Ministro Santos Pereira: "A viabilidade da Madeira (2)"

"Como vimos no último artigo (DN, 14-11- 2006), a Madeira está a ser vítima do seu extraordinário sucesso. Como ultrapassou o rendimento médio português, há razões válidas para o anunciado decréscimo das transferências fiscais nacionais e europeias para a região. Segundo os cálculos do governo madeirense, até 2014, a diminuição dos fundos europeus e das transferências nacionais irá totalizar 940 milhões de euros (cerca de 20% do PIB regional em 2005). Não é assim surpreendente o alarme das autoridades regionais.
Como o fantasma independentista é muitas vezes utilizado, importa saber se uma Madeira independente é ou não viável. Claramente, é necessário efectuar um estudo detalhado sobre os custos e os benefícios de tal opção. Todavia, à primeira vista, tendo em conta o recente dinamismo da economia madeirense, a resposta à questão independentista parece ser afirmativa. Afinal, se Malta e Chipre conseguem sobreviver, por que razão não conseguiria uma Madeira independente, com taxas de produtividade respeitáveis (16% acima da média nacional), com um sector turístico dinâmico, com um offshore bem sucedido e com uma fiscalidade competitiva?
Porém, uma Madeira independente teria de resolver um sério problema dos chamados défices gémeos, isto é, um potencial elevado défice orçamental (devido ao fim das receitas do continente e ao decréscimo dos subsídios europeus) combinado com um pesado défice externo. Em relação ao défice externo, é de assinalar que a Madeira tem uma taxa de cobertura das suas exportações baixíssima. Em 2005, o valor das exportações madeirenses foi somente 15% das importações (sendo 12% em 2004 e 17% em 2003). Os números provisórios de 2006 são ligeiramente melhores. Em comparação, a taxa de cobertura dos Açores é de cerca de 40% e de Portugal é 65%. Com uma taxa de cobertura tão baixa, como conseguirá uma Madeira independente manter a sua sede importadora? O offshore poderá ajudar, mas certamente não chegará para sustentar sucessivos défices externos tão elevados.
Adicionalmente, assumindo que a Madeira continuaria na UE, o governo madeirense teria de resolver uma provável e complicada crise fiscal. Não é crível que a UE financiasse uma hipotética independência madeirense, pois isso poderia dar azo a uma série de demandas independentistas de outras regiões. Ainda por cima, como a Madeira está acima de 75% do rendimento médio europeu, é provável que os fundos estruturais continuem a decrescer. Assim, para colmatar a perda das transferências fiscais de Portugal e da UE, uma Madeira independente seria forçada a subir os impostos, quer a nível do IVA (cuja taxa é de apenas 15%) quer do IRS e do IRC.
Actualmente existe margem de manobra a nível da dívida pública. Porém, numa Madeira independente, a diminuição das transferências portuguesas iria certamente implicar um aumento considerável da dívida pública e do défice orçamental, os quais se poderiam tornar insustentáveis se não se criassem rapidamente novas receitas fiscais. Ora, ao ser forçada a aumentar as receitas fiscais, uma Madeira independente estaria a destruir uma das principais vantagens que hoje tem em relação à maioria dos países europeus: baixos níveis de fiscalidade.Em suma, se quiser, um dia a Madeira poderá tornar-se independente. No entanto, para que a independência possa ser viável, a Madeira terá de resolver um potencial grave problema de défices gémeos. Contudo, esperemos que não cheguemos a tais extremos. Esperemos que o bom senso entre as duas partes prevaleça e que nos lembremos do nosso longo percurso comum. Apesar da retórica, a verdade é que uma desunião não traria vantagens palpáveis para nenhum dos lados.
" (texto publicado no DN de Lisboa, em 5 de Dezembro de 2006, com a devida vénia)

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