quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Tribunal Constitucional: acórdão sobre o recurso de Simplicio Pestana

ACÓRDÃO Nº 118/2015
Processo n.º 1096/14
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Jorge Simplício Pereira Pestana, na qualidade de militante do Partido Social Democrata – Madeira (PSD-M), vem, ao abrigo do artigo 103.º-D, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), «interpor recurso» do «douto despacho que lhe aplicou a pena de expulsão do PSD-M».
O requerimento apresentado tem o seguinte teor:
«(…)
não se conformando com o douto despacho, que lhe aplicou a pena de expulsão do PSD-M, vem, nos termos do disposto no artigo 9.º alínea d) da Constituição da República Portuguesa e artigo 103.º-D, n.º1 da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas (…), interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, com o fundamento de ter havido violação da Constituição; da Lei e dos estatutos do PSD-Madeira, por erro de interpretação e de aplicação, o que provará  nas suas Alegações.
Assim,
Requer a V. Exa. Que se digne considerar interposto o recurso, com efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º2 do Regulamento disciplinar do PSD-Nacional, aqui aplicado subsidiariamente, seguindo-se os demais termos até final».
2. Após citação, nos termos do n.º5 do artigo 103.º-C da LTC, aplicável ex vi n.º3 do artigo 103.º-D da mesma lei, veio o PSD apresentar a sua resposta, pugnando pelo indeferimento do requerido. Vem defender-se por exceção e impugnação. Por exceção, vem invocar a extemporaneidade da ação, a ineptidão da petição inicial e a inadmissibilidade da ação por o requerente não ter esgotado todos os meios internos para apreciação da validade e regularidade do despacho. Por impugnação, vem invocar que nenhum dos despachos do Conselho de Jurisdição do PSD-M violou a Constituição, qualquer Lei ou os Estatutos do PSD nacional e regional.
Termina formulando conclusões, com o seguinte teor:
«1.O Recorrente foi notificado dos despachos que agora vem impugnar a 25 de junho de 2014 e a 18 de julho de 2014, pelo que a ação de impugnação que apresenta a 2 de dezembro de 2014 é extemporânea, tendo ultrapassado o prazo de 5 dias, previsto no n.º 4 do artigo 103.º - C da Lei do Tribunal Constitucional, para o fazer.
2.   A Impugnação não é admissível porque o Recorrente não esgotou todos os meios internos para apreciação da validade e regularidade do despacho. O recorrente não recorreu para o Conselho de Jurisdição a nível Nacional do PSD, nos termos do n.º 3 do artigo 103.º-C da Lei do Tribunal Constitucional.
3.   O recorrente deve deduzir na petição da ação de impugnação da deliberação, os fundamentos de facto e de direito, indicando, designadamente, as normas da Constituição, da lei ou dos estatutos que considere violadas, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º - C da Lei do Tribunal Constitucional. Os fundamentos de facto e de direito, nem a causa de pedir constante da petição não estão enunciados, caracterizados, qualificados ou justificados de modo a possibilitar o exercício do contraditório. A presente ação de impugnação está ferida de ininteligibilidade, o que é causa de ineptidão da petição, e a ser considerada como tal, torna nulo todo o processado.
4.   Nenhum dos Despachos do Conselho de Jurisdição do PSD/M violou a Constituição, os Estatutos do PSD Nacional e Regional ou qualquer Lei. É manifesto que Jorge Simplício Pereia Pestana, militante n.º 189 apoiou uma candidatura adversária da candidatura apresentada pelo PPD/PSD à Junta do Imaculado Coração de Maria e à Câmara Municipal do Funchal, demonstrou manifesta falta de zelo no desempenho das suas funções de militante; defendeu posições contrárias ao programa partidário; teve um manifesto desrespeito pelas deliberações emitidas pelos órgãos competentes do Partido; teve um comportamento provadamente lesivo dos objetivos prosseguidos pelo Partido; estabeleceu polémica com outros membros do Partido, fora dos quadros ou órgãos partidários, relativamente a deliberações dos respetivos órgãos estatutários. Tendo em conta, a gravidade das infrações, as suas consequências na vida do PSD e as circunstâncias externas que conduziram às infrações, e uma vez que é manifesta a incompatibilidade entre a respetiva conduta do recorrente e os princípios da doutrina e da ética partidária, determinou-se e bem a expulsão do recorrido JORGE SIMPLÍCIO PEREIRA PESTANA, militante n.º 1891, nos termos do artigo 5.º, alínea g) e do artigo 6.º do Regulamento de Disciplina do PSD e nos termos do artigo 9.º, n.º 4 dos Estatutos do PSD.»
3. O impugnante veio apresentar resposta às exceções deduzidas pelo impugnado, após notificação para tal efetuada, nos seguintes termos:
«1 -O recorrente nunca recebeu uma Nota de Culpa. Somente recebeu uma carta, em vulgar papel A4, (não timbrado, e não contendo carimbo ou logótipo do PSD-M), sem data, onde foi convidado a se pronunciar sobre comunicações apresentadas pela Comissão Politica Regional do PSD/M, à qual respondeu. Anexa-se cópias. (Doc. nº 1 e nº 2).
2-O despacho (deve ser um acórdão), não está fundamentado. Artigo 375º do Código de Processo Penal — aplicado subsidiariamente). O despacho do Conselho de Jurisdição do PSD/M por unanimidade determinou a cessação da inscrição do Recorrente. Por conseguinte, a inquiridora do processo, membro do referido Conselho de Jurisdição tomou parte da decisão, o que viola a legislação. Não se conhece o teor da respetiva ata.
3-No relatório do “intitulado” processo disciplinar surgiram novas “acusações” nas alíneas b) f) g) h) e i). Factos sobre os quais não foram ouvidas as minhas testemunhas, assim como também não constavam da carta inicial, então denominada “Nota de Culpa” sobre a qual me pronunciei, e que foram acrescentados ao processo.
Factos esses que foram dados como provados pelo Recorrido, numa atitude que se poderá classificar de má fé, já que sendo factos novos teria o Recorrente que se pronunciar e consequentemente alegar a sua defesa.
4- Foi violado o princípio do Contraditório. (Artigo 269º nº 3 da Constituição; Artigo 61º do Código de Processo Penal; Artigo 11º do Regulamento Disciplinar do PSD-Nacional – aplicado subsidiariamente). O PSD-M não possui regulamento disciplinar próprio.
O PSD-Nacional recusou ser estância de recurso em processos semelhantes.
O Recorrente não foi ouvido durante toda a tramitação do processo ou chamado a se pronunciar sobre o Despacho e o Recurso apresentado.
5- O artigo 6º do Regulamento do PSD-Nacional – (aplicado subsidiariamente) – prevê que a pena de expulsão só pode ser aplicada, quando seja apurado por forma inequívoca, manifesta incompatibilidade entre a respetiva conduta e os princípios da doutrina ou ética partidária, o que do despacho do PSD-M não consta.
6- O Recorrente nunca foi notificado da decisão do Recurso apresentado. Só agora tomou conhecimento que o mesmo teria sido enviado por email, para a firma de onde é sócio mas na qual não exerce funções há algum tempo, por doença. Na sua residência nunca recebeu a referida notificação, a exemplo do acontecido com a restante correspondência deste processo. Por tal facto solicitou em devido tempo a inclusão do seu nome na lista de militantes com direito a voto nas eleições internas. Cópia da carta em anexo (Doc nº3).
7- A redução a cinco, das testemunhas do agora Recorrente limitaram a sua defesa. Na listagem de testemunhas apresentada constava: o Padre João Carlos da Costa Gomes, citado na acusação (pároco da Freguesia). Teresa Maria Gouveia Patrício, funcionária da Junta de Freguesia, citada na acusação como sua secretária D. Teresa. Os membros do grupo de Cantares do Imaculado presentes no discurso que o Recorrente teria feito. Os colegas da lista do PSD, concorrente às eleições naquela Freguesia, que teriam juntamente com o Recorrente feito a campanha eleitoral do PSD.
Foi limitada a sua defesa unicamente a cinco testemunhas, quando o mesmo apresentou vinte e sete. Não encontrando o Recorrente base lógica e legal, já que os itens de acusação eram muitos e diversos. (Doc nº 4)
8- Nunca o Recorrente tomou conhecimento das declarações das testemunhas de acusação, de tal forma que desconhece o teor das mesmas, assim como a sua veracidade, não tendo qualquer dúvida que as mesmas foram para o Recorrido fundamentais para a decisão do Conselho de Jurisdição.
9- O Requerente junta outra documentação que salvo melhor opinião e com o devido respeito julga relevante e pertinente para a boa decisão da causa. (Doc nº 5).
Pelo que
Nestes termos e nos mais de direito, deverá ser dado provimento ao recurso, sendo a presente ação de impugnação julgada procedente por provada e em consequência o Recorrente absolvido da instância e do pedido, com todas as consequências legais.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. A presente ação de impugnação mostra-se instaurada ao abrigo do disposto no artigo 103.º-D da LTC, ou seja, trata-se de ação de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos. Ora, de acordo com o n.º 5 do artigo referido, é aplicável ao processo de impugnação o disposto nos n.s 2 a 8 do artigo 103.º-C, com as adaptações necessárias.
Ora, de acordo com o disposto no referido preceito legal, tem-se que:
«(…)
2 – O impugnante deve justificar a qualidade de militante com legitimidade para o pedido e deduzir na petição os fundamentos de facto e de direito, indicando, designadamente, as normas da Constituição, da lei ou dos estatutos que considere violadas.
3 – A impugnação só é admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e do ato eleitoral.
4 – A petição deve ser apresentada no Tribunal Constitucional no prazo de 5 dias a contar da notificação da deliberação do órgão que, segundo os estatutos, for competente para conhecer em última instância da validade ou regularidade do ato eleitoral.
(…)».
5. O impugnado, na resposta por si apresentada, invocou, para além do mais, a ineptidão da petição inicial, a extemporaneidade da ação e o não esgotamento dos meios de recurso internos.
6. O impugnado invoca a ineptidão da petição inicial apresentada pelo impugnante, referindo que a mesma está «ferida de ininteligibilidade, o que é causa de ineptidão da petição, e a ser considerada como tal, torna nulo todo o processado».
Com efeito, dispõe o n.º 2 do artigo 103.º-C, da LTC que o impugnante deve “deduzir na petição os fundamentos de facto e de direito” em que alicerça a ação de impugnação (cfr. o artigo 552.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil).
Todavia, constata-se que, nos presentes autos, tanto o pedido como a causa de pedir resultam ininteligíveis (cfr. o artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC). De facto, o autor não identifica adequadamente a deliberação impugnada, limitando-se a referir que impugna a deliberação «que lhe aplicou a pena de expulsão do PSD-M». Por outro lado, não deduz na petição os fundamentos de facto e de direito que sustentam o seu pedido, nem as normas da Constituição, da lei ou dos estatutos que considera violados. Limita-se a referir «ter havido violação da Constituição; da Lei e dos estatutos do PSD-Madeira, por erro de interpretação e de aplicação».
Assim, quer o pedido quer a causa de pedir não se encontram formulados de forma percetível e determinada, pelo que se conclui que deve proceder, nesta parte, a exceção arguida pelo impugnado, o que (determinante da absolvição da instância) obsta ao conhecimento do mérito.
7. Acrescenta-se ainda que, de acordo com os documentos juntos, procede ainda a exceção de extemporaneidade deduzida pelo impugnado. De facto, resulta dos documentos juntos aos autos que o impugnante foi notificado dos despachos que agora vem impugnar a 25 de junho de 2014 e a 18 de julho de 2014. A presente ação de impugnação foi proposta a 2 de dezembro de 2014. O impugnante instaurou assim, a presente ação em data em que já há muito se encontrava ultrapassado o prazo de 5 dias, previsto no n.º 4 do artigo 103.º - C da Lei do Tribunal Constitucional. Assim, procede também a invocada exceção de extemporaneidade.
8. Por fim, o impugnado alega que a impugnação não é admissível porque o Recorrente não esgotou todos os meios internos para apreciação da validade e regularidade do despacho. Ora, de facto, resulta dos autos que o impugnante recorre diretamente de despacho do Conselho de Jurisdição Regional, datado de 18/07/2014. Cabia-lhe recorrer para Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, de forma a esgotar todos os meios internos previstos nos estatutos para a apreciação da validade e regularidade da deliberação (artigo 28 dos Estatutos do PSD). Assim, não deu cumprimento ao n. 3 do art. 103-C da LTC pelo que, também por este motivo, não pode o Tribunal Constitucional conhecer da presente impugnação.
III. Decisão
9. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objeto da ação de impugnação.
Sem custas.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2015 - Lino Rodrigues Ribeiro - Carlos Fernandes Cadilha - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - Maria Lúcia Amaral