sexta-feira, agosto 21, 2015

Madeira inicia recuperação da antiga rede de "caminhos reais"

"Não existe ainda um orçamento para este trabalho. Fizemos um levantamento preliminar e iniciámos a recuperação de um caminho, para utilizarmos como modelo e avaliarmos os custos. Depois, provavelmente vamos recorrer a fundos europeus", explicou à agência Lusa o diretor regional das Florestas e Conservação da Natureza, Miguel Sequeira. O "caminho real" que está a ser intervencionado estende-se do Paul do Mar à Ponta do Pargo, percorrendo uma vasta extensão na zona oeste da ilha, através de uma típica paisagem rural madeirense, salpicada de poios (socalcos) e palheiros e combinada com nichos de vegetação mediterrânica endémica.
"Este é o nosso projeto-piloto e vai servir para avaliarmos o desafio que temos pela frente, pois estamos a falar de uma rede muito extensa, com técnicas de construção complexas que importa manter, preservar e repetir", disse Miguel Sequeira, destacando, por outro lado, a importância dos "caminhos reais" como alternativa aos percursos nas levadas e na floresta laurissilva. O diretor regional lembrou que a maior parte dos trilhos utilizados por turistas se encontra acima dos 500 metros, ao passo que as antigas "estradas reais" cruzam regiões mais baixas, onde é visível a intervenção humana, mas também onde floresce cerca de 50% dos endemismos da ilha.
"São paisagens pouco exploradas do ponto de vista turístico e, no entanto, têm a enorme virtude de serem complementares à laurissilva", explicou Miguel Sequeira, sublinhando o valor histórico dos próprios caminhos. "O turista é quem move a economia da Madeira, pelo que só ficamos a ganhar ao recuperar estradas que têm grande valor cultural e patrimonial e estão associadas a paisagens pouco exploradas", reforçou.
"Caminho real", ou "estrada real", é a designação atribuída às principais vias terrestres construídas antes da implantação da República. Na Madeira, a maior parte surgiu por iniciativa dos governadores ou dos capitães-generais, funcionando como alternativa e complemento às ligações marítimas.
"Estas 'estradas reais' não podem ser esquecidas, porque fazem parte da nossa memória coletiva e, acima de tudo, porque são exemplo da grande dificuldade que foi construir uma ilha do nada", disse o diretor do Centro de Estudos de História do Atlântico, o historiador Alberto Vieira. Diversas localidades na Madeira cresceram e assumiram importância em torno das rotas de circulação terrestre, funcionando como pontos de apoio aos viajantes, sejam locais, comerciantes ou estrangeiros, que começaram a percorrer a ilha com particular ênfase a partir dos séculos XVIII/XIX. A manutenção desta rede de estradas obrigava a duros trabalhos, sobretudo após os meses de inverno e tendo em conta a orografia agreste da ilha, pelo que foi criado um imposto, designado por "roda de caminho", o qual obrigava toda a população a contribuir com dias de trabalho. No entanto, os mais abastados podiam revertê-lo em dinheiro.
Os "caminhos reais" começaram a perder importância com a chegada do automóvel e da moderna rede viária, ao longo do século XX, e a maior parte caiu no abandono e na ruína. Atualmente, dos 28 percursos pedonais recomendados pelas autoridades (25 Madeira e três no Porto Santo), apenas 12 são em veredas e antigas "estradas reais"; mas o interesse na recuperação da velha rede viária mobiliza, agora, o governo e as câmaras municipais.

"Estas 'estradas reais' são do domínio público e interessava preservar, se possível, todas as que ainda existem", declarou Alberto Vieira, sublinhando o esforço despendido ao longo dos séculos na sua construção. "Mais não seja, estes caminhos são uma imagem e um retrato de quase 400 anos da nossa história e, portanto, não podem ser esquecidos nem renegados", vincou (Lusa, SIC)

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