sábado, março 16, 2013

Opinião: "O fracasso de Gaspar"

"1 - Há um antes e um depois da conferência de ontem do ministro Vítor Gaspar porque ela marca o falhanço de toda uma estratégia perante o País. Estamos perante um estrondoso fracasso das políticas financeiras que arrasou o tecido económico nacional a um nível sem precedentes e deixa o ministro das finanças numa posição de grande fragilidade interna, até no governo.
A política do "custe o que custar", o de "ir mais além da troika", que o ministro engendrou para conquistar os mercados e Pedro Passos Coelho ratificou, com o incrível silêncio de ano e meio perante os grandes decisores europeus, só agora timidamente rompido, teve ontem um dia de revelação.
E os números, não metem: sobe o desemprego, agrava-se a recessão, é arrasado o défice previsto para o fecho de 2012 (era de 4,5%, muito celebrado, e acelera agora para 6,6% porque também era evidente que o Eurostat não aceitaria a habilidade contabilística à volta da ANA), entre outros dados estatísticos que desaconselham o caminho seguido e no qual Vítor Gaspar não acerta nunca uma previsão e nem parte para elas com o rigor de cenários macroeconómicos credíveis.
Ou seja, quase dois anos depois, apesar do corte de 13 mil milhões na despesa pública, do tremendo esforço fiscal dos portugueses, dos direitos ameaçados, das pensões e reformas confiscadas (sobre o que o Tribunal Constitucional se terá ainda de pronunciar...), o governo não tem soluções. Repete o mérito da redução do défice estrutural primário e o excedente da balança corrente e de capital. O ministro responde honestamente com um "não sei" sobre o futuro e a eventualidade de mais cortes. Sobra, apenas, a ladainha de que as reformas estruturais acabarão um dia por repor a competitividade, assegurando crescimento e emprego. Como estratégia não chega. Como caminho não existe. Como esperança não é nada.
2 - Pedro Passos Coelho falava ainda há algumas semanas sobre a recuperação económica que começaria a chegar algures no final deste ano e seguramente no próximo. Depois de ontem, apesar das metas suavizadas pela troika, remetendo o atingir de 2,5% no défice para 2015, de mais tempo para cortar os 4 mil milhões de euros, essa expectativa é uma utopia. Só um milagre, numa Europa que também não cresce, e onde as eleições alemãs bloqueiam a capacidade de ação dos líderes europeus, poderia trazer crescimento e interrupção da destruição de emprego num mercado interno arrasado por decisões tão desastradas como o imposto que caiu sobre a restauração. Um exército de desempregados de mais de um milhão de pessoas (se somarmos os que já desapareceram das estatísticas oficiais) não consomem - e quem tem emprego pensa em tudo menos em comprar, investir, gastar.
O que cria emprego é o consumo e essa dinâmica não vai ser recuperada depressa porque o "bater no fundo", afinal, ainda estava algo longe.
3 - Nesta conjuntura, os cidadãos não gastam, nenhum empresário tem condições para investir, ainda falta dinamizar o crédito e ao governo resta o caminho, estreito, que diabolizou a José Sócrates: obras, investimento público. Os portos substituem o aeroporto, o TGV não é de pessoas mas será de mercadorias. Afinal, o que tem de ser tem muita força...
Ir além da troika e do memorando foi uma imprudência e uma temeridade que agora o País paga com sofrimento acrescido. Esta violência não era de todo necessária e até Cavaco Silva vai adaptando o discurso à realidade: "Portugal precisa que não se tenha a exigência de cumprir a todo o custo os défices fixados em termos monetários".
Vítor Gaspar é, desde ontem, por muito que seja considerado lá fora, pelos sacrifícios extra que impôs ao País, um homem desacreditado internamente. Portugal perdeu a confiança no ministro das finanças. Também isso não pressagia nada de bom.
Com absoluta unanimidade, todos os parceiros sociais rejeitaram a estratégia do governo de negociação mínima com a troika. O País precisava, vai precisar, de prazos mais largos, de mais tempo, por muito que o primeiro-ministro insista em não o reconhecer" (editorial do DN de Lisboa, por João Marcelino, com a devida vénia)