domingo, outubro 11, 2015

Mania de escrever: as imprecisões de Albuquerque e Pereira na noite eleitoral

Durante os muitos anos em que lidei com a cobertura destas noites eleitorais, sempre pugnei por alguma cautela, sem entrar em apreciações ou análises sem que estivesse na posse de todos os resultados eleitorais, preferencialmente os oficiais, já que os sistemas de recolha de dados que os partidos montam nas suas sedes nem sempre são fiáveis e raramente não apresentam erros. Provavelmente terá sido essa a causa de dois lapsos, ambos na noite eleitoral na Madeira, que agora identifiquei, depois de comparar os resultados com o que foi dito. Segundo a imprensa, Miguel Albuquerque terá afirmado que o PSD  venceu dez dos onze concelhos de 50 das 54 freguesias da Região pelo que conseguiu uma “vitória abrangente e concludente”, acrescentando logo depois que tudo isto ocorreu "numas eleições em que a abstenção desceu".
FACTO:
a) a abstenção na Madeira, ao contrário do que foi afirmado, por influência de informações veiculadas pelos meios de comunicação social - reconheço isso - acabou por ser a mais elevada de sempre para eleições legislativas, com um total de 51% correspondente a  130,4 mil eleitores.  Pela primeira vez ultrapassamos os 50% de abstenção o que exige que a RAM pressione o poder central em Lisboa no sentido de resolver  esta pouca-vergonha que hoje existe em torno dos cadernos eleitorais. Uma abstenção com esta dimensão desprestigia a política e retira aos eleitos a representatividade que carecem, mas que obviamente não lhes é reconhecida pelo simples facto de que mais de metade de eleitores não votaram, com tudo o que isso implica.
Albuquerque afirmou que o PSD-M tinha sido “o partido vencedor de forma incontestada” e que estava “a poucos votos de eleger o quarto deputado”.
FACTOS:
a) foi de facto uma boa vitória do PSD da Madeira mas os social-democratas relativamente a 2011, perderam 21.421 votos. Acresce que o PSD passou de 55,6% em 2011 para 37,8% em 2015, em grande medida devido ao contributo da abstenção e de oscilações eleitorais nomeadamente por parte do chamado eleitorado flutuante que vota descomprometidamente;
b) existem dois factores que explicam esta queda eleitoral: a influência da crise nacional e o consequente impacto da austeridade nas famílias madeirenses, sem esquecer a dupla austeridade que por via do PAEF retirou muito a muita gente na RAM e, por outro lado, o reconhecimento de que os candidatos social-democratas eram caras novas;b) O PSD elegeu na RAM o 1º, 3º e 4º mandatos, cabendo ao PS o 2º e 6º mandatos e ao  Bloco de Esquerda - a grande surpresa das eleições na Madeira - o 5º lugar. Usando o método de Hondt constata-se que a JPP elegeria apenas um 10º mandato caso ele existisse e que o CDS ficaria com o 11º lugar. Para que o PSD elegesse o 4º mandato teria que ter mais 5.150 votos, mantendo o PS e o Bloco as mesmas desventrações.
b) O PSD elegeu na RAM o 1º, 3º e 4º mandatos, cabendo ao PS o 2º e 6º mandatos e ao  Bloco de Esquerda - a grande surpresa das eleições na Madeira - o 5º lugar. Usando o método de Hondt constata-se que a JPP elegeria apenas um 10º mandato caso ele existisse e que o CDS ficaria com o 11º lugar. Para que o PSD elegesse o 4º mandato teria que obter mais 5.150 votos - no caso de PS e o Bloco manterem as mesmas votações. Ora 5.150 votos pode ser tudo menos "poucos votos". Miguel Albuquerque foi claramente informado erradamente por um qualquer "contabilista eleitoral". Explicando um pouco melhor: quando o método de Hondt atribui o 2º mandato ao PS (com menos 21 mil votos que o vencedor) e com o Bloco com uma votação acima dos 13 mil votos (um pouco acima de 1/3 dos votos do vencedor) a aplicação do método de Hondt acaba por penalizar o partido vencedor que para eleger um 4º mandato precisaria sempre de um 4º partido com uma votação da ordem dos 13 mil votos ou um pouco mais. Considerando os resultados de 4 de Outubro na RAM para que o PSD elegesse um 4º mandato, repito, teria que ter mais 5.150 votos o que não se afigura nada fácil, atendendo à tendência de queda registada nas eleições.
Também Sara Madruga da Costa, nova deputada do PSD, terá destacado, num primeiro comentário ao acto eleitoral, a “boa opção” da comissão política social-democrata madeirense ao não formar coligação com o CDS.  Sobre o resultado nacional, conclui que “mais uma vez se provou que as pessoas sabem votar e querem estabilidade”.
FACTO:
a) a opção tomada pelo PSD da Madeira, a qual subscrevo integralmente, foi uma opção política. Em termos eleitorais, contudo, ela acabou por penalizar a coligação nacional, pois PSD e CDS perderam na Madeira dois deputados numa conjuntura em que a coligação disputava com o PS, ao deputado, a maioria absoluta. Neste quadro a opção tomada não é subscrita pelos analistas, e com razão, porque caso tivesse existido na Madeira - e isso é muito relativo, porque ninguém sabe se, nesse caso, os eleitores do PSD ou do CDS manteriam o seu voto - tinham sido eleitos 4 deputados e não 3.
b) Caso PSD e CDS tivesse concorrido juntos - repito, sem sabermos se aqueles que votaram  separadamente no PSD e no CDS manteriam o seu voto - a aplicação do método de Hondt daria o 1º, 2º, 4º e 5º mandatos a estes dois partidos, ao PS o 3º mandato apenas e ao Bloco o 6º. Nem imagino o que aconteceria se a coligação PSD-CDS tivesse perdido a maioria absoluta por causa de 2 ou 3 deputados e as acusações (e vinganças) que seriam feitas por Passos e Portas aos social-democratas e centristas da Madeira e dos Açores (aqui o PSD perdeu 1 deputado). É melhor nem imaginarem...
CARLOS PEREIRA
Entusiasmado pelos resultados do PS - que recupera do descalabro eleitoral que vem acontecendo desde 2007, devido ao caso da Lei das Finanças Regionais e que teve continuidade nas regionais deste ano com o desastroso resultado e uma coligação que se revelou um "flop" - Carlos Pereira não teve o cuidado de não cometer exageros na noite eleitoral. Desde logo "esqueceu-se" que os 26.152 votos alcançados em Outubro deste ano são apenas superiores aos 25.190 votos de 1991 e aos 20.401 votos das legislativas de 2011. Nos actos eleitorais que tenho usado como termo de comparação - 1995, 1999, 2002, 2005 e 2009 - o PS local fica muito aquém dos valores então alcançados. Não deixas de ser importante que tenha elegido 2 deputados este ano, quando em 2009 e 2011 o PS não foi além de um mandato apenas. Mas em 2005 teve 3 deputados e em 1995 e 1999 já tinha alcançado também os dois lugares. Nas declarações aos jornalistas Carlos Pereira disse tratar-se de “um excelente resultado, em contra-ciclo com aquilo que se passa no plano nacional”, assumindo que existiu o que designou de “reconciliação do PS com o seu eleitorado”. Comparando eleições diferentes, nas quais os eleitores têm comportamentos diferentes como facilmente se demonstra, Pereira não se esqueceu de sublinhar que “vínhamos de um resultado muito mau nas eleições regionais, de pouco mais de 10%, estamos agora acima dos 20%. Há mais de 8 anos que não conseguíamos melhor". Estas eleições recolocam o PS como líder da oposição”, declarou.
FACTOS
a) o partido que lidera a oposição regional continua a ser o CDS que foi o 2º partido mais votado nas regionais de Março deste ano. O PS é a 4ª força política e disso não se livrará até que as próximas regionais dissipem dúvidas que possam existir. Portanto, nada de confusões;
b) Não percebi bem essa declaração de que "há 8 anos que não conseguíamos melhor". Nas legislativas de 2011 tiveram 14,7% que foi 19,5% nas legislativas der 2009. Portanto o tempo de comparação é de apenas 6 anos. Porque nas legislativas de 2005 o PS não só obteve 35% do eleitorado como totalizou 49.070  votos, "apenas " mais 23 mil que os agora alcançados. Carlos Pereira poderia ter revelado, por exemplo, e não o fez, a quem "pertenceria" uma parcela importante dos votos obtidos pela JPP e sobretudo uma parte dos mais de 13 mil votos alcançados pelo Bloco de Esquerda;
c) Outra questão que falhou na análise de Carlos Pereira, quando falou no tal "contra-ciclo nacional"  - basicamente o PS perdeu as eleições a nível nacional e perdeu-as na Madeira - foi a de que o PS registou a sua pior votação na Madeira (20,9%), seguida do círculo de Leiria (24,82%). O distrito que mais votou nos socialistas (42,43%) foi Portalegre.
Claro que isto não invalida - e já o referi diversas vezes - que o PS com  Carlos Pereira vai recuperar progressivamente a sua votação apesar de eu pensar que  a reconquista do 2º lugar, pelo menos esse, que lhe dá a liderança da oposição, dependerá e muito da forma como gerir os eleitores flutuantes que votam na  JPP e que nestas legislativas votaram surpreendentemente no Bloco de Esquerda. Registei o facto de Carlos Pereira ter afirmado aos jornalistas que o resultado obriga também a repensar a estratégia para as eleições autárquicas de 2017. “Nós vamos discutir seriamente o que é que vamos fazer", confirmando que o PS vai apresentar listas próprias em todos os concelhos, embora nalguns concelhos essa participação possa ser feita em coligação. Importante esta declaração: “Garanto que o PS não abandonará o seu espaço político em nenhum dos concelhos. Não vamos sair do espaço político para outros concorrerem e para depois, como aconteceu em S.Vicente, aparecerem como apoiantes da direita e o eleitorado ficar confuso e desiludido com o PS”.

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