Escrevem as jornalistas da Visão, Clara Teixeira e Inês Rapazote:
"As caras da troika são novas mas os temas são os mesmos desde há meses:
metas orçamentais, cortes no Estado, reduções nos salários e pensões, descida
do IVA e do IRC. Os esforços do Governo estão concentrados na flexibilização do
défice, mas o País continua preso pelos 10 pontos que se seguem. Dois meses
chegaram para reorganizar o País e deixar claro, cá dentro, que se alcançara
alguma estabilidade dentro do Governo. Mas, lá fora, permaneciam os ecos da
crise política, com reflexo na subida dos juros, mas também da relação
tempestuosa entre a nova ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e o
novo vice-primeiro-ministro, Paulo Portas (responsável pelas negociações com a
troika), e do braço de ferro entre um Tribunal Constitucional (TC) apostado
numa interpretação mais restritiva da lei e um Executivo determinado em aprovar
medidas que, lendo a Constituição de forma mais aberta, trariam a Portugal
alguma folga orçamental. Não foi só do lado de cá da mesa que os rostos
mudaram, com ou sem crise política. Do lado de lá, também. Desde segunda-feira,
16, que as 8ª e 9ª avaliações da troika são comandadas pelo irlandês John
Berrigan, em substituição do alemão Juergen Kroeger (que se reformou), na
qualidade de representante da Comissão Europeia (CE). O FMI anunciou também a nomeação,
como chefe de missão, do indiano Subir Lall, mas o anterior, Abebe Selassie,
ainda veio a Lisboa acompanhar o início das conversações. Dos rostos iniciais
da troika, apenas se mantém Rasmus Ruffer, representante do BCE. Mas, e as
políticas, também vão mudar? Conheça os 10 temas principais destas avaliações:
Novas metas para o défice
Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque vão ter de usar argumentos
suficientemente fortes para convencer a troika a aceitar uma nova
flexibilização das metas do défice para 2014, de 4% para 4,5% do PIB. Se a
pretensão da dupla governativa for aceite, será a terceira vez que Bruxelas e
Washington aceitam rever em alta as metas do défice, desde o início do programa
de ajustamento económico. A última vez que o fizeram continua presente na
memória de todos. Foi há apenas quatro meses, no final da difícil e demorada
sétima avaliação, que o limite do défice para este ano foi alterado de 4,5%
para 5,5% do PIB. Com a oitava e nona avaliação concentradas na preparação do
Orçamento do Estado (OE) - que deverá ser entregue até 15 de outubro -, a
flexibilização em meio ponto percentual do PIB, valendo cerca de €820 milhões,
não é uma questão menor. Isso mesmo explicou a ministra de Estado e das
Finanças aos responsáveis do Eurogrupo, na sexta-feira, 13, mas sem sucesso
aparente, a avaliar pela reação dos parceiros europeus. Para o presidente,
Jeroen Dijsselbloem, "é importante
manter o que foi acordado no âmbito do programa, incluindo também as metas do
défice. Não acho que seja um bom sinal manter viva a discussão".
"Portugal e o Governo português estão comprometidos com o que tem de ser
feito e com o que foi acordado, e isso ajudará à saída do programa o mais
depressa possível", acrescentou. Quererá a troika garantir que a
disciplina orçamental vai ser mantida, antes de aceitar flexibilizar o défice?
É uma leitura possível, na medida em que o Governo ainda não terá encontrado
todas as alternativas ao "chumbo" do Tribunal Constitucional, em
matéria de requalificação no Estado. Certo é que a frieza com que Dijsselbloem
acolheu os argumentos de Maria Luís foi partilhada pelo presidente da Comissão
Europeia (CE), Durão Barroso, para quem Portugal tem de "ganhar a
confiança dos investidores para poder voltar a uma situação de normalidade financeira".
Nesta, como noutras questões, a troika não fala a uma só voz. É do FMI que
poderá vir algum apoio às pretensões do Governo, uma vez que os seus
responsáveis reconheceram, no final da última
avaliação, que os "recentes ajustamentos nas metas do défice têm
sido bem recebidos". Para já, ninguém se compromete com uma revisão, mas o
assunto será central nestas avaliações.
Redução nas pensões do Estado
Partindo do pressuposto de que não haverá folga orçamental, o OE para o
próximo ano vai incluir cortes adicionais na despesa do Estado no valor de €3,6
mil milhões, como previsto. Um dos maiores contributos será dado pelas pensões
de reforma dos antigos funcionários públicos, que poderão sofrer uma redução de
até 10% quando ultrapassarem os €600 brutos - calcula-se que estejam nessa
situação cerca de 350 mil pensionistas. A novidade é que este corte de 10% pode
acumular com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), aplicada a
reformas superiores a €1 350 (com cortes que começam nos 3,5% e vão subindo
conforme o valor da pensão), em moldes a definir no OE. A medida, com caráter
provisório, está a ser aplicada desde o início deste ano, representando uma
poupança de €400 milhões para o erário público. Mas o Governo não confirma, por
enquanto, se esta acumulação vai mesmo avançar, nem como compensará a CES caso
opte por acabar com ela. O Governo tem justificado o corte de 10% - que diminui
com a idade dos pensionistas - como uma tentativa de convergência entre as
pensões do Estado e as dos trabalhadores do setor privado, que o
primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, contabilizou como valendo €740 milhões
anuais, na carta que escreveu à troika, em maio. A ameaça à sustentabilidade da
Caixa Geral de Aposentações, identificada pelo Tribunal de Contas, faz parte da
argumentação. Mas as incertezas sobre a sua execução são grandes, na medida em
que a decisão não deverá escapar ao crivo do Tribunal Constitucional (TC). O
Presidente, no início da semana, emitiu um sinal de alerta, quando disse que
vai analisar "de forma muito cuidadosa" o diploma, classificando-o
como "um novo imposto extraordinário sobre o rendimento dos
pensionistas"...
Aumento da idade da reforma
Outra das medidas já anunciadas é a do aumento da idade da reforma para
os 66 anos, no público e no privado, já a partir de janeiro. A alteração
poupará ao Estado €270 milhões em 2014, segundo o Governo. Se somarmos a
poupança de €740 milhões com a redução nas pensões do Estado, cerca €1 010
milhões de cortes na despesa estão já encontrados. Resta saber se Paulo Portas
aceitará ou não a polémica TSU (Taxa Social Única) dos pensionistas que,
segundo o primeiro-ministro, valeria mais €436 milhões no próximo ano - e que
foi acordada com a troika.
Corte de salários na mobilidade
As alternativas ao "chumbo" do TC ao novo sistema de
requalificação dos funcionários públicos - que permitia que fossem despedidos -
parecem estar encontradas, embora com os detalhes ainda por afinar. As novas
regras permitem cortes salariais até 60% após um ano passado em formação, na
segunda fase da mobilidade especial, prevendo-se que o trabalhador possa ficar
nessa situação até se reformar. Este modelo não compromete as poupanças
estimadas em €167 milhões até final de 2014. Aguarda-se também pela revisão das
tabelas salariais do Estado já a partir de janeiro, gerando uma poupança de
€445 milhões.
Reforma do Estado
O famoso "guião" para a reforma do Estado, que Paulo Portas
tinha ficado de apresentar à troika, deu lugar a uma apresentação avulsa de
medidas com impacto na despesa do Estado, sobretudo através de cortes nos
salários e nas pensões de reforma dos atuais e antigos funcionários públicos.
Algumas dessas medidas foram rejeitadas pelo TC; outras - como a convergência
das pensões - não deverão escapar à sua análise. Os atrasos na reforma do
Estado, avaliada em €4,7 mil milhões, assim como as alternativas às medidas
declaradas inconstitucionais, será um dos pontos mais difíceis de ultrapassar
nestes dois exames.
Descidas do IVA e do IRC
A reforma do IRC está em preparação e será apresentada à troika nestas
avaliações, ao mesmo tempo que o Governo discute o que fazer com as conclusões
de um estudo que avalia a descida do IVA na restauração. É caso para dizer que
este pode ser um tema fraturante na coligação PSD/CDS-PP. De um lado, Passos
Coelho e Maria Luís Albuquerque defendem que, em matéria de IVA, tudo deve
ficar como está. Em 2012, a receita daquele imposto duplicou para €521 milhões
face ao ano anterior e, no final deste ano, estima-se uma nova subida para
valores próximos dos €600 milhões. Do outro, Paulo Portas e o novo ministro da
Economia, Pires de Lima, são a favor de um regresso à taxa de 13%, não se
opondo a que a decisão só entre em vigor no segundo semestre de 2014. Outra das
possibilidades é decretar a redução da taxa só para os alimentos, continuando
as bebidas a pagar 23%. O impacto de uma descida do IVA na receita fiscal está
estimada entre um mínimo de €49 milhões e um máximo de €178 milhões, dependendo
da decisão que vier a ser adotada. Qualquer que ela seja, o Governo terá que
desenhar alternativas que compensem a quebra na receita.
Novo ajuste salarial
É uma questão à qual o FMI continua particularmente atento. Em agosto, o
Jornal de Negócios noticiou que o Governo enviou dados incompletos para
Washington, levando o FMI a concluir pela estagnação dos salários em Portugal
nestes últimos dois anos, quando, na verdade, cerca de um quarto dos
trabalhadores terão já sofrido cortes. Os custos do trabalho ainda são
considerados excessivos pelo FMI, embora o Governo garanta que já fez tudo o
que constava do memorando de entendimento.
Sustentabilidade da dívida
Os últimos dados do Banco de Portugal situam a dívida pública em 131,4%
do PIB (cerca de €215 mil milhões) no final do segundo trimestre do ano, depois
de dois anos em que as previsões da troika foram sendo sucessivamente revistas
em alta. A meta para o final deste ano era de 122,9%. No entanto, a ministra
das Finanças garante que a dívida não representa mais do que 118% do PIB,
depois de descontado o valor dos depósitos bancários na posse do IGCP - Agência
de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, "por necessidade de prudência
na gestão da tesouraria do Estado". Seja como for, a trajetória da dívida
e a sua sustentabilidade irão merecer a atenção da troika, num momento em que
os juros da dívida no mercado secundário permanecem elevados desde a crise
política de julho, empurrando Portugal para um segundo resgate. Só os encargos
com os juros representam, para o Estado, uma despesa anual de €7 mil milhões.
Segundo resgate ou programa cautelar
O fim do ajustamento, previsto para julho de 2014, não significa o fim
dos problemas do País. Só nesse ano, o Estado terá de se financiar em €14 mil
milhões para pagar os encargos da dívida, um valor que, em média, se manterá
até 2023. Mas Portugal poderá beneficiar de um programa cautelar
"suave" - na terminologia de Bruxelas - para apoiar o seu regresso
aos mercados, sob o olhar atento do BCE. Se não der certo, o segundo resgate
pode tornar-se inevitável., implicando ainda mais austeridade. O plano
cautelar, tal como tem vindo a ser desenhado em Bruxelas, é um instrumento a
que países como Portugal e a Irlanda podem recorrer caso sintam dificuldades no
regresso aos mercados, ativando a intervenção do fundo de resgate europeu (MEE)
e do BCE como se de um seguro se tratasse. Mas, para beneficiar do programa, o
País precisa de voltar a financiar-se junto dos mercados, realizando novas
emissões de dívida de longo prazo (a 5 e 10 anos), em regime de leilão. Só que
a escalada dos juros, a que assistimos desde julho, não ajuda. As taxas
mantêm-se dois pontos acima dos valores das duas emissões feitas no início do
ano - a 5 anos (4,891%) e a 10 anos (6,65%) -, o que dificulta esse regresso
aos mercados de forma sustentada. No âmbito destas avaliações, responsáveis do
MEE também se deslocaram a Portugal para continuar a discussão sobre o programa
cautelar.
Eleições na Alemanha
Foram conheicos, domingo, os resultados das eleições alemãs. O partido
de Angela Merkel continua a ser o mais votado, mas nem mesmo assim os
resultados do sufrágio interessam menos aos europeus - gregos e portugueses em
particular. Deles, poderá sair um sinal sobre o alívio das políticas de
austeridade, em nome de uma nova estratégia de crescimento. Se Merkel for forçada
a negociar uma grande coligação, com um leque alargado de partidos, estes
poderão tentar impor-lhe uma visão mais solidária para com os países europeus
em dificuldades. Mas o contrário também é possível. Não faltam aos alemães
argumentos para afirmarem que a austeridade está a resultar, quando analisados
os últimos dados que mostram uma evolução positiva do PIB na zona euro e na
Europa em geral".