"Francisco de Assis saiu de Roma com autorização para pregar
sobre a moral, embora devesse abster-se de falar sobre assuntos teológicos, uma
vez que não tinha formação nesta área. Só em 1220 recebeu de Inocêncio III uma
carta que dava aos franciscanos a categoria de ordem. Por opção, Francisco
pregava mais por acções do que por palavras e sabia que o seu comportamento
tinha de ser irrepreensível – uma noção que o Papa Francisco parece partilhar
com o santo medieval. Poucos dias depois de ser eleito, o novo Pontífice quis
pagar a conta da residência onde ficara em Roma antes do conclave que o elegeu,
apenas para dar o exemplo.
Nunca se ouviu Francisco criticar ninguém,
mas era inflexível para os irmãos de fé. Só tinha uma túnica, de tecido áspero
para mortificar a pele. Se ela se estragasse, remendava-a, tal como deviam
fazer todos os outros. Os frades eram encorajados a andar descalços ou a calçar
sapatos muito humildes, e a usar uma corda à cintura em vez de um cinto. A
única peça que podiam trazer debaixo da túnica era um par de ceroulas.
No fim da vida, os outros frades forraram
as vestes de Francisco com pêlo de raposa para ele não sentir tanto frio.
Zangou-se: não queria ser diferente dos outros. E não descansou enquanto não
voltou à mesma túnica de sempre. No dia em que foi eleito Papa, Jorge Mario
Bergoglio teve uma atitude parecida: recusou-se a usar a mozeta (capa curta
vermelha) com pêlo de arminho. “O Carnaval já passou!”, terá dito, demonstrando
que preferia um estilo mais discreto e despojado, e seguindo o exemplo do santo
que o inspirou
O rigor de São Francisco não se aplicava
apenas ao vestuário: os frades tinham indicações expressas para se afastarem do
dinheiro. Viviam de esmolas, mas só podiam aceitar comida ou géneros. E nem
pensar em ter propriedades. Quando soube que fora criada uma nova casa para os
irmãos em Bolonha, ordenou-lhes que abandonassem o edifício.
Em Assis, Francisco foi ainda mais
radical. No regresso de uma viagem, deparou-se com a construção de uma
residência quase concluída. Ele próprio subiu ao telhado, arrancou as telhas e
atirou-as para o chão, dando indicações aos outros para que o seguissem. Viveu
sempre em celas pobres e quase sem condições: já doente, recusou-se a ser
colocado em aposentos melhores e continuou a dormir em divisões com ratos e
larvas.
O actual Papa deu sinais de que prefere
morar em casas modestas ainda na Argentina: em Buenos Aires, quis ficar no seu
apartamento de um só quarto e não se mudou para a residência oficial do
arcebispo. No Vaticano, fez saber que não tenciona habitar o luxuoso
apartamento pontifício nos próximos tempos. Deverá permanecer numa suíte
reservada ao Papa na Casa de Santa Marta. É lá que vive com outros clérigos,
partilhando com eles o espaço e as refeições.
esta foi, de resto, a norma que Francisco
de Assis seguiu. Mesmo depois de ter contraído malária no Médio Oriente, onde
passou algum tempo em missão de evangelização, insurgia-se se os irmãos lhe
davam caldos de carne especiais para combater a febre alta.
Nos últimos anos, Francisco já tinha fama
de santo. Por muito que evitasse ser o centro das atenções, procuravam-no para
fazer milagres. E quando se recusava a benzê-los, os fiéis apoderavam-se de
objectos em que tinha tocado. Pouco tempo antes de morrer, ajudou a escrever a
Regra dos Franciscanos, sem esquecer um princípio fundamental: “Os irmãos nada
tenham de seu, nem casa, nem lugar, nem coisa alguma.”
Jamais perdeu a fé, nem mesmo quando os
graves problemas nos olhos o obrigaram a ser queimado com um ferro em brasa.
Morreu esquelético a 3 de Outubro de 1226. Os irmãos envolveram o seu corpo
numa mortalha cinzenta. Menos de dois anos depois, foi canonizado. A Igreja
manteve sempre viva a sua memória, mas agora o seu exemplo está mais presente
do que nunca, com o novo Papa" (texto
da jornalista da Sábado, Rita Garcia, com a
devida vénia)