segunda-feira, dezembro 30, 2013

O sonho da independência vai a votos



“Os catalães vão às urnas a 9 de novembro para se pronunciarem sobre a sua independência de Espanha, dois meses depois de os escoceses serem chamados a pronunciar-se sobre a sua saída do Reino Unido. Em ambos os casos, as sondagens deixam adivinhar uma vitória do "Não". Mas caso o resultado venha a ser surpreendente e o "Sim" ganhe, são muitas as questões que se levantam sobre o futuro de dois eventuais novos países europeus. Sobretudo se iriam entrar ou não na União Europeia.
Catalunha
Em outubro, milhão e meio de pessoas deram as mãos num cordão humano com mais de 400 quilómetros pela independência da Catalunha. No dia 9 de novembro de 2014 terão oportunidade de decidir nas urnas se é esse o destino que desejam. A pergunta do referendo será dupla: "Quer que a Catalunha seja um Estado?". E se sim, "Quer que a Catalunha seja um Estado independente?"
Região mais rica de Espanha (com um PIB per capita de 27 248 euros, contra os pouco mais de 24 mil euros na Espanha toda), a Catalunha é também a região mais industrializada. Duas razões que têm alimentado os desejos independentistas. Mas não as únicas. A Catalunha tem uma identidade histórica e língua própria falada até em algumas regiões da Comunidade Valenciana e das ilhas Baleares, bem como em certas zonas de Andorra, dos Pirenéus franceses e da ilha italiana da Sardenha.
No séc. XII o Condado de Barcelona passou para a Coroa de Aragão e no séc. xvi integrou a Espanha unificada. E se nos primeiros anos manteve as instituições, sofreu depois um processo de assimilação. A autonomia chegou com a república, em 1931. Na Guerra Civil, Barcelona foi feudo republicano. A sua queda às mãos dos franquistas foi um sinal de que a derrota estava próxima. A vingança de Franco não se fez esperar, com a Catalunha a perder autonomia e o catalão a ser restrito. A morte do general em 1975 e o regresso da democracia devolveu a autonomia à Catalunha, hoje com governo e parlamento próprios.
Nos últimos anos, a ideia de independência ganhou adeptos, muito devido à crise que colocou o desemprego nos 26%. Uma conjuntura que explica a decisão de Artur Mas de convocar um referendo sobre a independência em 2014. Uma iniciativa do presidente do executivo autonómico que Madrid diz "inconstitucional". E que Bruxelas não vê com bons olhos, tendo já explicado que uma Catalunha independente teria de iniciar o processo de adesão que exigira a aprovação dos 28. Resta saber se estes argumentos chegam para inibir os catalães de votar a favor de um país com capital em Barcelona ou se a paixão futebolística os vai encorajar a votar "não" só para continuarem a ver um Real Madrid vs. Barcelona... Seja qual for o resultado, o vencedor pode sempre brindar com um bom cava...
Escócia
"A Escócia não devia ser nada menos do que igual a todas as outras nações do mundo." A frase pertence a Sean Connery, o ator que além de eterno James Bond se tornou na figura de proa da campanha pela independência da sua terra natal. A 18 de setembro, os escoceses são chamados às urnas para decidir se querem pôr fim à união com Inglaterra, que data de 1707, e fazer da terra dos kilts e das gaitas-de-foles um país independente.
Um sonho alimentado pelo petróleo do mar do Norte, que os escoceses querem explorar em benefício próprio, mas que pode esbarrar na oposição da opinião pública. É que a acreditar nas sondagens, o "Não" sairá vencedor do referendo convocado pelo primeiro-ministro Alex Salmond. A verdade é que o nacionalista SNP de Salmond tem tido dificuldade em explicar aos escoceses as vantagens práticas de se tornarem independentes, recuperando uma fronteira que já no tempo dos romanos era marcada pela Muralha de Adriano .
E, como escrevia há dias The Economist, são muitas as questões que se colocariam a uma Escócia fora do Reino Unido: "Uma Escócia independente poderia manter a libra como moeda sem obedecer ao sistema fiscal de Londres? As taxas de juro subiriam? Um Estado tão pequeno sobreviveria à falência dos bancos? O que aconteceria quando o petróleo acabasse?"
Perguntas às quais se juntam ainda as dúvidas sobre a eventual entrada da Escócia independente na União Europeia e que parecem estar a fazer pender a balança para o lado do "Não" no referendo do próximo ano. Afinal, Espanha faria os possíveis para travar uma entrada da Escócia na União Europeia de forma a não criar um precedente que abrisse a porta à Catalunha.
Terra mítica pelos castelos, pelos lagos que, reza a lenda, abrigam monstros como o Loch Ness, a Escócia é famosa em todo o mundo também pelo seu whisky (ou whiskey, como lhe chamam). E mesmo unida a Inglaterra desde o século xviii (depois de muitas batalhas sangrentas), a Escócia soube manter a sua identidade e cultura - e até o gaélico ainda é falado, mesmo que seja apenas por uma minoria ínfima dos cinco milhões de habitantes do país. Em 1999, Edimburgo voltou a ter o seu próprio parlamento, quando Londres devolveu os poderes legislativos à Escócia sob o Governo do trabalhista Tony Blair. Mas já antes disso, os escoceses mantinham um sistema de ensino separado do inglês. Também em termos desportivos, a Escócia tem as suas próprias seleções tanto de futebol como de râguebi ou de críquete.
Certo parece ser que mesmo independente, a Escócia manteria Isabel II como rainha. O que leva muitos a questionar: Então o que seria mesmo diferente na terra dos poetas Robert Burns e Walter Scot se em setembro ganhasse o "Sim"?” (texto de Helena Tecedeiro, DN de Lisboa, com a devida vénia)