sexta-feira, setembro 27, 2013

Troika: Todos os caminhos vão dar ao défice


Escrevem as jornalistas da Visão, Clara Teixeira e Inês Rapazote: "As caras da troika são novas mas os temas são os mesmos desde há meses: metas orçamentais, cortes no Estado, reduções nos salários e pensões, descida do IVA e do IRC. Os esforços do Governo estão concentrados na flexibilização do défice, mas o País continua preso pelos 10 pontos que se seguem. Dois meses chegaram para reorganizar o País e deixar claro, cá dentro, que se alcançara alguma estabilidade dentro do Governo. Mas, lá fora, permaneciam os ecos da crise política, com reflexo na subida dos juros, mas também da relação tempestuosa entre a nova ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e o novo vice-primeiro-ministro, Paulo Portas (responsável pelas negociações com a troika), e do braço de ferro entre um Tribunal Constitucional (TC) apostado numa interpretação mais restritiva da lei e um Executivo determinado em aprovar medidas que, lendo a Constituição de forma mais aberta, trariam a Portugal alguma folga orçamental. Não foi só do lado de cá da mesa que os rostos mudaram, com ou sem crise política. Do lado de lá, também. Desde segunda-feira, 16, que as 8ª e 9ª avaliações da troika são comandadas pelo irlandês John Berrigan, em substituição do alemão Juergen Kroeger (que se reformou), na qualidade de representante da Comissão Europeia (CE). O FMI anunciou também a nomeação, como chefe de missão, do indiano Subir Lall, mas o anterior, Abebe Selassie, ainda veio a Lisboa acompanhar o início das conversações. Dos rostos iniciais da troika, apenas se mantém Rasmus Ruffer, representante do BCE. Mas, e as políticas, também vão mudar? Conheça os 10 temas principais destas avaliações: 
Novas metas para o défice 
Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque vão ter de usar argumentos suficientemente fortes para convencer a troika a aceitar uma nova flexibilização das metas do défice para 2014, de 4% para 4,5% do PIB. Se a pretensão da dupla governativa for aceite, será a terceira vez que Bruxelas e Washington aceitam rever em alta as metas do défice, desde o início do programa de ajustamento económico. A última vez que o fizeram continua presente na memória de todos. Foi há apenas quatro meses, no final da difícil e demorada sétima avaliação, que o limite do défice para este ano foi alterado de 4,5% para 5,5% do PIB. Com a oitava e nona avaliação concentradas na preparação do Orçamento do Estado (OE) - que deverá ser entregue até 15 de outubro -, a flexibilização em meio ponto percentual do PIB, valendo cerca de €820 milhões, não é uma questão menor. Isso mesmo explicou a ministra de Estado e das Finanças aos responsáveis do Eurogrupo, na sexta-feira, 13, mas sem sucesso aparente, a avaliar pela reação dos parceiros europeus. Para o presidente, Jeroen Dijsselbloem, "é  importante manter o que foi acordado no âmbito do programa, incluindo também as metas do défice. Não acho que seja um bom sinal manter viva a discussão". "Portugal e o Governo português estão comprometidos com o que tem de ser feito e com o que foi acordado, e isso ajudará à saída do programa o mais depressa possível", acrescentou. Quererá a troika garantir que a disciplina orçamental vai ser mantida, antes de aceitar flexibilizar o défice? É uma leitura possível, na medida em que o Governo ainda não terá encontrado todas as alternativas ao "chumbo" do Tribunal Constitucional, em matéria de requalificação no Estado. Certo é que a frieza com que Dijsselbloem acolheu os argumentos de Maria Luís foi partilhada pelo presidente da Comissão Europeia (CE), Durão Barroso, para quem Portugal tem de "ganhar a confiança dos investidores para poder voltar a uma situação de normalidade financeira". Nesta, como noutras questões, a troika não fala a uma só voz. É do FMI que poderá vir algum apoio às pretensões do Governo, uma vez que os seus responsáveis reconheceram, no final da última  avaliação, que os "recentes ajustamentos nas metas do défice têm sido bem recebidos". Para já, ninguém se compromete com uma revisão, mas o assunto será central nestas avaliações. 
Redução nas pensões do Estado 
Partindo do pressuposto de que não haverá folga orçamental, o OE para o próximo ano vai incluir cortes adicionais na despesa do Estado no valor de €3,6 mil milhões, como previsto. Um dos maiores contributos será dado pelas pensões de reforma dos antigos funcionários públicos, que poderão sofrer uma redução de até 10% quando ultrapassarem os €600 brutos - calcula-se que estejam nessa situação cerca de 350 mil pensionistas. A novidade é que este corte de 10% pode acumular com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), aplicada a reformas superiores a €1 350 (com cortes que começam nos 3,5% e vão subindo conforme o valor da pensão), em moldes a definir no OE. A medida, com caráter provisório, está a ser aplicada desde o início deste ano, representando uma poupança de €400 milhões para o erário público. Mas o Governo não confirma, por enquanto, se esta acumulação vai mesmo avançar, nem como compensará a CES caso opte por acabar com ela. O Governo tem justificado o corte de 10% - que diminui com a idade dos pensionistas - como uma tentativa de convergência entre as pensões do Estado e as dos trabalhadores do setor privado, que o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, contabilizou como valendo €740 milhões anuais, na carta que escreveu à troika, em maio. A ameaça à sustentabilidade da Caixa Geral de Aposentações, identificada pelo Tribunal de Contas, faz parte da argumentação. Mas as incertezas sobre a sua execução são grandes, na medida em que a decisão não deverá escapar ao crivo do Tribunal Constitucional (TC). O Presidente, no início da semana, emitiu um sinal de alerta, quando disse que vai analisar "de forma muito cuidadosa" o diploma, classificando-o como "um novo imposto extraordinário sobre o rendimento dos pensionistas"... 
Aumento da idade da reforma 
Outra das medidas já anunciadas é a do aumento da idade da reforma para os 66 anos, no público e no privado, já a partir de janeiro. A alteração poupará ao Estado €270 milhões em 2014, segundo o Governo. Se somarmos a poupança de €740 milhões com a redução nas pensões do Estado, cerca €1 010 milhões de cortes na despesa estão já encontrados. Resta saber se Paulo Portas aceitará ou não a polémica TSU (Taxa Social Única) dos pensionistas que, segundo o primeiro-ministro, valeria mais €436 milhões no próximo ano - e que foi acordada com a troika. 
Corte de salários na mobilidade 
As alternativas ao "chumbo" do TC ao novo sistema de requalificação dos funcionários públicos - que permitia que fossem despedidos - parecem estar encontradas, embora com os detalhes ainda por afinar. As novas regras permitem cortes salariais até 60% após um ano passado em formação, na segunda fase da mobilidade especial, prevendo-se que o trabalhador possa ficar nessa situação até se reformar. Este modelo não compromete as poupanças estimadas em €167 milhões até final de 2014. Aguarda-se também pela revisão das tabelas salariais do Estado já a partir de janeiro, gerando uma poupança de €445 milhões. 
Reforma do Estado 
O famoso "guião" para a reforma do Estado, que Paulo Portas tinha ficado de apresentar à troika, deu lugar a uma apresentação avulsa de medidas com impacto na despesa do Estado, sobretudo através de cortes nos salários e nas pensões de reforma dos atuais e antigos funcionários públicos. Algumas dessas medidas foram rejeitadas pelo TC; outras - como a convergência das pensões - não deverão escapar à sua análise. Os atrasos na reforma do Estado, avaliada em €4,7 mil milhões, assim como as alternativas às medidas declaradas inconstitucionais, será um dos pontos mais difíceis de ultrapassar nestes dois exames. 
Descidas do IVA e do IRC 
A reforma do IRC está em preparação e será apresentada à troika nestas avaliações, ao mesmo tempo que o Governo discute o que fazer com as conclusões de um estudo que avalia a descida do IVA na restauração. É caso para dizer que este pode ser um tema fraturante na coligação PSD/CDS-PP. De um lado, Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque defendem que, em matéria de IVA, tudo deve ficar como está. Em 2012, a receita daquele imposto duplicou para €521 milhões face ao ano anterior e, no final deste ano, estima-se uma nova subida para valores próximos dos €600 milhões. Do outro, Paulo Portas e o novo ministro da Economia, Pires de Lima, são a favor de um regresso à taxa de 13%, não se opondo a que a decisão só entre em vigor no segundo semestre de 2014. Outra das possibilidades é decretar a redução da taxa só para os alimentos, continuando as bebidas a pagar 23%. O impacto de uma descida do IVA na receita fiscal está estimada entre um mínimo de €49 milhões e um máximo de €178 milhões, dependendo da decisão que vier a ser adotada. Qualquer que ela seja, o Governo terá que desenhar alternativas que compensem a quebra na receita. 
Novo ajuste salarial 
É uma questão à qual o FMI continua particularmente atento. Em agosto, o Jornal de Negócios noticiou que o Governo enviou dados incompletos para Washington, levando o FMI a concluir pela estagnação dos salários em Portugal nestes últimos dois anos, quando, na verdade, cerca de um quarto dos trabalhadores terão já sofrido cortes. Os custos do trabalho ainda são considerados excessivos pelo FMI, embora o Governo garanta que já fez tudo o que constava do memorando de entendimento. 
Sustentabilidade da dívida 
Os últimos dados do Banco de Portugal situam a dívida pública em 131,4% do PIB (cerca de €215 mil milhões) no final do segundo trimestre do ano, depois de dois anos em que as previsões da troika foram sendo sucessivamente revistas em alta. A meta para o final deste ano era de 122,9%. No entanto, a ministra das Finanças garante que a dívida não representa mais do que 118% do PIB, depois de descontado o valor dos depósitos bancários na posse do IGCP - Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, "por necessidade de prudência na gestão da tesouraria do Estado". Seja como for, a trajetória da dívida e a sua sustentabilidade irão merecer a atenção da troika, num momento em que os juros da dívida no mercado secundário permanecem elevados desde a crise política de julho, empurrando Portugal para um segundo resgate. Só os encargos com os juros representam, para o Estado, uma despesa anual de €7 mil milhões. 
Segundo resgate ou programa cautelar 
O fim do ajustamento, previsto para julho de 2014, não significa o fim dos problemas do País. Só nesse ano, o Estado terá de se financiar em €14 mil milhões para pagar os encargos da dívida, um valor que, em média, se manterá até 2023. Mas Portugal poderá beneficiar de um programa cautelar "suave" - na terminologia de Bruxelas - para apoiar o seu regresso aos mercados, sob o olhar atento do BCE. Se não der certo, o segundo resgate pode tornar-se inevitável., implicando ainda mais austeridade. O plano cautelar, tal como tem vindo a ser desenhado em Bruxelas, é um instrumento a que países como Portugal e a Irlanda podem recorrer caso sintam dificuldades no regresso aos mercados, ativando a intervenção do fundo de resgate europeu (MEE) e do BCE como se de um seguro se tratasse. Mas, para beneficiar do programa, o País precisa de voltar a financiar-se junto dos mercados, realizando novas emissões de dívida de longo prazo (a 5 e 10 anos), em regime de leilão. Só que a escalada dos juros, a que assistimos desde julho, não ajuda. As taxas mantêm-se dois pontos acima dos valores das duas emissões feitas no início do ano - a 5 anos (4,891%) e a 10 anos (6,65%) -, o que dificulta esse regresso aos mercados de forma sustentada. No âmbito destas avaliações, responsáveis do MEE também se deslocaram a Portugal para continuar a discussão sobre o programa cautelar. 
Eleições na Alemanha 
Foram conheicos, domingo, os resultados das eleições alemãs. O partido de Angela Merkel continua a ser o mais votado, mas nem mesmo assim os resultados do sufrágio interessam menos aos europeus - gregos e portugueses em particular. Deles, poderá sair um sinal sobre o alívio das políticas de austeridade, em nome de uma nova estratégia de crescimento. Se Merkel for forçada a negociar uma grande coligação, com um leque alargado de partidos, estes poderão tentar impor-lhe uma visão mais solidária para com os países europeus em dificuldades. Mas o contrário também é possível. Não faltam aos alemães argumentos para afirmarem que a austeridade está a resultar, quando analisados os últimos dados que mostram uma evolução positiva do PIB na zona euro e na Europa em geral".