segunda-feira, outubro 12, 2015

Realidade: Metade do país em risco de pobreza

Estudo mostra recuo de dez anos no combate que terá de ser assumido pelo novo Governo ao mais alto nível. “Se não houvesse apoios sociais, cerca de metade da população estaria em risco de pobreza e não tenho dúvida que as crianças e os jovens são os mais afetados pela política de austeridade do último Governo.” A uma semana do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, a afirmação, tendo em conta uma recolha de dados da Pordata, sintetiza a causa assumida por Carlos Farinha Rodrigues, responsável pelos principais estudos sobre o flagelo em Portugal. Entre 2011 e 2013, a taxa de risco de pobreza passou de 45,4 para 47,8%, incluindo neste número, a perda de apoios como pensões de sobrevivência, reformas e outras transferências sociais de suporte à família, educação, habitação, doença ou desemprego. Farinha Rodrigues acredita que, apesar dos primeiros sinais de recuperação económica, a situação da pobreza continuará a agravar-se. “É pior do que há dez anos, o que pede decisões políticas ao mais alto nível”. Exige medidas: “Não basta atribuir esta responsabilidade ao ministro da Segurança Social, porque qualquer assinatura de um ministro das Finanças tem mais poder.” E propõe a criação de um gabinete adjunto do próprio primeiro-ministro, “Sarkozy já o fez e era um governo de direita”. Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, Farinha Rodrigues coordena a preparação, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, do que deverá ser o mais extenso retrato das desigualdades sociais em Portugal. O estudo será apresentado no início do próximo ano mas, até lá, o economista não desiste de ver o combate à pobreza assumido como causa nacional, retomando a preocupação com os mais frágeis. “Mesmo quando a pobreza diminuía no país, a tendência não foi acompanhada pelos jovens e crianças” alerta. “As crianças não têm rendimentos, logo, se estão em situação de pobreza é porque a família também está. Para tirá-las deste contexto, os apoios têm de incluir as famílias”, propõe. Como? Através, por exemplo, da redefinição do abono de família. Farinha Rodrigues defende o aumento do valor das prestações — “Quando se acabou com a universalidade, mantiveram-se os valores irrisórios. Foi um erro” — e discorda de uma atribuição generalizada. Mas acredita que, “o abono deveria chegar à classe média” e “ser conjugado com medidas de suporte à escolaridade e à saúde das crianças”.
MUDAR TUDO
Números novos sobre a pobreza só deverão ser divulgados pelo INE no fim do ano, mas daqui para a frente, no que diz respeito ao combate ao problema, Farinha Rodrigues quer que tudo mude. “Nos últimos anos, houve uma deliberada desresponsabilização do Estado, deixando de reconhecer direitos e optando pelo assistencialismo, a caridadezinha”. E recorre ao que terá acontecido com o Rendimento Social de Inserção (RSI), em que, segundo o especialista, os cortes afetaram, principalmente, as famílias formadas por um agregado e várias crianças. A demógrafa Maria João Valente Rosa também está preocupada com a pobreza em Portugal e, perante os números da Pordata, sublinha o interesse de abordar o problema através da criação de um cenário em que o apoio social do Estado não existiria. “Esperamos que nunca venha a acontecer, mas permite-nos perceber o papel das transferências sociais, porque parte do que damos ao Estado pode contribuir para uma maior coesão social, minorando o risco de pobreza”, afirma.
SEM APOIOS OU PENSÕES
Neste cenário radical em que os apoios do Estado e até as reformas desapareceriam, Valente Rosa chama a atenção para “a situação caótica que os idosos viveriam, com 89% a entrar para o grupo de pobres”. Se for considerado o cenário oposto, ou seja, com a existência de apoios sociais, as pessoas com mais de 65 anos constituem a faixa social com a mais baixa taxa de risco de pobreza do país. Para a demógrafa, é a “prova de que as prestações sociais são decisivas para os idosos”. Farinha Rodrigues recorda que “os idosos portugueses são mais pobres que os do resto da Europa”, mas diz que é preciso explicar que “as pensões não foram criadas com uma função de apoio, mas de substituição de rendimento e, por isso, a atribuição de pensões mínimas tem de ser extremamente seletiva porque atualmente, apenas um terço dos que as recebem é pobre”. O professor do ISEG não esquece a situação das crianças e dos jovens e retoma o tema para explicar que é nestas faixas etárias que “a ineficácia da aplicação das prestações sociais portuguesas é mais evidente”. E conclui: “Falhamos redondamente na utilização das prestações sociais de combate à pobreza, como o abono de família ou o rendimento social de inserção.”
“Temos um nível de prestações sociais inferior à média da União Europeia e, apesar disso, o país sofreu uma fortíssima redução nos últimos quatro anos”, afirma Farinha Rodrigues. E é neste ponto que o debate da pobreza volta a subir ao palco político: “Como estas prestações são financiáveis pelo Orçamento do Estado e não pelas contribuições para a Segurança Social, dependem do empenho do Governo.”
A pobreza não é um dado absoluto. Um pobre hoje é diferente de há um século e um pobre português é diferente de um pobre em África ou na Suécia. No norte da Europa tem acesso a bens que um pobre português não consegue alcançar, porque o cálculo da pobreza é definido tendo em consideração o rendimento médio do país. Já a taxa de risco de pobreza representa a percentagem de pessoas com rendimentos abaixo do valor fixado para o limiar de risco de pobreza, que, em Portugal, são 4937 euros por ano, ou seja, cerca de 415 euros/mês.
“Portugal é um país que não me deixa descansada”, afirma Valente Rosa. A demógrafa não tem dúvidas: “As transferências têm um papel decisivo para as pessoas mais vulneráveis e, sem apoios sociais, a situação do país seria explosiva.” (Expresso, pela jornalista Christiana Martins, com a devida vénia)

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