quarta-feira, novembro 23, 2011

Palhaçadas, fantochadas e patetices na Assembleia da República

"Deputados andam agitados. Os portugueses desconfiam do parlamento. “Eu não vou permitir que este espectáculo continue”. A frase é da autoria de Luís Campos Ferreira, presidente da comissão parlamentar de Economia, e o “espectáculo” foi dado pelos deputados que protestavam com o ministro Álvaro Santos Pereira por ter deixado em casa o Plano Estratégico de Transportes. A deputada Ana Paula Vitorino preferiu chamar-lhe “uma fantochada”, mas este foi apenas um dos episódios, no início desta legislatura, que não abona a favor da fraca imagem que a opinião pública tem dos seus representantes na Assembleia da República. Umas semanas depois, o deputado social-democrata Pedro Saraiva agarrou em centenas de post-it e deixou um em cada mesa do plenário. A seguir subiu ao palanque e mostrou-se convicto de que “mais de 230 passos serão dados no longo caminho do sucesso a percorrer”. A oposição não gostou da ideia e os momentos seguintes deixaram este deputado – que tem o doutoramento em Química e é professor catedrático da Universidade de Coimbra – com as orelhas a arder. “Estas palhaçadas desprestigiantes para o parlamento não podem ser autorizadas”, gritou o deputado socialista Sérgio Sousa Pinto. “Patética intervenção”, acrescentou o líder da bancada do PCP, Bernardino Soares. Pedro Saraiva, que tem várias obras sobre empreendedorismo e inovação, aprendeu da pior maneira as consequências de tentar inovar as práticas parlamentares. O presidente da Associação de ex-deputados da Assembleia da República, Luís Barbosa, encara com “naturalidade que haja maior excitação” no parlamento, perante “problemas cada vez mais graves”, mas alerta que “numa situação de crise seria bom que o grau de consensualização aumentasse”. Luís Barbosa admite que alguns episódios parlamentares dão “uma imagem negativa da instituição”. O politólogo Carlos Jalali concorda e constata que “muito desse debate é quase uma teatralização política”. A culpa não é só dos deputados, diz Jalali, realçando que a comunicação social coloca “o enfoque no conflito” e isso leva a uma radicalização no debate.
Portugueses não confiam na ar
Certo é que episódios como estes reforçam a má imagem que os portugueses têm da Assembleia da República. De acordo com o inquérito semestral de opinião pública do Eurostat, publicado em Agosto, 69% dos portugueses tendem a não confiar no parlamento nacional e só 26% responderam que confiam. Curioso é que os portugueses acreditam mais nas instituições europeias. Quase 50% dos inquiridos dizem que confiam no Parlamento Europeu. Os países nórdicos são aqueles em que a população mais acredita nos seus representantes. 73% dos suecos, por exemplo, confia em quem os representa. Já na Grécia – que está também nas mãos da troika – mais de 80% da população respondeu que não confia no parlamento.
“Um triste espectáculo”
O professor de ciência política, Carlos Jalali, explica o descontentamento dos portugueses com o facto de existir “uma relação distante entre os eleitos e os eleitores”. As pessoas, diz o politólogo, sentem que “as suas preferências não são tidas em conta nas decisões políticas” e têm “a percepção de que o parlamento não reflecte as suas preocupações”. Para quem olha de fora, como é o caso do empresário Rui Moreira, a desconfiança da opinião pública em relação ao parlamento não é nada surpreendente. “O prestígio do parlamento está muito abalado e as pessoas não têm respeito pela instituição”, diz o presidente da Associação Comercial do Porto, que assiste com “perplexidade a alguns espectáculos lamentáveis” da vida parlamentar. “São os tais exageros que não devem acontecer”, admite o vice-presidente da bancada do PS, Fernando Jesus, que aponta ainda o dedo a “muita da comunicação social que está mais empenhada em fazer sangue”. O deputado e líder da JSD, Duarte Marques, alerta que as generalizações são sempre perigosas. “O parlamento é como uma farmácia. Tem de tudo, mas nem todos são iguais”, diz o líder dos jovens sociais-democratas, lamentando que a opinião pública tenha uma má imagem dos políticos. “Quando saio à rua sinto que ser político é quase ter cadastro, mas não podemos esquecer que não há actividade com mais escrutínio público. Nem o futebol”. O presidente da Associação dos ex-deputados atribui também à falta de experiência de alguns deputados alguns episódios menos felizes da vida parlamentar. Talvez seja essa a explicação para a deputada do PSD, Joana Barata Lopes, se lembrar de fazer uma chamada falsa para o 112 a meio de uma audição com o presidente do INEM. A ideia era provar que o atendimento não é eficaz, mas não faltou quem acusasse o PSD de estar a cometer um crime. Não menos tensa foi a reunião da comissão de economia para avaliar as parcerias público-privadas. Luís Campos Ferreira, em desespero, mandou sair os jornalistas da sala para dar um raspanete aos deputados, que teimavam em se insultar uns aos outros. No centro das atenções estava o ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos, que classificou o debate como “um triste espectáculo”. E talvez tenha razão
(texto do jornalista Luís Claro do Jornal I, com a devida vénia)

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