terça-feira, junho 26, 2012

Opinião: "Os jornalistas são uns idiotas úteis"

"É um suicídio tentar explicar isto em 2500 caracteres. Vou tentar... No final da deliberação da ERC sobre o caso Miguel Relvas/Público leem-se conclusões de lana caprina sobre o exercício do poder de decisão editorial nas redações, mais umas frases inócuas sobre "os poderes de influência" e "as relações entre os agentes do campo político e os do campo jornalístico". A culpa daquele somatório de lugares-comuns não é das pessoas da ERC. Criada por negociação entre PS, PSD e CDS, a ERC decide sempre pelo maior denominador comum ao "centrão", ou seja, por lugares-comuns.
Daí não adviria mal ao mundo se essa torrente de clichês, vertida em inúmeras deliberações, re- comendações e decisões, não se transformasse num guia ideológico, estatal, para esta profissão. Um guia com uma única maneira de pensar, uma única maneira de ver o mundo, uma única ética, uma única moral. Totalitário. Note-se que não estou a dizer que estou contra essa visão do jornalismo. Estou é contra um Estado que impõe esta visão única do jornalismo, por muito simpática que ela nos pareça ou por muito pluralista e democrática que aparente ser. Repito: é totalitarismo. Nós, jornalistas, ajudámos, sempre, a construir esta mordaça à sociedade: desejámos e apoiámos leis especiais, regulamentações, carteiras profissionais, conselhos deontológicos, comissões, alguns querem mesmo uma Ordem e toda uma parafernália regulatória que, também pela sua natureza agregadora deste pequeno mundo profissional, se limita, com ténues nuances, a replicar este pensamento único. De repente levamos com as ERC desta vida e nada podemos objetar. Bem feito!
Uma coisa é controlar na sociedade a aquisição e distribuição da riqueza, algo finito. Outra é controlar a liberdade de expressão, algo, felizmente, infinito. Uma coisa, portanto, é regular o negócio da comunicação social. Outra é legislar sobre o que é correto escrever, dizer ou mostrar num órgão de comunicação social. Ao aceitarmos que a liberdade de imprensa fosse desencastrada da liberdade de expressão, sob o pretexto da necessidade de controlar os abusos deste hipotético quarto poder, fomos uns idiotas úteis, instrumentos parvos dos poderosos do costume.Só uma comunicação social não regulada, no que diz respeito ao exercício específico da profissão de jornalista, poderá ser realmente livre. Os conflitos com a sociedade deveriam ser decididos, apenas, pela lei geral, aplicada pela independência dos tribunais. À esquerda e à direita nunca encontrei apoio nesta tese. Serei, portanto, um idiota inútil. Menos mal"
(texto do jornalista Pedro Tadeu publicado hoje no DN de Lisboa, com a devida vénia)

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