segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Opinião: "JUSTIÇA E INFORMAÇÃO"

"Começo este texto citando, a propósito de julgamentos precipitados, o filósofo grego Epicteto (“Manual”): “Se alguém se banha rapidamente, não deverás dizer: «Não se saiu bem». Melhor será que digas: «Foi rápido de mais». Se alguém bebe muito vinho, não deverás dizer: «É um erro». Melhor será que digas: «Bebeu muito vinho». Antes de teres apurado a razão que levou alguém a proceder daqueles modos, como podes tu saber, em boa verdade, se alguém procedeu bem ou mal? E só deste jeito, ó caro, não correrás o risco de te pronunciar sobre situações falsas tendo-as como situações verdadeiras”Não vou comentar as notícias surgidas este fim-de-semana, no quadro da chamada "Operação Cuba Livre", por uma razão muito simples: as pessoas alegadamente visadas pela investigação não foram ouvidas, não há a imputação de um crime em concreto seja a quem for, não há por isso nenhuma acusação formalizada.
Neste momento, face ao teor das notícias divulgadas, parece que o DCIAP terminou a fase inicial de recolha de documentos e de investigação, mas dado que as informações são escassas e muito genéricas, pouco ou nada mais podemos acrescentar. Salvo destacar, mais uma vez, uma nova situação de abjeta fuga de informação - não me digam que se tratou de um "ajuste de contas" por causa da substituição da magistrada Cândida Almeida!...- que apesar de tudo impede-nos de saber concretamente o que se passa com este processo, em toda a sua plenitude e extensão.
Escreveu Confúcio (A Sabedoria) que “devido ao homem ter tendência para ser parcial para com aqueles a quem gosta, injusto para com aqueles a quem odeia, servil para com os seus superiores, arrogante para com os seus inferiores, cruel ou indulgente para com os que estão na miséria ou na desgraça, é que se torna tão difícil encontrar alguém capaz de exercer um julgamento perfeito sobre as qualidades dos outros”.
Isto remete-nos ao procedimento asqueroso de vermos políticos e partidos (e não só) a se anteciparem à acusação e ao exercício da justiça, assumindo patéticas posições políticas públicas sem estarem na posse de todas as informações necessárias, numa clara precipitação alimentada em grande medida pelo mediatismo dado pela comunicação, situação que os leva a colocar a “carroça à frente dos bois”.
Podíamos questionar, por exemplo e neste contexto, qual a diferença entre este processo ainda na sua fase inicial, sem acusação formalizada, sem a obrigatoriamente de auscultação das pessoas visadas pelas notícias, e a legitimidade de alguns políticos, desonestos e aldrabões, já condenados em tribunal ao pagamento de dívidas deixadas a terceiros, depois de um processo de falência empresarial?! Regra geral são os primeiros a apontar o dedo aos outros mas como não têm espelho em casa não conseguem perceber o trasto de nojentice que deixam à sua passagem…
Podíamos perguntar, por exemplo, o que fez a justiça ao processo das 687 faturas por pagar (que passaram a 50…) no montante inicial de cerca de 8 milhões de euros (que depois passou a ser de 5,5 a 6 milhões de euros…) encontradas “esquecidas” nas gavetas de um gabinete vazio, todas elas sem cabimento orçamental e que inflacionaram o défice do ex-Instituto do Desporto de Portugal? Comparativamente são valores mais pequenos, é certo. Mas não estamos perante uma situação alegadamente idêntica à que está subjacente ao processo “Cuba Livre?! Que investigação foi feita a este caso do governo Sócrates? Que acusações foram formalizadas? Que condenações existiram?
É mais do que evidente que falta, no caso deste processo do DCIAP, ouvir os visados que, só depois da formalização de uma acusação em concreto, passam a arguidos. E mesmo assim, a acusação vale o que vale, pois só em julgamento e por decisão dos Tribunais, é que qualquer pessoa acusada é condenada ou inocentada, independentemente dessa condenação haver sempre possibilidade de recurso, até que a mesma transite em julgado.
É por isso que o jornalismo politizado que temos (também, e lamentavelmente, na Madeira) não pode deturpar a realidade, não deve julgar antecipadamente e na praça pública seja quem for, não tem o direito de querer antecipar decisões judiciais que cabem apenas à justiça e que nem sequer estão tomadas, distorcendo os factos.
Repito, há que ouvir os visados pela investigação - que não são arguidos - surgindo aqui a figura da imunidade política que funciona em condições muito concretas. Se a Assembleia Legislativa não aprovar o levantamento da imunidade parlamentar (decidida por voto secreto no plenário) - e ela terá sempre que se pronunciar - o processo não prescreve mas fica "arquivado" até que as pessoas visadas estejam em condições de serem formalmente acusadas.
Não estranho, confesso, mais uma óbvia situação de manipulação especulativa em torno de um processo judicial que está muito longe de conhecer o seu epílogo, a começar pela fase da acusação. Porque uma coisa é os partidos tomarem posições políticas com base nas grandes parangonas dos jornais, outra coisa é que, depois, lendo o texto da notícia - que basicamente corresponde aos factos – se percebe que afinal a notícia da RTP refere apenas a possibilidade do Ministério Público estar a preparar-se para acusar todos os elementos do Governo Regional do crime de ocultação da dívida revelada no verão de 2011, e que é punível com uma pena de prisão de dois a oito anos.
Quer isto dizer que a própria notícia, na sua fonte original, confirma que não há acusação formalizada, que as pessoas não foram ouvidas, que não se conhecem pormenores, nomeadamente os fundamentos da acusação a ser deduzida. Em suma, não há nem pode haver, qualquer acusação formalizada o que questiona o rigor ético de certa especulação, cujas motivações me escuso de comentar.
Neste contexto é curioso constatar que o insuspeito Bastonário da Ordem dos Advogados em declarações a um jornal local reagiu com alguma surpresa à notícia da RTP: "Parece-me um pouco temerário. Acho estranho que o DCIAP informe das diligências que vai tomar. Aliás, legalmente não o podem fazer porque a investigação está em segredo de justiça”. Marinho e Pinto escusou-se a comentar mais comentários ressalvando contudo: "Pode até ser, mas até ser deduzida acusação não me posso pronunciar sobre ela. Essas intenções só são válidas ditas por quem tem competências. Pronunciar-me-ei depois de ver e de ler".
O Bastonário já tinha criticado, na fase de investigação, em Abril de 2012, o que considerou tratar-se da "justiça-espetáculo", deixando então uma declaração curiosa: "O poder político não tem capacidade, em Portugal, para descobrir se uma Região Autónoma está ou não a esconder as contas? Penso que era uma questão fácil de saber, não são os procuradores que vão descobrir isso. Se o próprio poder político democrático não tem essa capacidade, então que se demitam. Isto faz parte da justiça-espetáculo, que tanto tem acontecido em Portugal".
Enquanto isso, espero que ninguém caia no erro grosseiro, de pretender julgar antecipadamente seja quem for, impondo a justiça em função da sua bitola própria. Seria trágico e desonesto" (LFM/JM)