segunda-feira, março 16, 2015

Realities bateram no fundo com agressão em direto?

"Sempre foram programas "mal amados", como diz Teresa Guilherme, mas "continuam a ganhar as audiências". A cena de agressão da última gala da Casa dos Segredos desencadeou uma onda de críticas. Será este o início do fim destes formatos? O verniz voltou a estalar na Venda do Pinheiro. Desta vez os protagonistas foram José Castelo Branco, Zezé Camarinha e... Teresa Guilherme. A gala do último domingo do programa Casa dos Segredos - Luta pelo Poder (TVI) ficou marcada pela agressão em direto do algarvio sobre o marchand. Acresceu ainda o facto de a apresentadora ter esboçado um sorriso nesse preciso momento, o que desagradou a alguns dos espectadores deste reality show.
"Deixei de ser seu fã", "foi feio o que fez ao José Castelo Branco" ou "este programa perdeu a piada toda" foram alguns dos comentários escritos na página oficial de Facebook de Teresa Guilherme minutos após a agressão. Perante aquela que é mais uma polémica a engrossar a lista deste formato impõe--se a pergunta: terão os reality shows batido no fundo? Para Felisbela Lopes, especialista em assuntos de televisão, a resposta é óbvia: "Este programa tem tudo o que não se deve passar em televisão." "Acho que isto é altamente pornográfico e que não nos deveríamos rir disto e sim olhar com atenção. É chegado o momento de se fazer uma reflexão de uma vez por todas. Acho que há coisas que temos a obrigação de não ver, e este é um bom exemplo. Não é um direito, é um dever. Correspondeu a um momento muito infeliz da televisão", atira. E vai mais longe: "A televisão não pode ir mais por este caminho, ultrapassando sucessivamente linhas vermelhas e dando como padrões de comportamento coisas que são inadmissíveis." Na referida gala exibida no último domingo à noite, Zezé Camarinha foi convidado a entrar na casa mais vigiada do país, na qual já se encontrava José Castelo Branco. A confusão e a troca de insultos entre ambos não tardou, culminando com um puxão de cabelos do convidado algarvio ao marchand. O primeiro foi expulso e o segundo optou por sair logo em seguida. A postura adotada por Teresa Guilherme, que foi apanhada pelas câmaras a rir durante o momento de tensão entre os dois concorrentes, foi duramente criticada por alguns dos espectadores que acompanhavam o programa. À NTV, a apresentadora defende-se dizendo que sua atitude foi a mesma de quando "alguém se ri quando uma pessoa cai". "Eu fiz na televisão o que qualquer pessoa faz sem câmaras. Às vezes acontecem coisas parvas que são desagradáveis, como é o caso desta, que nos fazem rir. E é isso que chateia as pessoas. Eu respeito as pessoas e as críticas." Sobre o facto de Casa dos Segredos - Luta pelo Poder ter batido no fundo, Teresa Guilherme é perentória: "É difícil descer mais baixo quando nós continuamos a ganhar em audiências", começa por explicar. "O que isso quer dizer é que as pessoas dizem que bateu no fundo, mas estão a ver na mesma o programa. Até nos intervalos não saem. Esta é a realidade. Os reality shows são programas muito malvistos, sempre foram. Já os faço há muito tempo, é o tipo de programas de que as pessoas dizem mal, mas vão todas ver. É a atração do abismo."
Com uma larga experiência neste tipo de formatos, Piet Hein Bakker - que liderou a produtora Endemol durante vários anos - não concorda que a televisão tenha batido no fundo. "Logo no primeiro Big Brother existiu um pontapé [do Marco à Sónia]. É preciso ter cautela para evitar situações graves como já houve em programas feitos noutras partes do mundo, onde já aconteceram episódios de racismo e até violações. Mas não acho que seja culpa do formato em si, e sim do casting e da produção." Na ótica de Flávio Furtado, ex-concorrente do programa Big Brother VIP e também comentador de Casa dos Segredos - Luta pelo Poder, "todas as pessoas têm o direito de dizer o que pensam, mas sempre dentro dos limites". "Quando se passa para a agressão física já não tem piada. Os cães mordem porque não falam. As pessoas veem na televisão um exemplo, e se há uma cena de pancada, qualquer dia anda tudo à pancada", ressalva. Com ou sem agressões, Flávio Furtado acredita que os reality shows estão condenados às críticas. "As pessoas vão sempre dizer que o programa bateu no fundo, se não for por causa desta situação será por causa de outra. Ao longo de todas as edições do Big Brother e da Casa dos Segredos disseram sempre isso, de edição para edição, que era consecutivamente a pior, mas depois esquecem-se. É como no futebol, as pessoas só se lembram do último golo marcado." José Barreiros, sociólogo da comunicação, não assistiu ao episódio em causa, mas destaca que "faz parte da matriz destes programas ultrapassar os limites. O seu sucesso está em alargar e estender as fronteiras. Os reality shows desde sempre têm uma componente de choque e de confronto de valores", sublinha.
Vale tudo em nome das audiências?
A última gala de Casa dos Segredos - Luta pelo Poder, foi seguida por um milhão 316 mil espectadores, e obteve 32,8% de share, ultrapassando assim o obtido na semana anterior, aquando da sua estreia. Para Felisbela Lopes, não há dúvidas de que momentos como aquele que foi protagonizado por Zezé Camarinha e José Castelo Branco acontecem "em nome do espetáculo gratuito e das audiências". Para a especialista em assuntos de televisão é importante agir para evitar que este tipo de polémicas continue a assolar o pequeno ecrã. "Não podemos mais permitir que se repitam estes episódios. Claro que podíamos não ver na próxima semana, mas isso era se tivéssemos uma opinião pública ativa, desperta para comportamentos de reprovação. Portanto o programa vai continuar a ter audiência", lamenta. Na opinião de Piet Hein Bakker, o homem que trouxe o primeiro reality show para Portugal em 2000, "não vale tudo pelas audiências". "Há limites morais, de gosto, estéticos. A função dos reality shows é ir até aos limites, não é ultrapassá-los. Em Portugal acho que apesar de tudo as polémicas não são tão graves, comparativamente com outros países", considera o atual diretor-geral da SP Entertainment.
Há 15 anos no ar. Irão os reality shows esgotar-se?
Foi no ano 2000 que Portugal parou para ver o Big Brother, primeiro reality show produzido em Portugal. Passada década e meia, este tipo de formato continua a mover multidões e a liderar audiências. Na ótica de Piet Hein Bakker, são vários os fatores que justificam os números. "As audiências mantêm-se porque o elenco vai sendo renovado. O lado voyeur não passa de moda é intrínseco às pessoas. Nos domingos à noite criou-se um hábito. O público tem opção de ver um talent show ou um reality show. Há um público que gosta de realities e que é fiel. Se as outras estações tivessem um programa muito bom e diferente, este hábito podia mudar. Mas isto é assim em todo mundo, não é só em Portugal. No Brasil e em Inglaterra o Big Brother já tem várias edições." Na opinião de quem já viveu dentro "da casa mais vigiada do país" durante três meses, dificilmente este é um formato que se esgota. Contudo Flávio Furtado alerta: "Têm de ser reinventados, principalmente porque os potenciais concorrentes já levam a lição toda estudada e já não há aquele fator surpresa." Mas se para o comentador de Casa dos Segredos - Luta pelo Poder, estes formatos vão continuar a ser exibidos, Felisbela Lopes defende que isso é um erro. "Gostaria que no futuro estes formatos se esgotassem, mas já digo isto há alguns anos e eles estão cada vez piores."
"Realities são vistos com um misto de entretenimento e modelo de conduta"
Por se tratar de programas com uma forte componente emocional, José Barreiros alerta para as possíveis consequências de quem os vê. "Os realities são vistos com um misto de entretenimento e modelo de conduta, há um cruzamento destas duas vertentes. Em segundo lugar são um espaço de adquirição de notoriedade. Muitas vezes as audiências [espectadores] projetam-se e até gostariam de lá estar. Mas não podemos generalizar porque conhecemos mal quem são essas audiências", diz o sociólogo da comunicação, para a seguir acrescentar: "Também pode haver quem veja este tipo de programas para poder criticar, fazer comentários, etc." José Barreiros vai mais longe e acredita que quem assiste a estes reality shows fá-lo como uma forma de integração social. "Um dos fatores que levam algumas pessoas a acompanhar este tipo de programas é ter um tema de conversa para aqueles com quem se partilha uma identidade, em que isso é positivo ou que é considerado importante", justifica. Para Flávio Furtado, aquilo que atrai alguns dos espectadores para estes programas é o facto de se tratar de uma novela da vida real. "Olhando para a nossa sociedade, nós precisamos de ter um conteúdo fácil que nos faça rir e sobretudo com o qual nos identificamos numa série de situações que lá estão. É uma amostra da nossa sociedade, na qual existe o marido que trai, a mãe solteira, a mulher que foi agredida, o diz-que-disse, etc.", exemplifica.
ERC já recebeu 90 queixas desde a estreia de Casa dos Segredos 5
No seguimento da agressão entre José Castelo Branco e Zezé Camarinha no programa de domingo à noite da TVI, a nossa revista quis saber se tinham dado entrada queixas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Apesar das muitas tentativas, não foi possível resposta até ao fecho desta edição. Segundo a Notícias TV conseguiu apurar, a ERC recebeu 90 queixas desde a estreia da quinta edição de Casa dos Segredos, que arrancou em dezembro do ano passado. A linguagem usada pelos concorrentes e a qualidade do programa foram algumas das justificações apresentadas pelos espectadores a este organismo. Queixas essas que aconteceram não só nesta edição, como também nas anteriores (texto dos jornalistas Ana Lúcia Sousa e Márcia Gurgel,do DN de Lisboa, com a devida vénia)