sábado, novembro 21, 2015

Mania de escrever: uma coligação colada com saliva dá garantias?

Muito sinceramente não acredito na estabilidade política deste alegado acordo PS-PCP-Bloco. Não acredito porque há sinais concretos de que a ideia principal foi a de afastar Passos e Portas do poder - não é que a arrogância deles não o tenha justificado - a todo o custo. Não é possível concertar partidos que estiveram historicamente desavindos e em pólos ideológicos diferentes apesar de posicionados à esquerda do espectro ideológico nacional. Não percebi como vai o PCP controlar e “domar” a Intersindical e os sindicatos que vivem das agitações de rua e do mediatismo reivindicativo na comunicação social, por sinal, diga-se, sem grande sucesso efectivo nos últimos tempos. O PCP e a Intersindical precisam urgentemente que o sector dos transportes não seja privatizado. Têm urgência na reversão do processo, porque é essencialmente por aí e nalguns sectores da função pública, que passa a sobrevivência da Intersindical.
Também não entendo por isso como é que estes três partidos agora tão “concordantes” vão gerir o facto de terem candidatos presidenciais autónomos pelo que certamente de alguma forma tentarão mostrar diferenças entre si. O que implica confrontação e o estabelecimento de diferenças. Estou desejando de saber quais serão elas. Se não o fizerem então teremos candidaturas presidenciais equiparáveis a uma palhaçada. O facto de não terem chegado a um consenso quanto a uma única moção de censura da esquerda, o facto de não terem chegado a entendimento para um acordo único e comum, o facto de não terem chegado a entendimento quanto a questões essenciais como os orçamentos de estado de 2016 a 2020, mais não fosse em termos de princípios gerais, são indicadores concretos, muito concretos, de que provavelmente não existem condições, quiçá nunca existirão condições políticas apesar das juras de entendimento para a Legislatura, entre partidos que partilham um eleitorado comum e que nenhum quer perder a favor dos outros dois.
Neste contexto interessa reter algumas ideias que me parecem pertinentes, pelo menos isso, neste momento.
Erros do PSD
Já referi em artigos de opinião anteriores, que no caso da antiga maioria PSD-CDS foram cometidos alguns erros desastrosos, articularmente pelo PSD de quem se exigia procedimentos livres de qualquer tipo de pressões ou condicionalismos, nomeadamente do CDS. Alguns deles:
- não ter havido nunca a coragem de assumir a maioria absoluta como objectivo eleitoral, por temer que ao não ser atingido fossem apontados (PSD e CDS) como derrotados;
- ter radicalizado o discurso relativamente ao PS, na última semana de campanha, mesmo que obrigado pela provocação do PS, quando na realidade sabia que poderia ser originado pelas eleições um quadro político-parlamentar em que o PS seria o interlocutor privilegiado. A última semana afastou definitivamente o PSD do PS, já que coube a Portas o papel do "sniper" como foi frequentemente catalogado pelos socialistas;
- aceitar ir a Belém, um  dia depois das eleições, e apesar de conhecer a realidade parlamentar de perda da maioria absoluta, de uma queda de mais de 700 mil votos e da perda de 25 deputados, não  obrigou o PR - porque é incompetente e por vezes patético, precisando por isso de alguém que lhe indique o caminho certo - deixando Costa de fora, quando se trata do maior partido da oposição. Uma ida de Costa a Belém, naquele mesmo dia, isolado o PS dos demais partidos da esquerda, poderia ter sido decisiva para uma outra atitude dos socialistas, pelo menos até a apresentação do PE de 2017;
- um acordo desastroso com o CDS já que o PSD com 89 deputados tem apenas mais 3 que o PS que ficou com 86. Ao invés o CDS acabou por alcançar uma dimensão departamental que em situações normais nunca obteria, expressa nos intoleráveis 18 deputados apesar da catástrofe eleitoral da coligação e que já referi anteriormente;
- o vergonhoso discurso do PR quando anunciou a sua decisão, correcta, de encarregar Passos de formar governo, por ter liderado a coligação que obteve mais votos nas eleições de 4 de Outubro. Quando Cavaco, na sua conhecida incompetência política, resolveu ir mais longe, foi o que se viu, provocações ao PS, apelos camuflados à rebeldia dos deputados socialistas na votação do programa de governo, etc. O fim do governo de Passos começou no exacto momento em que Cavaco acabou de discursar. Não acredito que nem Passos nem Portas se tenham, apercebido disso, num dia em que o PS reuniu a Comissão Nacional da qual resultou um Costa mais forte e um PS mais unido. A eleição de Ferro Rodrigues para a Presidência da Assembleia da República acabou por ser o primeiro sinal depois confirmada com a queda do governo e a irritação, mais do que evidente, dos líderes do PSD e do CDS. Uma irritação que perdura, que é perceptível sempre que falam e que envolve a recusa de qualquer votação ao lado do PS. Exactamente, o que não deixa de ser paradoxal, o que eles tinham pedido ao PS.
Erros do PS
E quais os erros cometidos pelo PS e por Costa em especial neste processo? Desde logo o de não ter tido a coragem nem a dignidade de assumir, antes das eleições, que estaria disponível para um entendimento político e parlamentar com PCP e Bloco, caso os resultados eleitorais apontassem, nesse sentido e a anterior maioria PSD-CDS perdesse a maioria absoluta. Não o fez porque eventualmente uma tomada de posição dessas poderia levar as pessoas a reforçarem a votação na coligação PSD-CDS e retirar ao PS - quem sabe se também aos outros partidos da esquerda - alguma da base eleitoral que acabaram por ter a 4 de Outubro passado.
Não havia, obviamente, a obrigação disso acontecer. Em 2011 PSD e CDS concorreram sozinhos - Portas fez duros ataques a Passos durante toda a campanha, além de ter expresso posições relativamente à Europa que são hoje incómodas para o CDS e para Portas - mas os resultados eleitorais acabaram por ter que aproximar os dois partidos para que fosse possível uma maioria absoluta parlamentar. Foi essa necessidade de suporte parlamentar ao objectivo da governação que esteve na base da coligação feita depois das legislativas de Junho de 2011 e que este ano, por uma questão que teve a ver com o método de Hondt e com a necessidade de sobrevivência dos dois partidos no poder, foi formalizada antes das eleições.
O segundo grande erro de Costa, foi pessoal, e teve a ver com o facto de nunca se ter desligado do período socrático da governação socialista, e com a falência do país e o pedido de ajuda externa que trouxe a troika para  Portugal - estes são os factos - agravado com o comportamento absolutamente impensável que teve relativamente a Seguro, não só boicotando-o permanentemente nos bastidores e usando alguma influência que tinha (que ainda tem, mas menor) na comunicação social, mas também criando condições para um afastamento forçado do líder do PS. Depois de ter ganho as autárquicas de 2013 e de ter ganho as europeias - as piores eleições para os grandes partidos - o facto de o ter conseguido por uma escassa diferença de votos e elegendo apenas mais um deputado que a coligação PSD-CDS foi razão mais do quer suficiente para que a intriga de Costa e dos seus apoiantes fosse reforçada, por alegadamente ser necessário mudar a tempo o líder do PS para que os socialistas ganhassem as legislativas de forma inequívoca. Foi o que se viu. Costa foi o derrotado, Costa é um derrotado, que fez toda esta encenação - em termos constitucionais e parlamentares absolutamente legal - para chegar ao Congresso do PS a ter lugar depois das presidenciais, com alguma coisa para se defender junto dos militantes e garantir assim a sobrevivência política pessoal. Derrotado nas legislativas, caso somasse também uma previsível derrota nas presidenciais, teríamos um António Costa caído em desgraça e afastado da cena política e do PS. Algo que ele não quer, algo para o qual não está Costa preparado.
A saída acabou por ser a tentativa de um  entendimento  parlamentar à esquerda com uma validade temporal alargada aos 4 anos da  Legislatura - mas que na verdade falhou. Falhou porque não existe um acordo formal e comum. Existe apenas um entendimento de princípios, genérico, que vale o que vale, envolvendo PC, Bloco e Verdes - e todos sabemos o que são os Verdes em Portugal e que, caso não fossem a reboque do PCP para viabilizar a coligação CDU, nem elegeriam um deputado que fosse à Assembleia da República.
Esta desesperada procura de um entendimento à esquerda - facilitada pela demora de Cavaco e pela encenação perfeitamente legal com a nomeação de Passos para chefiar um governo que todos sabíamos estar condenado - mostrou, pela fragilidade dos documentos assinados, separadamente - há muita especulação em torno deste tema, desde a recusa do PCP em assinar um documento comum com o Bloco, à recusa do Bloco em aparecer numa cerimónia pública para assinatura de um documento único que poderia ser entendido com uma restrição à liberdade e ao espaço político próprio que os bloquistas julgam ter conquistado - que o que verdadeiramente uniu PS, PCP e Bloco, nas suas divergências crónicas, era o desejo de afastar PSD e CDS do poder e da governação e que depois disso concretizado logo se veria como o entendimento seria gerível no quadro parlamentar entretanto negociado. Estamos a falar, recordo, de um governo do PS, que até poderá ter personalidades independentes facilmente aceites por PCP e Bloco, mas que remete comunistas e bloquistas apenas para obrigações parlamentares, apesar de estarmos a assistir a uma série de pressões políticas e legislativas, da parte destes dois partidos, que podem colocar aos socialistas problemas políticos complexos.
Desde logo pode haver garantias de aprovação do programa de governo - sem isso não há governo do PS - mas não existem garantias de aprovação de um OE para 2016 que podendo conter medidas populares pacificamente aceites por todos, terá que ser submetido previamente a Bruxelas para aprovação, algo que nem PC nem Bloco, com posições conhecidas relativamente à Europa, podem travar.
Voltar ao passado de Sócrates? Como? Isso é pura propaganda e a tentativa de criar o medo
E não me venham com a treta de que mais tarde ou mais cedo voltaremos ao passado, aos tempos de Sócrates. O controlo orçamental por parte da União  Europeia, a presença da troika em Portugal para inspecções regulares até que Portugal tenha pago pelo menos 80% do empréstimo atribuído em 2011 - 78 mil milhões de euros - e uma evidente mudança da forma de pensar dos portugueses, depois de 4 anos de criminosa austeridade feita à medida e com a velocidade que mais convinha ao PSD e ao CDS, bem como a alteração do sistema de controlo do exercício da execução orçamental, afastam tal cenário mais pessimista de uma espécie de regresso ao passado recente. Portugal está obrigado a enviar previamente a Bruxelas a sua proposta de orçamento anual, sob pena de, não o fazendo, ser penalizado e manter-se no grupo de países com défice excessivo das contas públicas.
Preso com saliva e algumas considerações finais
Com a esquerda a recusar eleições, porque sabe que dificilmente não deixará de ser penalizada (resta saber em que escala) por tudo o que se passou - a começar pelo PS que não sabe se consegue segurar o seu eleitorado natural, a quem não teve a dignidade de informar antes, como já referi, que em caso de necessidade faria um entendimento de governação alargado à esquerda - e com a direita ávida de eleições porque acredita que as pode vencer - mas uma sucessão de patifarias e embustes como aquele que recentemente foi denunciado com o mistério da devolução das sobretaxa de IRS pode provocar um descalabro eleitoral ainda maior - creio que a esquerda, ponderados estes factos, não tomará a iniciativa de gerar qualquer sinal de crise política. Muito menos com Marcelo Rebelo de Sousa eleito PR, embora tenha algumas dúvidas sobre o que poderá acontecer com uma segunda volta das presidenciais.
Mais depressa vejo PCP e Bloco a engolirem sapos ou elefantes vivos do que a provocarem uma crise política e institucional que possa abrir portas à dissolução do Parlamento pelo futuro PR e à consequente convocação de eleições antecipadas.
Finalmente continuo a suspeitar, até prova em contrário, que o PS já tinha abordado antes das eleições de 4 de Outubro, através de encontros entre segundas e terceiras linhas, a possibilidade deste cenário e que os primeiros passos terão sido dados nos últimos dois dias de campanha eleitoral.
Penso também, até prova em contrário, que o principal obstáculo a um entendimento entre PSD e PS poderá ter sido o próprio CDS e Portas. O comportamento de Portas durante a campanha, visando diariamente o PS com alguma contundência verbal, irritando os socialistas, provocando-os com um discurso político que se manteve constante ao longo da campanha, levando-o a ser acusado pelos socialistas de ser o "snipper" da coligação de direita, funcionaram como entrave a um entendimento,. Não me admirava nada que foi isso que levou Portas a manifestar-se disposto a abandonar o cargo de vice-primeiro-ministro, oferecendo-o a  Costa, numa desesperada tentativa de travar o agudizar das negociações e das relações com o PS. O problema é que provavelmente o que estaria em cima da mesa seria um entendimento político entre PSD e PS que implicaria a neutralização de Portas e o afastamento do CDS do poder, algo que causaria inevitáveis problemas políticos a Passos.
Ou seja, com a coligação de direita raivosa por ter sido afastada do poder nestas circunstâncias e com o PS a negociar a sobrevivência política pessoal do seu líder, penso que o entendimento obtido está preso com saliva, sem garantias prévias de manutenção ao longo dos 4 anos de Legislatura. Caso o consigam - e recordo que também com o PSD e CDS em 2011 vaticinavam a queda mas a verdade é que apesar das divergências resistiram em nome do poder e dos interesses que giram à volta do poder - e sejam capazes de concretizar as medidas populares que anunciaram, admito que PSD e CDS venham a ter, depois, dificuldades acrescidas para recuperarem. Mas nesse caso é mais do que provável que as actuais lideranças já terão sido afastadas (LFM)

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