terça-feira, abril 30, 2013

Opinião pessoal: "Nova UGT?"



"Mais do que a simples mudança de secretário-geral, o último congresso da UGT marcou essencialmente a tentativa da central sindical afecta ao PS e ao PSD - maioritariamente a corrente socialista - de reocupar um espaço novo na sociedade portuguesa, de se adaptar a uma nova realidade económica e social e de se mobilizar, de forma diferente, substancialmente diferente, às novas exigências determinadas pelo impacto da crise que nos destrói um pouco cada dia que passa.
É mais do que óbvio que o movimento sindical português, a exemplo do que acontece em praticamente todos os países europeus, pouco ou nada tem de independente, já que vive na sombra de influências político-partidárias que não abdicam de marcar o seu terreno de actuação, de influência e de manipulação no complexo mas importante movimento sindical. Aliás, basta olhar para a realidade também do movimento sindical na Madeira, desde a USAM à UGT local passando pelos diferentes sindicatos ligados a qualquer das duas facções, para percebermos que essa ligação umbilical entre partidos de esquerda e dirigentes sindicais é inegável. Aliás, percebe-se que o PCP consegue a proeza de saber alargar essa sua capacidade de manipulação e de influência - que lhe reforça a importância social, mais do que a influência eleitoral e politica na sociedade portuguesa - a movimentos apresentados como de cidadãos ou de utentes - caso dos utentes da saúde, dos reformados e pensionistas, etc - garantindo deste modo o controlo desses movimentos de contestação e uma presença assídua na comunicação social com todas as mais-valias daí resultantes. Basta que as pessoas comparem as tomadas e posição desses movimentos com as posições públicas e políticas do PCP para se perceber essa relação umbilical que depois se confirmam com as candidaturas eleitorais. 
A CGTP- Intersindical é claramente um braço-armado do PCP, existindo uma profunda cumplicidade entre os dirigentes da central sindical e as estruturas dirigentes do PCP. É impensável qualquer mudança na estrutura hierárquica da Intersindical sem a voz de comando do PCP, sem que os comunistas acordem com as mudanças propostas. É impensável que a Intersindical eleja um líder sem o aval do PCP e sem que esse dirigente sindical seja militante comunista. Na UGT essa dependência pode não ser tão acentuada como a Intersindical, mas é sabido que o secretário-geral agora substituído, João Proença, foi deputado do PS e foi sempre dirigente socialista. Foi institucionalizada, como é sabido, uma partilha de poder com a corrente sindical afecta ao PSD - que elegeu o Presidente da UGT - embora não se possa afirmar que essa dependência político-partidária seja tão acentuada como a que existe entre a CGTP e o PCP. 
Fernando Pessoa escreveu (Ideias Filosóficas) que "um sindicato ou associação de classe — comercial, industrial, ou de outra qualquer espécie — nasce aparentemente de uma congregação livre dos indivíduos que compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse sindicato fica sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é realmente obrigatória. Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações (…) Não tendo uma verdadeira base de liberdade, o sindicato não coordena a classe como indivíduos; não tendo nunca uma direcção profissionalmente superior, o sindicato não coordena a classe como profissionais; não tendo outro fim senão o profissional e o económico, o sindicato não coordena a classe como cidadãos".

Hoje, passado o Congresso da UGT, e expectativa centra-se na postura que a central sindical passará a adoptar com a nova liderança que já deu sinais de estar pouco receptiva a aceitar acordos ou entendimentos com o governo de coligação, como o fez Proença, a qualquer preço. A UGT, apesar da cumplicidade evidenciada por Proença para com o poder, foi sempre olhada, nesta conjuntura de crise social, como uma central sindical cúmplice e manipulável pelo poder, disposta a assinar acordos a troco de protagonismo mediático que acabou por não lhe propiciar as desejadas mais-valias. Na rua, que é cada vez mais onde tudo se decide, a UGT perde para a Intersindical de forma mais do que evidente.

Para este governo de coligação existem duas ameaças reais que são pesadelos constantes: por um lado a perspectiva de um entendimento entre UGT e Intersindical, para acções de rua, o que seria desastroso para a estabilidade social e para o governo de coligação, cada vez mais fragilizado e temeroso das ameaças de manifestações de revolta popular, sobretudo devido aos riscos - que esperemos, assim espero e desejo não se concretizem - de comparativamente com Portugal, transformar tudo o que se passa na Grécia como uma mera história de quadradinhos. O segundo pesadelo desde governo tem a ver com a ameaça da UGT de denunciar o acordo de concertação social e de radicalizar as suas posições, caso o governo persista numa política radical de cortes cegos na despesa pública e de imposição da sua vontade, transformando a concertação social numa palhaçada. 
Neste momento pouco importa o discurso de João Proença quando abandonou a liderança da UGT. O essencial é olhar para as ideias expressas pelo novo secretário-geral da central, o socialista XXX, e perceber as suas intenções e a perspectiva que ele tem do movimento sindical, do seu papel na sociedade, das relações com o poder e das ligações com os partidos políticos, etc. Da sua intervenção final no congresso retive algumas ideias que deixam mas interrogações no ar, que respostas:

- a uma Central sindical só se exige que defenda, com todas as suas forças e ânimo, os direitos daqueles que representa – e a UGT só representa trabalhadores

- O que é o superior interessa nacional? Quem o determina? Quando é invocado, a quem pretende defender? E quando esse dito superior interesse nacional eventualmente colidir com direitos dos cidadãos e cidadãs trabalhadoras do meu país, fragilizando as suas relações, conduzindo-os ao empobrecimento, retirando-lhes benefícios sociais, diminuindo-lhes salários, agravando-lhes a sua carga fiscal de forma injusta e insensível, qual deve ser a posição de uma central sindical que só representa trabalhadores? Perdoem-me aqueles que de mim possam discordar, mas a UGT deverá estar sempre do lado dos trabalhadores – esse deve ser para nós, sindicalistas, o superior interesse nacional

- Se tivermos de decidir entre a espada e a parede, entre a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores e os credores que nos emprestam dinheiro, a UGT não pode vacilar, porque sabe que a essência da sua existência é defender e representar aqueles que trabalham e que confiam na acção do movimento sindical como último reduto na defesa dos seus direitos;

- Os cidadãos não são números. São pessoas;

- Diálogo social e político tripartido implicam disponibilidade e generosidade de todos os parceiros sociais, em particular do Governo para encontrar soluções concertadas. Ainda há poucos dias, o governo ignorou novamente os parceiros sociais, recusando partilhar connosco as novas medidas propostas à tróica, sem qualquer diálogo, negociação ou discussão prévias. Esta é para nós uma postura inaceitável. Não pode ser um jogo de espelhos. Não aceitamos a política do “quero, posso e mando”;

- As políticas de austeridade que temos vivenciado nos últimos dois anos arrasaram com as esperanças de milhões de portugueses e confirmou-se a sua falência. Há que mudar de agulha nas políticas;

- O autismo ou o desprezo não são formas de respeitar as opiniões diferentes. E hoje assistimos a movimentos de cidadãos e organizações que sentem necessidade de fazer ouvir a sua voz. E se outro sítio não conseguem, escolhem a rua que é a sede do povo, da arraia miúda. 
Uma nova UGT? responda quem souber" (LFM-JM)