quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Guia de leitura: Tudo o que decidiu o Eurogrupo sobre a Grécia



“Mais empréstimos? Sim, mas a Grécia ainda tem de explicar como os quer usar e a troika tem de concordar. Há espaço para mudar políticas? Se encaixarem no actual programa, sim. Há flexibilidade orçamental? Só para acomodar menor crescimento. Quando chega mais dinheiro? Talvez só em Maio. E o que está reservado para os bancos pode pagar salários? Não, e vai sair de Atenas.
Ao fim de três encontros em dez dias, os ministros das Finanças da Zona Euro (Eurogrupo) conseguiram redigir um comunicado comum sobre os termos em que estão dispostos a continuar a apoiar financeiramente a Grécia.
Este comunicado fixa agora um ponto de partida para uma negociação que se intensificará nos próximos dias e semanas, e que exigirá rapidamente ao Governo do primeiro-ministro Tsipras concretizar, e quantificar as suas opções de política.
Leia aqui, descodificado parágrafo por parágrafo, o que foi decidido, o que queria a Grécia, onde teve de ceder e o pouco que segurou.
The Eurogroup reiterates its appreciation for the remarkable adjustment efforts undertaken by Greece and the Greek people over the last years. During the last few weeks, we have, together with the institutions, engaged in an intensive and constructive dialogue with the new Greek authorities and reached common ground today.
O Eurogrupo "reitera o seu apreço pelos esforços de ajustamento notáveis realizados pela Grécia e do povo grego ao longo dos últimos anos". E anuncia ter conseguido pisar finalmente "terreno" depois de um "diálogo intenso e construtivo" (sinónimo de negociações tempestuosas, sinalizando-se que ainda há muito para fazer).
Refere-se ainda que esse trabalho envolveu as "instituições" da troika: FMI, BCE e Comissão Europeia, que continuarão envolvidos de forma articulada no programa grego. Trata-se de uma cedência semântica ao novo Governo grego que não gosta de troika e de outros vocábulos, como programa, memorando, austeridade, que diz remeterem para um contexto errado com o qual quer romper.
The Eurogroup notes, in the framework of the existing arrangement, the request from the Greek authorities for an extension of the Master Financial Assistance Facility Agreement (MFFA), which is underpinned by a set of commitments. The purpose of the extension is the successful completion of the review on the basis of the conditions in the current arrangement, making best use of the given flexibility which will be considered jointly with the Greek authorities and the institutions. This extension would also bridge the time for discussions on a possible follow-up arrangement between the Eurogroup, the institutions and Greece.
 Ao fim de três encontros em dez dias, o Eurogrupo limita-se a "notar" (trata-se do vocábulo mais fraco para, em diplomacia, constatar concordância), o pedido da Grécia para uma prorrogação do Acordo Quadro de Assistência Financeira (contrato assinado pelo Estado grego com o Mecanismo Europeu de Estabilidade, que financia os resgates em nome da Zona Euro, que expira dentro de uma semana, em 28 de Fevereiro).
Acrescenta-se que esse pedido é "sustentado por um conjunto de compromissos" (mais à frente explicam-se quais). Em contraste com a carta dúbia que fora enviada na véspera pelo ministro Yanis Varoufakis, fica explícito que o objectivo da extensão desse acordo de empréstimos é "a conclusão bem-sucedida" do 5º e, à partida, último exame (ou revisão) do actual programa de assistência.
Esta revisão está suspensa desde o ano passado devido a divergências profundas entre a troika e o então governo de Antonis Samaras sobre o realismo do cenário macroeconómico e das metas inscritas no Orçamento de 2015 (para chegar ao excedente orçamental de 3% assumido por Atenas, a troika diz que faltam 1,7 mil milhões de euros).
Fazendo uso da "flexibilidade" dos programas para ajustar metas e medidas (em Portugal houve várias mexidas ao longo do resgate, que justificaram nalguns anos sucessivos Orçamentos rectificativos), admite-se abertamente a existência de espaço para acomodar propostas no novo Governo grego.
Estas terão, porém, de ser negociadas com a troika com base no que está acordado no actual programa.
Esta extensão pode servir de "ponte" (nova concessão semântica a Atenas) para que, entretanto, se possa começar a discutir um possível programa para dar seguimento ao actual que expirará no fim de Junho. Escreve-se que esse eventual "acordo" envolverá o Eurogrupo, as instituições (também FMI?) e Grécia.
Abre-se, portanto, a possibilidade deste segundo programa da troika ser seguido de um terceiro, como era sugerido na carta de Varoufakis. Em que moldes (resgate parcial, programa cautelar?), com que dinheiro e com que condicionalidade, tudo isso remete para o início do Verão e para uma negociação, que se adivinha tremenda, entre a Grécia e o resto da Zona Euro. Neste quadro, é improvável um reforço do envolvimento do FMI que, de resto, tem previsto continuar a financiar a Grécia até Março de 2016.
The Greek authorities will present a first list of reform measures, based on the current arrangement, by the end of Monday February 23. The institutions will provide a first view whether this is sufficiently comprehensive to be a valid starting point for a successful conclusion of the review. This list will be further specified and then agreed with the institutions by the end of April.
Até segunda-feira, Atenas tem de apresentar uma primeira lista de reformas, com base no programa actual. Essa lista será submetida à Comissão Europeia, ao BCE e ao FMI que darão uma primeira opinião sobre se se trata de medidas suficientemente abrangentes para poderem ser aceites como ponto de partida para uma conclusão bem sucedida da 5ª avaliação. Ou seja, não podem ser iniciativas avulsas e dificilmente não significarão mais austeridade, face ao buraco de 1,7 mil milhões que vem de trás e perante a significativa quebra de receitas fiscais em Janeiro (muitos gregos não pagam impostos quando há eleições).
Se esta primeira avaliação for positiva, os Governos dos países do euro poderão desencadear os processos nacionais com vista ao prolongamento da autorizacão de créditos à Grécia. Alemanha, Holanda, Estónia e Eslováquia precisam de receber "luz verde" dos respectivos parlamentos.
Essa primeira lista de medidas terá de ser depois melhor detalhada e receber o aval da troika até ao final de Abril.
Only approval of the conclusion of the review of the extended arrangement by the institutions in turn will allow for any disbursement of the outstanding tranche of the current EFSF programme and the transfer of the 2014 SMP profits. Both are again subject to approval by the Eurogroup.
 Só haverá transferências - da última parcela do empréstimo europeu (1,8 mil milhões de euros, num total acumulado de mais de 200 mil milhões desde 2010) e dos lucros do BCE (1,9 mil milhões) com compras de títulos gregos que os demais países decidiram prescindir em favor da Grécia - após a troika aprovar a conclusão do último exame. Ou seja, quando as medidas previstas estiverem legisladas e/ou em vigor – possivelmente só em Maio. Não é garantido que o país tenha fundos e consiga emitir dívida e recolher impostos suficientes para se sustentar até lá.
In view of the assessment of the institutions the Eurogroup agrees that the funds, so far available in the HFSF buffer, should be held by the EFSF, free of third party rights for the duration of the MFFA extension. The funds continue to be available for the duration of the MFFA extension and can only be used for bank recapitalisation and resolution costs. They will only be released on request by the ECB/SSM.
Esta é uma decisão que transpira desconfiança face a Atenas. Por recomendação das "instituições" - e aqui o mais provável é que tenha sido o BCE - os 11,9 mil milhões de euros que sobraram do envelope da troika destinado à recapitalização dos bancos gregos, e que estão estacionados em Atenas num fundo supervisionado pelo banco central da Grécia, vão voltar para os cofres europeus do Mecanismo Europeu de Estabilidade, sedeado no Luxemburgo. No caso de Portugal, por exemplo, a parte não usada do envelope destinado à banca permaneceu em Lisboa, mesmo depois do fim do programa.
Esses fundos continuam disponíveis até ao fim de Junho, mas só podem ser usados para eventuais operações de recapitalização ou de resolução de bancos gregos a pedido do BCE, que assumiu recentemente a responsabilidade de supervisão no quadro da União Bancária. 
In this light, we welcome the commitment by the Greek authorities to work in close agreement with European and international institutions and partners. Against this background we recall the independence of the European Central Bank. We also agreed that the IMF would continue to play its role.
A segunda parte deste parágrafo é enigmática por nela se afirmarem coisas aparentemente óbvias. Duas de várias interpretações possíveis: 1) talvez fosse preciso elencar no comunicado quem são as tais "instituições" e algumas das suas especificidades; 2) ou será que o Eurogrupo sentiu a necessidade de "recordar" a Atenas "a independência do Banco Central Europeu"? Esta segunda interpretação é grave.
The Greek authorities have expressed their strong commitment to a broader and deeper structural reform process aimed at durably improving growth and employment prospects, ensuring stability and resilience of the financial sector and enhancing social fairness. The authorities commit to implementing long overdue reforms to tackle corruption and tax evasion, and improving the efficiency of the public sector. In this context, the Greek authorities undertake to make best use of the continued provision of technical assistance.
Este é um parágrafo praticamente "copy-paste" da carta de Varoufakis, no qual o novo Governo grego expressa o seu "forte compromisso com um processo de reforma estrutural mais amplo e profundo que visa melhorar duradouramente o crescimento e as perspectivas de emprego, garantindo estabilidade e resiliência do sector financeiro, e melhorar a equidade social". Atenas compromete-se com "a implementação de reformas há muito necessárias para combater a corrupção e a evasão fiscal, e melhorar a eficiência do sector público". O Eurogrupo e a troika quererão ver parte destas intenções concretizadas na segunda-feira.
The Greek authorities reiterate their unequivocal commitment to honour their financial obligations to all their creditors fully and timely.
 Esta é uma das "linha vermelhas" mais espessamente traçadas pelos demais países europeus no terreno da negociação, actual e futura, com o novo governo grego, que chegara a pedir um novo perdão de dívida. Na carta que enviara ao presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, Varoukafis prometia, em nome do Estado grego, "honrar" os credores; no comunicado vai, porém, bem mais longe, assumindo, em nome do Estado grego, o "compromisso inequívoco de honrar plena e atempadamente as suas obrigações financeiras para com todos os seus credores".
The Greek authorities have also committed to ensure the appropriate primary fiscal surpluses or financing proceeds required to guarantee debt sustainability in line with the November 2012 Eurogroup statement. The institutions will, for the 2015 primary surplus target, take the economic circumstances in 2015 into account.
Não há qualquer promessa de flexibilidade orçamental, à priori. É sabido que Varoufakis quer reduzir para 1,5% do PIB a meta do excedente orçamental (fixada neste ano em 3% e em 4,5% nos dois seguintes). Contudo, o que o comunicado  refere à cabeça é o compromisso do Governo grego de gerar excedentes primários "adequados" ou rendimentos outros (decorrentes de privatizações, por exemplo, congeladas pelo governo Syriza) que garantam a sustentabilidade da dívida de acordo com a trajectória fixada em 2012, aquando do segundo resgate. Que trajectória é essa? Baixar a dívida para  175% do PIB em 2016 (estará ligeiramente acima disso actualmente), 124% em 2020 e "significativamente abaixo" de 110% em 2022.
Para este ano, o comunicado refere que a meta do excedente será revista para ter em conta uma taxa de crescimento provavelmente menor do que a subjacente ao Orçamento em vigor (em linha com o previsto para todos os países do euro); não necessariamente para encaixar mais decisões de despesa, por exemplo.
In light of these commitments, we welcome that in a number of areas the Greek policy priorities can contribute to a strengthening and better implementation of the current arrangement. The Greek authorities commit to refrain from any rollback of measures and unilateral changes to the policies and structural reforms that would negatively impact fiscal targets, economic recovery or financial stability, as assessed by the institutions.
O Eurogrupo vê com bons olhos que, em várias áreas, as prioridades políticas do novo governo "podem contribuir para um reforço e uma melhor aplicação do actual programa". Mas, ao mesmo tempo, Atenas foi forçada a prometer que não fará "qualquer reversão de medidas e alterações unilaterais de políticas e de reformas estruturais que impactam negativamente as metas orçamentais, a recuperação económica ou a estabilidade financeira", sendo que quem avalia esse impacto é a troika.
Isso significa que os anúncios do novo governo sobre a extensão dos acordos colectivos, o aumento em quase 25% do salário mínimo ou o perdão fiscal (que anularia 90% dos 76 mil milhões de euros que os gregos devem ao fisco e à segurança social) terão muito provavelmente de ser repensados.
On the basis of the request, the commitments by the Greek authorities, the advice of the institutions, and today's agreement, we will launch the national procedures with a view to reaching a final decision on the extension of the current EFSF Master Financial Assistance Facility Agreement for up to four months by the EFSF Board of Directors. We also invite the institutions and the Greek authorities to resume immediately the work that would allow the successful conclusion of the review.
O pedido de extensão do acordo de empréstimos é para, no máximo, quatro meses, a contar a partir de Março, o que traduz uma redução da oferta inicial do presidente do Eurogrupo, de seis meses. Na prática, haverá uma extensão em seis meses do segundo programa de assistência à Grécia (houve um primeiro, entre 2010-2012), já que este deveria ter sido concluído em Dezembro de 2014, na parte financiada pela Europa. O FMI tem previstos desembolsos por mais um ano.
We remain committed to provide adequate support to Greece until it has regained full market access as long as it honours its commitments within the agreed framework.
É a promessa que, desde o Verão de 2012, acompanha todos os comunicados das cimeiras e do Eurogrupo sobre os resgatados. Significa que, desde que o país apoiado cumpra o prometido, os demais continuarão a ajudá-lo até que consiga dispensar as "muletas" e passar a financiar-se de forma autónoma nos mercados. Quem rasgar acordos pode ficar sem rede e acabar por se ver numa situação em que será forçado a imprimir a sua própria moeda, e sair do euro” (excelente trabalho da jornalista do Jornal deNegócios, Eva Gaspar, com a devida vénia)