quarta-feira, novembro 09, 2011

Posse do Governo Regional: ideias essenciais do discurso de Miguel Mendonça

"(...) - Ao fim de três décadas e meia de experiência autonómica, e no contexto de uma envolvência externa extremamente adversa, pode dizer-se que a Madeira começa agora um novo ciclo da sua história. O regime autonómico, consagrado na Constituição de 1976, significou uma profunda alteração qualitativa introduzida na própria estrutura do Estado Português que, pela primeira vez, na sua história, conferiu poderes substancialmente políticos a órgãos regionais, com titulares não designados pelo poder central, mas eleitos por sufrágio directo e universal.

- A Constituição traça as grandes linhas nas quais se move o poder regional e o nosso Estatuto Político-Administrativo, dito como definitivo após profunda revisão do seu texto em 1999, aprovado, por unanimidade e aclamação, na Assembleia da República, constitui a nossa Magna Carta onde se inscrevem princípios, direitos e deveres que a todos se impõem. Ocorre contudo, como aliás já ocorria antes de 1999, que alguns preceitos e princípios vertidos no Estatuto são sistematicamente omitidos e postergados e o Tribunal Constitucional, ao qual cabe a complexa tarefa de conseguir os equilíbrios de poderes, delimitando as atribuições dos órgãos centrais e regionais, em lugar de o fazer, com a isenção que é esperada por parte de um alto tribunal, releva o modelo unitário do Estado para produzir jurisprudência restritiva, bloqueadora do poder legislativo regional. Tem sido sempre assim.

- A lógica e obsessão unitárias, do Tribunal Constitucional, que integra, na sua maioria, elementos por indicação partidária, tem, na mais das vezes, agudizado, em vez de apaziguar o contencioso das autonomias. A Autonomia está hoje sujeita a perigos nunca antes previstos ou imaginados. Exemplo disso foi a inadmissível e insultuosa cruzada de intoxicação levada a efeito por grande parte dos órgãos de comunicação social, contra a Madeira, por ocasião da recente campanha eleitoral pretendendo tornar-nos únicos culpados da desgraça financeira, económica e social (que vem a caminho) e se abateu sobre Portugal. Ao mesmo tempo cuidaram de ocultar, as verdadeiras causas da dívida soberana e a gestão ruinosa dos dinheiros públicos que deram corpo ao fantasma da bancarrota a breve prazo. Ocorre que tal vozearia ofensiva para com a Região conferiu, contra a vontade dos seus mentores, ainda mais legitimação democrática ao Governo, que acaba de ser empossado.

- Os poderes de raiz electiva, os poderes democraticamente legitimados, nunca podem representar coisa de somenos tanto mais num tempo em que o poder político vem sendo menorizado nas suas competências e na sua legitimidade democrática pelo poder económico; num tempo em que o debate político vem sendo desvalorizado e os cidadãos estão cada vez mais descrentes da política interrogando-se sobre se o seu futuro será, o do primado da economia, e dos seus interesses satélites, ou, o do primado da democracia participativa em que o social sobreleve o económico e a economia venha a compreender o que se passa à sua volta.

- Compete à politica não desvalorizar a economia, é certo, mas nunca subjugar-se a ela que tudo pretende prever, a tudo quer prover e tudo quer determinar condicionando, ou pondo em causa, nomeadamente, o direito dos cidadãos à saúde, à segurança social e privando-os de valores que sempre caracterizaram a cultura europeia e a maneira da Europa estar no Mundo. Não sou a favor de uma cultura assistencialista, totalmente a cargo do Estado, mas tenho, como adquirido, que o discurso e a acção política terão de ser cada vez mais sociais de forma a que a política se reencontre com o cidadão e o cidadão vislumbre um futuro de esperança.

- No acto eleitoral ocorrido em 9 de Outubro passado, o povo madeirense fez o seu julgamento quanto à situação de discriminações políticas, traduzidas na criação de crescentes dificuldades à Região, pretendendo, inclusive, questionar a sua autonomia financeira e, por arrastamento, as conquistas consideradas consolidadas e irreversíveis da Autonomia, mas, que alguns procedimentos do poder central, vêm projectando como precárias e passíveis de revisão.

- Quem não se lembra dos, já atrás referidos, violentos e virulentos ataques, internos e externos, desferidos contra o nosso bom nome e contra a Autonomia, a propósito da dívida regional, os quais culminaram até na inusitada realização, na Assembleia da República, de um debate sobre a matéria, a 72 horas das eleições regionais? Não tenho dúvidas em considerar tal debate como acto pensado e premeditado, de clara ofensa à nossa Autonomia Política e intromissão intempestiva e abusiva na nossa vida interna.

- E isto quando todos sabemos que em matéria financeira, particularmente no relacionamento financeiro entre o Estado e a Região a sua própria natureza reveste-se de grande complexidade e melindre. Até porque muitas questões que se colocam neste âmbito não se cingem ao mero plano técnico-jurídico ou económico-financeiro, antes pressupondo escolhas políticas de fundo. A própria exigência de solidariedade financeira do Estado é, aliás, uma consequência da própria essência e configuração constitucional das Autonomias, o que nunca é de mais lembrar, e implica que o Estado não se desinteresse do desenvolvimento económico regional e das dificuldades estruturais permanentes inerentes ao estatuto das ilhas, à sua ultraperificidade e fragilidade económico-financeira.

- Mas há tempos assim, em que nos querem encostar à parede; em que vivemos rodeados de círculos de fogo; em que podemos até perder uma guerra, e no dizer de Umberto Eco, por culpa
do “fogo amigo”; em que a razão autonómica é substituída por um qualquer automatismo ou tique centralista; em que a banalidade substitui o esforço do raciocínio realista. Sei que esta Autonomia está sob ameaça séria dos seus próprios defeitos, é certo, mas, sobretudo, dos seus inimigos que a querem simplesmente silenciar, ou até banir.

- Noções básicas e postuladas que pareciam definitivamente adquiridas para o futuro têm sido, propositadamente, esquecidas e poderão conduzir a desfechos impensáveis e imprevisíveis. É oportuno referir que nunca, como na Legislatura que agora findou, se verificou tanto desrespeito pelos valores da Autonomia e pelas suas instituições representativas. À República pede-se, pois, respeito pelo sentimento do povo madeirense expresso nas urnas, sentimento bem compatível com aquele outro de pertença a uma Pátria comum. Não podemos aceitar que alguns queiram reduzir a nossa Autonomia Politica a uma mera abstracção.

- A Autonomia Regional constitui uma experiência nova do nosso regime democrático, embora com raízes profundas no sentir ancestral do nosso povo. No trilhar desse difícil caminho feito em Democracia e Autonomia, cumpre louvar o espírito de missão, de abnegação e de entrega à causa autonómica, revelado por todos os Madeirenses e Portossantenses. A acção decisiva, ao longo dos tempos, dos poderes públicos regionais transfiguraram a Madeira no que ela hoje é, e está patente aos olhos de quem quiser ver.

- A hora que vivemos, pelos riscos, pelas incertezas e pelos desafios, não é uma hora de facilidades

- Não há comparação possível entre o subdesenvolvimento, a todos os níveis, de uma Região até há pouco tempo classificada, no seu conjunto arquipelágico, como ilhas adjacentes (ao largo do Atlântico e ao largo da solidariedade nacional) com a Madeira dos nossos dias.

- Os políticos são julgados pelos actos e não pelos discursos da sua lavra. Todos sabemos que não serão exultantes os tempos que aí vêm.

- Que será posta à prova a nossa capacidade de resistir, e não desistir, capacidade já testada, aliás, e com sucesso, por ocasião das invasões corsárias do século XVII e das ditaduras sidonista, salazarista e marcelista. Desiludam-se os que porventura pensam que perante as dificuldades e provocações baixaremos a guarda porque seremos sempre intransigentes com as inverdades, com as duplicidades e manipulações de alguns e nunca nos deixaremos intimidar, e muito menos abater, por campanhas de baixa extracção apontadas à Madeira e ao seu Povo (...)"

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