domingo, março 17, 2013

Porque é que Gaspar nunca acerta nas previsões?

Escreve o jornalista do Expresso, João Silvestre: "Ouvir Vítor Gaspar a responder “Não sei” a um jornalista é um acontecimento inédito. Mas o ministro das Finanças fê-lo, e por duas vezes, mesmo no final da conferência de imprensa quando questionado sobre a parte da revisão das previsões de crescimento relacionada com o enquadramento externo. Sem quantificar, Gaspar garantiu que terá sido a maior parte. Parecia um exercício de probabilidades e estatística, mas, na verdade, era de uma avaliação de responsabilidades que se tratava. As previsões económicas erram frequentemente o alvo e vão sendo sucessivamente revistas. O problema é que há umas que erram mais do que outras. Comparar as projeções iniciais do programa da troika com as atuais é quase o mesmo que olhar para dois países diferentes. Em maio de 2011, esperava- -se que Portugal tivesse dois anos de recessão (2011 e 2012) e que crescesse 1,2% em 2013. Pura ilusão. O produto interno bruto (PIB) vive já o terceiro ano em queda e ninguém pode garantir que fica por aqui, ainda que o Governo aponte para um crescimento de 0,6% em 2014 com uma inversão no último trimestre deste ano. O caso mais dramático de falhanço nas contas é o desemprego. Inicialmente, as estimativas apontavam para um pico da taxa em 2012 nos 13,4%. Um valor ultrapassado poucos meses depois e que ficou a anos-luz de distância da realidade. Para este ano, por exemplo, a previsão original era de um desemprego de 13,3% e a nova estimativa é de 18,2%. Ou seja, o Governo errou o alvo por quase cinco pontos percentuais, que representam cerca de 270 mil desempregados. Se fosse uma cidade, seria a segunda mais populosa do país, à frente do Porto. Para 2014 o desvio é ainda maior. Há dois anos esperava-se que o desemprego fosse de apenas 12% e Gaspar aponta agora para 18,5% admitindo que pode chegar a 19%. Dependendo da evolução da população ativa, que é fortemente afetada por pessoas que desistem de procurar emprego e também por fenómenos migratórios, pode significar a ultrapassagem da barreira de um milhão de desempregados oficiais. Se a população ativa se mantiver ao nível de 2012 esse patamar será batido já no próximo ano. Recorde-se que o Governo realizou um estudo sobre o desemprego para melhorar as estimativas. Na altura, a questão era a relação entre o PIB e o desemprego — a chamada lei de Okun — que estaria a ser mal medida. Agora, parece ser o próprio PIB que falha e tudo o resto falha por arrasto, não apenas no mercado de trabalho mas também nas contas públicas. No défice, a tónica mudou para os indicadores estruturais, Ou seja, os números corrigidos do ciclo económico e de medidas pontuais. É o indicador usado, por exemplo, pela União Europeia na regra travão do novo pacto orçamental de 0,5%. Neste aspeto, diz o ministro, o ajustamento continua, apesar de, aparentemente, as contas estarem descontroladas e a troika ter sido obrigada a rever as metas duas vezes em seis meses. As variáveis estruturais são, de facto, as que revelam o verdadeiro resultado da consolidação orçamental porque calculam o défice como se a economia estivesse a crescer ao seu ritmo potencial. Há até quem defenda que a própria dívida pública deveria ser medida em termos estruturais. Os economistas Luc Eyraud e Anke Weber publicaram na semana passada um artigo (um working paper do FMI) onde propõem precisamente uma medida de dívida estrutural (resultante da soma de défices estruturais e não de défices reais) e onde avisam que, com os multiplicadores orçamentais amplificados em tempo de crise, o mais natural é que, no curto prazo, as medidas de austeridade agravem o peso da dívida no PIB. Gaspar insistiu, por várias vezes, no défice primário estrutural (sem juros) e no facto de ter sido reduzido em seis pontos percentuais do PIB, o que representa dois terços do esforço de consolidação necessário. Sobre o prolongar das negociações com a troika, disse estar relacionado com a necessidade de conseguir um equilíbrio difícil entre a flexibilização das metas, os seus efeitos económicos e, por outro lado, conseguir que a dívida se mantenha numa trajetória sustentável e consiga ser financiada. Pelas novas contas, a dívida deverá atingir um pico de 124% do PIB em 2014. A verdade é que, mesmo depois desta revisão, os riscos de ser necessário voltar a mexer nos números são reais. A começar já este ano. A recessão pode facilmente agravar-se por influência europeia, o Tribunal Constitucional pode pregar uma partida ao Governo e, além disso, a execução orçamental não é fácil. Ao mesmo tempo, para 2014 e, especialmente, para 2015 esperam-se grandes dificuldades. Não apenas porque é necessário implementar a sério os cortes de 4000 milhões mas também porque, à primeira vista, o défice de 2015 é praticamente o mesmo. Em setembro do ano passado, quando as metas foram revistas, o défice de 2015 permaneceu inalterado em ¤3,5 mil milhões. Agora, o Governo não avançou os valores, mas a revisão em percentagem do PIB de 2% para 2,5% pode ser insignificante. Tudo depende do valor do PIB nominal que Gaspar não quis avançar por estar ainda a ser analisado. O Expresso fez as contas, assumindo um deflator de 1% ao ano e usando as novas previsões de crescimento real, e o novo défice ronda os ¤4,3 mil milhões. Os cálculos de Gaspar estão feitos no pressuposto de que a economia cresce em 2014. Mas basta que o PIB não siga as ‘instruções’, como tem acontecido, e a meta de 2015 será muito difícil de atingir. Não admira que Gaspar tenha insistido tantas vezes nos défices estruturais. É que, já se sabe, os nominais não têm alinhado com o Governo".