“A
Ikea não faria melhor. Quando ouvido sem som, as imagens do vídeo que marca o
arranque da candidatura de Hillary Clinton à presidência dos EUA mais parecem
um anúncio sobre como "viver feliz", ao estilo da marca de mobiliário
sueca. Enfim, não vemos só gente a mudar de casa, nem a jardinar ou a pôr em
ordem os seus pertences, também se veem noivos, espaços de trabalho (ok, a Ikea
também os decora) e alguém a caminhar num armazém, mas de resto está lá a
diversidade de etnias, os sorrisos, as famílias. A surpresa surge quase no
final, com a aparição da ex-primeira-dama numa curta sequência que faz, afinal,
desconfiar do verdadeiro propósito do pequeno filme, lançado nas redes sociais
no domingo.
A
decisão de dar o tiro da partida para as presidenciais desta forma, no Youtube,
piscando de imediato os olhos às partilhas e aos comentários dos internautas, é
algo surpreendente? "Sim e não", responde Judite Mota, diretora
criativa da agência de publicidade Young & Rubicam. "É uma opção mais
inteligente e atual", avalia, que tira partido de um meio "mais
friendly", "mais democrático" também, que potencia o imediatismo
das reações. "E dos donativos, talvez", acrescenta Rodrigo Gralheiro,
diretor da área de criatividade e inovação digital, na agência J Walter
Thompson. "Ela
fala de uma forma direta, como exigem as redes sociais, para envolver as
pessoas em torno de um mesmo propósito", refere o publicitário. "É um
bocado no seguimento da primeira campanha de Obama, que foi realmente pioneiro
e criou um movimento agregador, apoiado num ideal. Seria um erro não seguir o
mesmo caminho."
Comparado
com o vídeo de 2008, em que Hillary aparece no enquadramento tradicional, numa
sala, sentada num sofá, com uma porta atrás, com vista para um jardim, estamos
a falar de uma diferença "do dia para a noite", diz António Granado,
professor universitário, jornalista e especialista em media. "A primeira
coisa brutal é o pouco tempo em que aparece [neste novo vídeo], oito segundos
se contei bem, quando no anterior é apenas a candidata a falar, ainda por cima
percebendo-se, pelos olhos, que está a ler um teleponto." Em
2015, o protagonismo é dado a todas as outras pessoas. As redes sociais são
isso mesmo, lembra Granado - "o poder de todos" - ainda que o
'casting' surpreenda menos. Se se pensar numa lista de 'obrigatórios', estão lá
quase todos: velhos, novos, crianças, hispânicos, asiáticos, casais homossexuais,
até um cão e um gato ou "crianças por nascer". Dos 'habituais',
faltam militares, sobretudo algum que possa ter ficado incapacitado em cenário
de guerra, mas a ausência também não será inocente, já que o tom é otimista e
lembrar a guerra talvez não convenha.
Nesta
versão de "relançamento", Hillary levantou-se do sofá, foi beber um
café com o seu potencial eleitorado e parou na rua (espaço público) para dizer
o essencial do momento: está na corrida para lutar pela América, ao lado das
pessoas, como guia mas também como uma delas. Não se sabe sequer se as pessoas
que dão a cara são suas apoiantes. Presume-se que sim, mas elas não estão no
vídeo para falar das suas opções políticas. Estão para partilhar momentos
importantes das suas vidas - o primeiro emprego, a primeira casa, a estreia de
um filho na escola ou a passagem à reforma - com expressões otimistas e energia
a condizer. Tal como o ritmo da música que se ouve em fundo. "Do
ponto de vista de uma publicitária, é algo muito profissional", comenta
Judite Mota, "em que está tudo feito para funcionar bem". Há, depois,
a questão da mensagem. Para já, diz a diretora criativa da Young & Rubicam,
"Hillary não se está a definir por oposição a ninguém, nem sequer como a
continuidade de Obama". Aposta numa mensagem genérica de 'recomeço', sem
se preocupar em definir as linhas do seu programa. Chegará o tempo em que os
temas difíceis vão ter se ser abordados, acrescenta, mas "será
interessante perceber até que ponto consegue não se afastar desta linha".
António
Granado acredita que o tom da campanha está dado. "Não me surpreenderá,
inclusivamente, que as pessoas venham a ser convidadas a fazer os seus próprios
vídeos." Até
que ponto é este o caminho para as campanhas em todo o mundo, o futuro o dirá.
"Exemplos como este permitem antecipar" um pouco do que pode estar
para vir, até nas nossas próximas legislativas, refere Rodrigo Gralheiro, ainda
que a Judite Mota pareça que Portugal "não está ainda preparado para isso
acontecer para já". "Não vejo razão para que os próprios profissionais
ligados à publicidade não possam fazer campanhas políticas, mas acho que vamos
ter de esperar", diz. O
que é também um sinal dos tempos, e de uma viragem que Granado considera
"irreversível", é a ideia de "desintermediação"."Há
cada vez mais vontade de passar as mensagens diretamente, dispensando
intermediários como os jonalistas, que podem intervir", explica António
Granado. "O primeiro exemplo disso aconteceu a 11 de setembro de 1998,
quando o procurador Kenneth Starr colocou online o relatório Lewisnky, quase
bloqueando o tráfego na então muito mais limitada internet." (fonte:
Expresso, texto da jornalista Mafalda Ganhão, com a devida vénia)
Hillary Clinton 2008 presidential announcement
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