terça-feira, dezembro 20, 2011

Opinião pessoal: "CUSPIR PARA O AR..."

"Diz o povo que “cuspir para o ar e ficar a olhar tem riscos”. E tem. Na menor das hipóteses, o do retorno da cuspidela! A situação financeira dos Açores – depois de meses a falarem só do “descalabro” da dívida da Madeira, calculada em cerca de 6 mil milhões de euros - segundo o parecer do Tribunal de Contas relativo à Conta da Região de 2010, e ressalvando que continuam a existir dúvidas quanto à verdade em torno do sector empresarial regional local, devido a omissão de indicadores e informações, revela que em caso de realização de uma auditoria, que deveria ser realizada rapidamente, provavelmente a situação poderá ser semelhante ou pior do que a da Madeira. Os primeiros dados não colocam os Açores em boa posição, apesar do estranho manto de silêncio das “vuvuzelas” do “contra”, de todos conhecidas, e seus cúmplices submissos, e habitualmente sempre disponíveis a destacar tudo o que se passa ou envolve a Madeira e que são facilmente identificáveis.
Vejamos alguns dos alertas deixados pelo Tribunal de Contas no relatório à Conta dos Açores de 2010. Entre encargos futuros e compromissos assumidos, mais a dívida e responsabilidade por avales, os Açores apresentam encargos, diz o TC, da ordem dos mais de 2.500 milhões de euros: “ao nível dos encargos futuros, a Região deve ao SPER cerca de 329,4 milhões de euros. Para além destes compromissos assumidos, existem contratos assinados, com execução a decorrer, no valor de 1.798 milhões de euros, cujo pagamento irá onerar orçamentos futuros. A dívida bancária a 31 de Dezembro de 2010, ascendia a 374,6 milhões de euros mas no final de 2010, os Açores eram responsáveis por 23 avales, no valor de quase 413 milhões de euros, desconhecendo-se a ocorrência de algum pagamento por parte da Administração Regional”. No entanto, se juntarmos a dívida bancária das empresas públicas e associações, que ascendia a 1.254 milhões de euros – “há uma clara insuficiência de recursos para fazer face à estrutura da despesa pública” – os encargos da Região sobem para quase 4 mil milhões de euros !!! Aliás, e quanto às empresas públicas, com resultados líquidos negativos e valores de endividamento crescentes a apreciação pelo TC da situação real “está condicionada à informação disponibilizada, salientando-se alguns aspectos limitativos para uma melhor e mais objectiva abordagem sobre a situação financeira e patrimonial da Região”.
No final de 2010, as dívidas das empresas públicas e associações ao mercado de crédito internacional e nacional ascendia a 1.254 milhões de euros, mais 283 milhões de euros (um aumento de 29%) do que o financiamento obtido, em termos homólogos, no ano anterior. “Os valores apresentados para as entidades integradas no cálculo do procedimento dos défices excessivos, não são totalmente coincidentes com os apresentados pelo SREA, no âmbito do grupo de trabalho das Administrações Públicas e já validados pelas autoridades estatísticas nacionais”, refere o TC. Segundo este, a eléctrica açoriana (a EDA), detida a 50,1% pela Região, é a empresa com o maior volume financeiro de empréstimos contraídos, 312 milhões de euros, cerca de um quarto de todo o financiamento bancário em análise. A Saudaçor (saúde da Região) e os três hospitais açorianos, apresentaram um endividamento da ordem dos 540 milhões de euros, ou seja, o equivalente a 43% do total. Estas quatro entidades apresentaram um crescimento da dívida, relativamente ao ano anterior, de +39% o que, em valor absoluto, se traduziu por mais 153 milhões de euros em 2010.
Diz o TC: “A Saudaçor apenas serviu de intermediária entre os hospitais [incorporando as dívidas no seu património, substituindo-se no pagamento, e registando no seu activo as verbas a receber do Orçamento Regional] e a RAA, mantendo o valor do seu património inalterado. Assim, não pode considerar-se a obrigatoriedade de pagamento à CGD do valor de 67,3 milhões de euros como se de uma operação de financiamento da empresa se tratasse. Por outro lado, os encargos financeiros decorrentes daquela operação correriam por conta dos hospitais geradores da dívida. Após renegociação ocorrida em 2009, ficou acordado, entre a Saudaçor e a CGD, que o montante de 67,3 milhões de euros seria pago em 30 de Junho de 2010. Atendendo a que a empresa não recebeu do Orçamento da Região as verbas para aquele efeito, recorreu a um financiamento bancário no montante de 80 milhões de euros destinando parte ao refinanciamento da sua dívida bancária e o restante para saldar aquela divida Em 2010 verifica-se, efectivamente, um aumento do endividamento líquido da Saudaçor às instituições de crédito, porque, com aquela operação financeira, substituiu-se ao titular originário da dívida, extinguindo o carácter de intermediação que vinha mantendo até então e alterou a natureza do financiamento - os contratos de cessação de créditos de fornecedores tinham associados pagamentos de curto prazo (equivalentes ao ciclo das actividades de exploração) e o novo empréstimo contraído tem associado um prazo de amortização de capital longo de, pelo menos, 12 anos - por alargamento do prazo de amortização do capital”.
Ainda, sobre a dimensão e o agravamento do endividamento no sector da saúde, adverte o Tribunal de Contas, o Conselho de Administração do Hospital de Ponta Delgada, justifica-se assim: “É pois com muita apreensão que encaramos o futuro, na medida em que o previsível agravamento das dificuldades de financiamento senão mesmo o esgotamento de alternativas de financiamento, não compensadas por transferências de fundos públicos, através da SAUDAÇOR, S.A., os quais, na nossa óptica, seriam fundamentais para atenuar o que se está a tornar no crónico sub-financiamento público do Hospital de Ponta Delgada, irá originar previsíveis situações de ruptura de tesouraria, cujas consequências não podemos ainda avaliar”. Lembro aliás que devido a este documento do TC foi noticiado que a região não paga aos fornecedores de medicamentos há seis meses, que as farmácias, tal como na Madeira, já ameaçaram suspender fornecimentos e que a Presidente do CA do Hospital de Ponta Delgada se demitiu: “A coincidir com todos os problemas financeiros que enfrentam o Hospital, a presidente do conselho de administração, Margarida França, demitiu-se do cargo, demissão já aceite pelo governo. Há cerca de um ano que Margarida França foi convidada no Continente para liderar o maior hospital dos Açores. A administradora foi apresentada como uma referência na gestão hospitalar. Nas últimas jornadas Médicas dos Açores, Madeira e Canárias, Margarida França concedeu uma entrevista ao ‘Correio dos Açores’ na qual manifestou alguma preocupação pelo facto de os cortes nos rendimentos de médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, gerar alguma desmotivação que não se coaduna com a aposta da unidade hospitalar em manter os seus serviços certificados em termos de qualidade”.
Os Revisores Oficiais de Contas dos hospitais – alerta o TC – “são unânimes em enfatizar que, o continuo sub-financiamento público tem provocado uma exploração negativa com impacto directo nos capitais daquelas entidades (já falidas tecnicamente) e levando a necessidades permanentes de fundos de maneio, só ultrapassáveis com o recurso a capitais alheios de médio e longo prazo, de modo a satisfazerem os seus compromissos financeiros. Sobre esta matéria, o Tribunal de Contas tem recomendado, em anteriores Pareceres, que a tutela providencie os recursos financeiros necessários ao regular funcionamento daqueles hospitais. Urge, pois, resolver o endividamento estrutural passado, bem como dotar aquelas entidades dos meios financeiros adequados à sua actividade”.
Ou seja, há paraísos que de paraíso pouco ou nada têm. Por muito moralistas que queiram ser… Aliás, tenho as minhas desconfianças. Na altura própria ficaremos a saber tudo, a conhecer tudo ao pormenor, incluindo as razões para a tal informação que não é propiciada, conforme se queixa o Tribunal de Contas. Mas nessa altura o actual Presidente do Governo já estará a poucos meses de abandonar – porque não é recandidato a novo mandato – e os processos demoram um tal tempo que os socialistas dos Açores já perderam as eleições regionais de Outubro de 2012. Falamos nessa altura, depois de conhecidos os resultados da auditoria…"
(in Jornal da Madeira)

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