terça-feira, novembro 24, 2015

O acórdão do TC a repor a legalidade num PSD nacional tomado de assalto, manipulado, condicionado e carecido de democracia e de liberdade

ACÓRDÃO Nº 592/2015
Processo n.º 909/15
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura 
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. GUILHERME HENRIQUE VALENTE RODRIGUES DA SILVA, MANUEL FILIPE CORREIA DE JESUS, HUGO JOSÉ TEIXEIRA VELOSA e FRANCISCO MANUEL FREITAS GOMES, vêm, ao abrigo dos artigos 103.º-D e 103.º-C, n.º 2 a 8, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), e com referência ao “número 2 do Artigo 31.º” da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, intentar contra o PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA (PSD), ação de impugnação de decisão disciplinar do Conselho de Jurisdição Nacional (que adiante será também referido como CJN) do PSD de 30 de julho de 2015 (acórdão n.º 1/2015), que lhes impôs a sanção disciplinar de suspensão do direito de eleger e ser eleito durante um mês, em virtude de violação do dever de disciplina de voto, consubstanciada no voto contra a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2015, em votação final global do Plenário da Assembleia da República, e, também, do acórdão do mesmo órgão, de 4 de outubro de 2015, que negou provimento à arguição de “nulidades ocorridas nos autos e no próprio Acórdão” e ao pedido de “reanálise, reponderação e revisão daquela decisão”, apresentado pelos ora impugnantes, confirmando o acórdão n.º 1/2015.
Sustentam, em síntese, a prescrição do procedimento disciplinar, por instaurado a solicitação de entidade que não tinha competência para tanto, e a incompetência do CJN para a prolação da decisão constante do acórdão n.º 1/2015, por a competência para apreciar o presente caso em primeira instância recair no Conselho de Jurisdição Regional da Madeira. E, remetendo para os fundamentos da impugnação que dirigiram ao CJN, que transcrevem na íntegra, colocam primeiramente em dúvida a aprovação por maioria e a reunião do necessário quórum respeitante à decisão do CJN datada de 4 de outubro de 2015, relevando a circunstância de a mesma se designar por “Despacho sobre alegadas nulidades do Acórdão n.º 1/2015”, após o que sustentam a verificação de um conjunto de nulidades, seja por vícios do processo disciplinar, seja por vícios das decisões impugnadas, a saber, decorrentes da não notificação aos arguidos e ao respetivo advogado de quais as testemunhas arroladas pelos impugnantes a ouvir, perguntas a fazer, designadamente quanto às questões a colocar às testemunhas que tinham a prerrogativa de depor por escrito, local dos depoimentos, presença ou intervenção do advogado; da não audição de testemunhas essenciais, por terem envolvência direta na questão em causa no processo disciplinar; da não notificação aos arguidos e ao seu advogado da junção ao processo disciplinar dos depoimentos escritos recolhidos das testemunhas ouvidos por iniciativa da relatora, impedindo-os de solicitar qualquer esclarecimento; da falta de notificação pessoal do acórdão n.º 1/2015, do CJN; da omissão de pronúncia quanto à questão da competência; da invalidade da deliberação que aprovou o Acórdão n.º 1/2015, por vício de composição do órgão colegial; e, ainda, da omissão de pronúncia quanto a várias questões, cujo conhecimento foi, na ótica dos impugnantes, indevidamente considerado prejudicado. Por último, no que respeitam à punição, defendem que o artigo 157.º, n.º 1, da Constituição, impede a sua responsabilização disciplinar e que os Estatutos do PSD, no seu artigo 7.º, configuram o dever de votação dos deputados de acordo com a orientação da Comissão Política Nacional como mero compromisso ético e político, e não como dever cuja violação seja passível de infração disciplinar, considerando, em todo qualquer caso, que não teve lugar prévia deliberação da Comissão Política Nacional e do Grupo Parlamentar do PSD, a fixar o sentido de voto da Lei do Orçamento de Estado para 2015.
Terminam pedindo que sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as decisões do CJN que identificam.
Juntaram diversos documentos, entre os quais cópia das deliberações impugnadas.
2. Distribuídos os autos, pelo relator foi determinada a citação do PSD e, bem assim, a junção por este de cópia do processo disciplinar.
3. Os impugnantes vieram então aos autos informar de requerimento que haviam dirigido ao CJN e do despacho que recaíra sobre o mesmo, declarando a ocorrência de lapso de escrita na frase com que se inicia a decisão proferida por aquele órgão em 4 de outubro, devendo, em vez de “despacho”, ler-se “Acórdão”.
4. Por seu turno, o Partido impugnado apresentou resposta, na qual, igualmente em síntese, a título de questão prévia, refere não ter aplicação ao caso dos autos o disposto no artigo 31.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, e, quanto ao mais, sustenta que os impugnantes por diversas vezes consultaram o processo integral na sede do PSD e tiveram acesso a todas as informações processuais; que no acórdão n.º 1/2015 foi devidamente fundamentada a não audição de todas as testemunhas requeridas e que, dada a confissão de violação de dever de disciplina de voto, tal infração não necessita de qualquer prova adicional, tendo apenas sido solicitados, por escrito, esclarecimentos a quatro pessoas que no plano nacional os impugnantes indicaram como intervenientes diretos no processo e que pudessem relevar em termos de atenuantes; que o acórdão foi notificado para a morada indicada pelos ora impugnantes; que, por integrarem o Grupo Parlamentar do PSD na Assembleia da República, os impugnantes encontram-se apenas sujeitos à jurisdição disciplinar do CJN; que o procedimento teve início tempestiva e legitimamente, enquadrando-se na competência do CJN;  que existiu quórum para a deliberação do acórdão n.º 1/2015, assistindo a todos os intervenientes na deliberação legitimidade para o efeito; e que não existe omissão de pronúncia relativamente a quaisquer questão, mas sim uma relação de prejudicialidade.  Por último, quanto à sanção disciplinar imposta, remete para os fundamentos das decisões impugnadas.
Conclui que foram observadas todas as garantias essenciais de defesa e não se verifica qualquer grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do Partido, nem ilegalidade ou violação de norma estatutária, devendo a ação improceder.
Juntou um conjunto de documentos, integrado por comprovativos de registo de notificações expedidas em 31 de agosto de 2015 e por atas do CNJ com os n.ºs 4/2014 e 2/2015.
5. Após nova notificação para o efeito, o Partido impugnado remeteu “cópia integral” do processo disciplinar n.º 4/2014, que, recebida em 26 de outubro de 2015, ficou em anexo.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Dos factos
6. Com interesse para a decisão, relevam os seguintes elementos de facto, comprovados pelos documentos juntos aos autos pelas partes e através da análise dos termos do processo disciplinar em apenso:
      a) Os impugnantes GUILHERME HENRIQUE VALENTE RODRIGUES DA SILVA, MANUEL FILIPE CORREIA DE JESUS, HUGO JOSÉ TEIXEIRA VELOSA e FRANCISCO MANUEL FREITAS GOMES são militantes do Partido Social Democrata, ora impugnado, inscritos pelas estruturas da Região Autónoma da Madeira, integrando durante a 12.ª legislatura, como deputados eleitos pelo círculo da Madeira, o Grupo Parlamentar do PSD;
b) No dia 25 de novembro de 2014, teve lugar, no Plenário da Assembleia da República, a votação final global da Proposta de Lei n.º 254/XII/4.ª (Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2015), tendo os impugnantes votado contra, exarando em declaração conjunta as razões para esse sentido de voto;
c) Por ofício dirigido ao Presidente do CJN do PSD, entrado em 25 de novembro de 2014, o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD participou o seguinte:
«1- No dia 25 de novembro de 2014, o Plenário da Assembleia da República votou, em votação final global, a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2015;
2- Nessa votação participaram 107 Deputados do Partido Social-Democrata;
3- Os Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da região Autónoma da Madeira, na lista do Partido Social-democrata, a saber Guilherme Silva, Correia de Jesus, Hugo Velosa e Francisco Gomes, votaram contra a Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2015. […].
«7. (...) [E]m todas as reuniões do Grupo Parlamentar, bem como nas Jornadas Parlamentares, em que a temática do Orçamento de Estado para 2015 foi discutida, pelo Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata foi transmitida a inadmissibilidade de ser levantada a disciplina de voto (...).
8. Nos termos do Regulamento Interno é dever dos Deputados “Votar no sentido estabelecido pela Comissão Política Nacional e pelo Grupo Parlamentar...” salvo se “em casos excecionais a Direção (considerar) solicitações de dispensas pontuais à disciplina de voto, devendo as razões invocada[s] serem expostas por escrito e com pelo menos dois dias de antecedência”. Tudo conforme o disposto no Regulamento Interno em Artigo 8.º n.º 1 c) e n.º 2.»
d) Por determinação do Presidente do CJN de 28 de novembro de 2014, foi designada relatora do processo, a qual, por cartas de 5 de dezembro de 2014, recebidas no mesmo dia, comunicou aos arguidos, ora impugnantes, que, na referida data, “foi dado início ao processo disciplinar que lhe foi instaurado devido a violação da disciplina de voto no dia 25 de novembro de 2014, na votação final global da Proposta de Lei do Orçamento de Estado de 2015, em Plenário da Assembleia da República, conforme participação que nos foi remetida pelo Presidente do Grupo Parlamentar do PSD e nos termos do despacho do Presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD de 28.11.2014.”;
e) No dia 15 de dezembro de 2014, o CJN do PSD deliberou ratificar a nomeação feita pelo seu Presidente da instrutora do processo;
f) Na sequência de notificação, os ora impugnantes pronunciaram-se individualmente, por escrito;
g) Em resposta a solicitação da instrutora, por ofício entrado no CJN em 30.12.2014, o Secretário-Geral da Comissão Política Nacional informou que “[n]ão houve qualquer deliberação formal da Comissão Política Nacional (CPN) no que toca ao sentido de voto sobre a proposta de lei do Orçamento de Estado para 2015”. Por seu turno, igualmente por solicitação da instrutora, o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD tomou posição sobre o conteúdo das declarações dos arguidos;
h) Em 19 de janeiro de 2015, foi proferida acusação, imputando a cada um dos arguidos a violação dos deveres impostos pelas alíneas f) e j) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 7.º dos Estatutos, e alínea c) do n.º 1 e n.º 2, do artigo 8.º do Regulamento Interno do Grupo Parlamentar, e o preenchimento das infrações disciplinares tipificadas nas alíneas e), f) e m) do artigo 1.º do Regulamento de Disciplina;
i) Em 18 de fevereiro de 2015, os ora impugnantes apresentaram defesa, pugnando cada um, com formulações quase inteiramente coincidentes, pelo arquivamento dos autos. No final, apresentaram rol de testemunhas, dizendo. “Reserva-se [o] direito de indicar a matéria a que as mesmas devam ser ouvidas se tal vier a ser necessário, o que se não admite” e “Chama-se a atenção de que os membros do Conselho de Estado, Deputados à Assembleia da República, Deputados à Assembleia Legislativa da Madeira, bem como os membros do Governo Regional, necessitam de autorização daqueles órgãos para prestarem depoimento, podendo fazê-lo por escrito”;
j) A solicitação da instrutora, a Comissão Política Nacional prestou informação sobre as atas das suas reuniões;
k) Em 7 de maio de 2015, através de ofício, foi solicitado pela instrutora ao Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, Hélder Reis – não indicado por qualquer dos impugnantes como testemunha –, “na sequência de declarações prestadas pelos Senhores Deputados à A.R. eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira”, que prestasse esclarecimento escrito sobre seis interrogações, o que foi por aquele respondido através de ofício entrado em 26 de maio de 2015;
l) Por ofício datado de 2 de junho de 2015, foi solicitado ao Deputado Duarte Pacheco, “dado ter sido indicado como testemunha pelos Senhores Deputados à A.R. eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira”, que prestasse esclarecimento escrito sobre cinco interrogações, o que foi respondido através de ofício entrado em 17 de junho de 2015;
m) Por ofício datado de 3 de junho de 2015, foi solicitado ao Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, “indicado como testemunha pelos Senhores Deputados Eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira”, que prestasse esclarecimento sobre cinco interrogações, o que foi respondido por ofício entrado em 8 de junho de 2015;
n) Por ofício datado de 3 de junho de 2015, a instrutora solicitou à Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares, Teresa Morais - não indicada por qualquer dos impugnantes como testemunha -, que prestasse esclarecimento escrito sobre seis interrogações, o que foi respondido por ofício entrado em 12 de junho de 2015.
o) Seguiu-se, em 30 de julho de 2015, o Acórdão n.º 1/2015, o qual dispôs o seguinte:
«IV. Decisão
Nenhuma dúvida de que os Denunciados violaram o dever de disciplina de voto, previsto no art. 7.º, n.º 2, dos Estatutos do Partido Social Democrata e no art. 8.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do Regulamento Interno do Grupo Parlamentar.
Porém, verificam-se in casu circunstâncias especialmente atenuantes (art. 3.º, als. A) e c), do Regulamento de Disciplina) que o CJN tem na devida atenção; os altos serviços prestados ao Partido pelos Militantes em causa – ao longo de vários anos têm vindo a ocupar diversos cargos de relevo e em muito contribuíram para o engrandecimento do Partido e do País; e a confissão do facto, conquanto tendendo a desculpá-lo, infundadamente.
Pelo exposto, o CJN, reunido em sessão plenária, e ponderando em especial as referidas atenuantes, delibera por unanimidade aplicar aos militantes Francisco Manuel Freitas Gomes, Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva, Hugo José Teixeira Velosa e Manuel Filipe Correia de Jesus, a sanção disciplinar de “suspensão do direito de eleger e ser eleito durante um mês” (art 9.º, n.º 1, al. d), dos Estatutos do PSD.»
p) Finalmente, conhecendo, como relatado, de arguição de nulidade e pedido de reapreciação que versou a deliberação disciplinar, o CJN proferiu em 4 de outubro de 2015 novo acórdão, com o seguinte teor:
«[...]
1. “Nulidades ocorridas nos autos”
a) “Falta de notificação dos arguidos e do seu advogado para se pronunciarem sobre decisão instrutória relativamente à inquirição de testemunhas, forma de o fazer e questões, bem como perguntas a formular.
A instrução no processo não entendeu necessárias as inquirições das testemunhas indicadas pelos arguidos, dado estar em causa a violação da disciplina de voto na votação da lei do orçamento de Estado inequivocamente provada e confessada pelos próprios Deputados eleitos pelo Circulo Regional da Madeira.
Apenas se ouviram, de entre as pessoas indicadas, aquelas que pela sua intervenção direta no caso pudessem, com os esclarecimentos solicitados por escrito, lançar alguma luz atenuante ou eventualmente excludente da infração cometida por Deputados Nacionais de um Estado Unitário. Sendo certo que, summo rigore, só o levantamento da disciplina de voto pelo próprio grupo parlamentar poderia ter esse efeito excludente.
Face ao exposto, julga-se improcedente a nulidade arguida.
“Falta de notificação pessoal do Acórdão n.º 1/2015 aos arguidos”
A notificação através do mandatário, de resto reclamada no processo, não impediu o tempestivo conhecimento da decisão, relativamente à qual inclusivamente os arguidos reagiram através da presente comunicação, o que por si só demonstra que tal notificação não impediu o exercício cabal de todos os seus direitos.
Face ao exposto, julga-se improcedente a nulidade arguida.
2. “Nulidades que enferma o Acórdão n.º 1/2015”
a) “Omissão de pronúncia”
Não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia da competência do CJN, porque no próprio Acórdão se diz:
“(…) compete ao CJN do PSD julgar a atuação dos Denunciados, com (eventual) sanção disciplinar a ter mera eficácia interna (intrapartidária).”
É que a infração em causa é cometida por Militantes na qualidade de Deputados à Assembleia da República, órgão de um Estado Unitário, a conferir exclusiva competência ao CJN no ponto de vista disciplinar intrapartidário.
Quanto a outras omissões de pronúncia, as mesmas não se verificaram, uma vez que, por economia processual, o conhecimento de determinadas questões ficou prejudicado pela solução dada a outras decididas.
3. “Da prescrição do procedimento”
Pese embora a participação tenha emergido do Presidente do Grupo Parlamentar, dirigida a este Conselho, nos termos da alínea b) do art. 28.º dos Estatutos do PSD compete ao Conselho de Jurisdição Nacional “proceder aos inquéritos e instaurar os processos disciplinares que considere convenientes (...)”, pelo que o procedimento teve início tempestiva e legitimamente.
Assim sendo, julga-se improcedente a arguição de prescrição do procedimento disciplinar.
4. “Da ilegalidade da deliberação”
Ao contrário do que é arguido, existiu quórum para a deliberação do acórdão, sendo que previamente já tinha sido deliberado pelo Conselho de Jurisdição Nacional que o Senhor Conselheiro que exerce funções no Grupo Parlamentar reveste legitimidade para pertencer ao Conselho de Jurisdição Nacional nos termos do art. 75.º dos Estatutos do PSD.
E não corresponde à verdade que “uma Senhora Conselheira tenha votado contra”, uma vez que o acórdão n.º 1/2015 foi aprovado por unanimidade dos presentes.
Portanto, julga-se improcedente a arguição de ilegalidade da deliberação.
5. “Questão de fundo”
Quanto à questão de fundo, o Conselho de Jurisdição Nacional não vê razões válidas para alterar o acórdão n.º 1/2015, aqui e agora esclarecido, reiterado e ratificado.»
B. Questão prévia
7. Conforme relatado, o Partido impugnado suscitou, a título de “questão prévia”, a verificação de um desvio entre âmbito material do preceito da Lei Orgânica n.º 2/2003 invocado pelos impugnantes - o n.º 2 do artigo 31.º - e a substância da decisão disciplinar constante do acórdão do CJN n.º 1/2015, mantida e confirmada, perante impugnação dos visados, por acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional de 4 de outubro de 2015.
Abra-se um parêntesis para referir que não subsistem dúvidas quanto à natureza colegial da última deliberação proferida por aquele órgão jurisdicional, face à ulterior retificação de lapso de escrita na referência a “despacho”, dúvidas que, note-se, sempre careceriam de substância perante os termos da decisão, transcrita supra, tornando facilmente apreensível a verificação de tal lapso.
Acontece que a “questão prévia” colocada pelo Partido impugnado tem, igualmente, na sua raiz um lapso, agora por parte dos impugnantes, cuja deteção também se encontra ao alcance do destinatário médio da declaração. Com efeito, quer na referência inicial ao disposto no n.º 2 do artigo 31.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, quer noutros trechos da petição inicial em que é feita alusão a outra disposição do mesmo diploma - o n.º 2 do artigo 23.º, transcrito no artigo 27.º da peça -, os impugnantes tiveram em conta a redação original da referida Lei Orgânica, e não, como devido, a redação vigente, conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 maio, mormente o artigo 3.º deste diploma, que republicou e renumerou a Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto.
Ora, o n.º 2 do artigo 31.º da redação original da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, encontra correspondência no texto do n.º 2 do artigo 30.º da mesma Lei, após a republicação e renumeração efetuada pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio, assim como o texto inicial n.º 2 do artigo 23.º passou a estar contido, sem qualquer modificação, no republicado n.º 2 do artigo 22.º.
Mostra-se, assim, inteiramente desprovida de fundamento a “questão prévia” suscitada pelo Partido impugnado, com o sentido implícito de interpelar uma (pretérita) inexistência do objeto visado pela presente ação, que teria como consequência a sua inadmissibilidade, quando, inequivocamente, o impulso deduzido pelos impugnantes versa a violação de regras estatutárias e legais de uma real decisão disciplinar punitiva, e que se tornou definitiva na ordem partidária, esgotados que foram os meios jurisdicionais internos de reapreciação (garantia legal dos indivíduos conferida pelo n.º 2 do artigo 22.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, na redação conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio, que se impõe aos partidos políticos que os integram, não podendo ser contrariada ou eliminada pelos respetivos estatutos, conforme Acórdãos n.ºs 361/2002, 421/2002, 428/2009, 44/2010, 250/2010, 395/2010, 497/2010, 219/2011 e 684/2014), por via do acórdão do CJN prolatado em 4 de outubro de 2015.
Nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-D da LTC, aditado pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, “qualquer militante de um partido político pode impugnar, com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatuária, as decisões punitivas dos respetivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que seja arguido”, direito processual cuja concretização legal decorre igualmente do no n.º 2 do artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, na redação conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio, onde se estatui que “[d]a decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente, nos termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional”.
Nada obsta, então, mormente no plano do seu objeto processual, ao conhecimento da impugnação.
C. Do mérito da ação
8. Posto isto, passemos a apreciar as várias questões colocadas pelos impugnantes, seja no que respeita à invocação de diversas invalidades procedimentais e decisórias, seja quanto à verificação dos pressupostos da punição disciplinar – designada pelos impugnantes por “questão de fundo” - seguindo a ordem lógica decorrente da projeção de consequências que cada uma comporta em caso de sucesso, começando por aquela que poderá excecionar o próprio procedimental disciplinar.
C. 1. Prescrição do procedimento disciplinar
9. A partir da consideração de que o procedimento disciplinar foi instaurado, não por iniciativa oficiosa do CJN, mas por solicitação do Presidente do Grupo Parlamentar, iniciativa a que apontam infração do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º dos Estatutos do PSD, os impugnantes concluem que tal ato não releva para efeitos de interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar em causa e que, assim, teria sido ultrapassado o prazo de 60 dias, previsto no n.º 2 do artigo 178.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (e não no artigo 168.º da Lei n.º 35/2004, como, em novo lapso de escrita, é referido no artigo 18.º da petição), que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Na resposta, e em sintonia com o entendimento acolhido pelo CJN, o Partido impugnado sustenta que o procedimento teve início legitima e tempestivamente, nos termos da alínea b) do artigo 28.º do Estatutos do PSD, juntando cópia de ata de reunião do CJN de 15 de dezembro de 2015, que também se encontra inserida no processo disciplinar em anexo.
10. Diz o artigo 28.º dos Estatutos do PSD, relativo à competência do Conselho de Jurisdição Nacional:
«1 - O Conselho de Jurisdição Nacional é o órgão encarregado de velar, ao nível nacional, pelo cumprimento das disposições constitucionais, legais, estatutárias e regulamentares por que se rege o Partido.
2 - Compete ao Conselho de Jurisdição Nacional:
a) [...];
b) Proceder aos inquéritos e instaurar os processos disciplinares que considere convenientes ou que lhe sejam solicitados pelo Conselho Nacional, pela Comissão Política Nacional ou pelo Secretário-Geral a qualquer órgão nacional ou distrital, setor de atividade do Partido ou a qualquer militante que os integre, podendo para o efeito designar como instrutores ou inquiridores os militantes que entender;
c) [...];
d) [...];
e) [...];
f) [...];
g) [...];
h) [...];
3. [...].
4 - O Conselho de Jurisdição Nacional é independente de qualquer órgão do Partido e, na sua atuação, observa apenas critérios jurídicos.
5 - [...].
6 - [...].
5. Para o exercício da sua competência poderá o Conselho nomear como instrutores de inquéritos os militantes que entender e bem assim fazer-se assistir pelos assessores técnicos que julgar necessários.»
Os mesmos Estatutos, agora no n.º 2 do artigo 9.º, remetem a tipificação das infrações leves e graves para Regulamento de Disciplina dos Militantes, aprovado em Conselho Nacional, o qual, por seu turno, define no seu artigo 11.º como regime subsidiariamente aplicável ao processo disciplinar aquele que for estabelecido na legislação referente aos “funcionários civis do Estado”, com as necessárias adaptações, o que, na data dos factos que motivaram a decisão punitiva, encontra correspondência na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (doravante LGTFP).
Cabe referir, neste ponto, que os impugnantes interpretam a decisão do CJN como excluindo a aplicação subsidiária desse regime, entendimento que censuram, mas não se vê que esse sentido negativo decorra de qualquer das pronúncias daquele órgão. No Acórdão n.º 1/2015, afirma-se, sim, depois de mencionar o n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento Interno do Conselho de Jurisdição, e a propósito de questão relacionada a regularidade da notificação da acusação, que “o procedimento disciplinar não será guiado pela aplicação estrita da Lei do Trabalho em Funções Públicas, sendo necessário a conjugação de todos estes elementos e com as devidas adaptações”.
Nem os Estatutos do PSD, nem o Regulamento de Disciplina dos Militantes, comportam normas específicas no domínio prescricional, pelo que a regulação a aplicar no presente caso carece de ser encontrada no ordenamento subsidiário que, em primeira linha, rege o procedimento disciplinar.
11. De acordo com o n.º 1 do artigo 207.º da LGTFP, assim que seja recebida participação ou queixa, a entidade competente para instaurar procedimento disciplinar decide se a ele deve ou não haver lugar. Ora, a entidade exclusivamente competente, de acordo com o artigo 28.º n.º 2, alínea b) dos Estatutos do PSD, tratando-se de militantes que integravam órgão nacional do PSD, no caso, o Grupo Parlamentar, definido como tal pelo artigo 13.º, alínea f), dos Estatutos, para a instauração do processo disciplinar é o Conselho de Jurisdição Nacional.
Ao contrário do que sustentam os impugnantes, a esta conclusão não se opõe o disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Regulamento de Disciplina dos Militantes: “Só os respetivos Conselhos de Jurisdição poderão ordenar a instauração de qualquer das espécies de processos referidos no artigo anterior”, a saber, sindicâncias, inquéritos e processos disciplinar. O adjetivo “respetivos” reporta-se necessariamente às diferentes esferas de competência dos órgãos jurisdicionais, tal como definida nos Estatutos, a que aquele Regulamento sempre se deveria submeter, pelo que o plural não se cinge aos Conselhos de Jurisdição distritais e regionais. Abarca todos os Conselhos de Jurisdição incluindo, no âmbito da respetiva competência, maxime da respetiva competência reservada, também o Conselho de Jurisdição Nacional.
Por outro lado, se apenas ao Conselho de Jurisdição Nacional cabia a instauração de procedimento disciplinar, daí não resulta qualquer impedimento à participação dos factos por outros órgãos nacionais ou, mesmo, por qualquer militante. Os Estatutos do PSD são muito claros a esse propósito: constitui direito individual dos militantes “participar qualquer infração disciplinar” [artigo 6.º, n.º 1, al. d)], com concretização também no Regulamento de Disciplina dos Militantes “compete a qualquer militante ou órgão do Partido a participação de factos suscetíveis de integrarem ilícitos disciplinares” (artigo 8.º, n.º 1).
Nestes termos, não procede a posição dos impugnantes, no sentido de negar a legitimidade da participação efetuada, ou atribuir a competência para a sua apreciação a outro órgão, que não o Conselho de Jurisdição Nacional, mormente ao Conselho de Jurisdição Regional (artigo 30.º da petição).
Também não colhe a dúvida quanto à verificação de uma decisão positiva no sentido da instauração do procedimento por parte do Conselho de Jurisdição Nacional, tomada primeiro pelo seu Presidente e posteriormente ratificada por deliberação colegial, sendo certo que a ocorrência de um qualquer vício desses atos, por ilegalidade ou violação dos Estatutos, não foi invocada perante o CJN. Sempre estaria, então, por não terem sido mobilizados os meios jurisdicionais internos, vedado a este Tribunal, por aplicação do disposto no artigo 103-C, n.º 3, ex vi artigo 103.º-D, ambos da LTC, conhecer dessa questão nova.
12. Feito este percurso, importa retomar a questão prescricional, para concluir que entre o conhecimento dos factos participados e a instauração do procedimento disciplinar não mediaram mais de 60 dias: a participação deu entrada no próprio dia dos factos (25 de novembro de 2014) e a nomeação de instrutora teve lugar no dia 28 do mesmo mês; a ratificação dessa nomeação teve lugar em 15 de dezembro, ainda não decorrido um mês sobre a participação. Aliás, todos os impugnantes vieram aos autos, como arguidos, antes de decorridos 60 dias sobre a participação.
Improcede, nos termos expostos, a exceção de prescrição.
C.2. Prova testemunhal e omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade
13. Após a transcrição da peça que haviam dirigido por último ao CJN, em exercício do direito de impugnação previsto no n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 2/2003, de 22 de agosto, na redação conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio, os impugnantes enunciam a verificação de diversas nulidades, organizadas por alíneas, compreendendo-se da petição no seu conjunto que pretendem recolocar perante este Tribunal os mesmos fundamentos que avançaram anteriormente, sem êxito, perante o CJN.
As três primeiras alíneas têm em comum a arguição de nulidade por omissão de diligências relativas à produção de prova na fase posterior à dedução de acusação, a saber: i) não terem os arguidos sido notificados para se pronunciarem quanto à inquirição de testemunhas, forma de o fazer e perguntas a formular por escrito; ii) não terem sido ouvidas testemunhas essenciais para o apuramento da verdade, pela envolvência direta na questão em causa, mormente os então Presidente do Governo Regional, Secretário Regional das Finanças e Diretor Regional das Finanças, da Região Autónoma da Madeira; e iii) por último, a não notificação da junção ao processo disciplinar dos depoimentos escritos recolhidos, impedindo os arguidos de sobre eles se pronunciarem, formularem pedido de esclarecimento sobre os mesmos, e sugerir, insistir ou requerer outras diligências, nomeadamente a inquirição de outras testemunhas.
O Partido impugnado respondeu, argumentando que a não audição de todas as testemunhas requeridas foi devidamente fundamentada, com remessa para o que consta nesse particular no acórdão n.º 1/2015 e que os arguidos “confessaram ter violado o dever de disciplina de voto, o que é uma infração prevista e punida pelo art. 7.º, n.º 2, dos Estatutos do PSD e Regulamento de Disciplina, pelo que tal infração não necessita de qualquer prova adicional. Assim, dispensou-se a audição de qualquer testemunha relativamente à infração ocorrida, pelo que apenas se solicitaram, por escrito, esclarecimentos de quatro pessoas que no plano nacional os impugnantes indicaram como intervenientes diretos no processo e que pudessem relevar em termos de atenuante, como foi sopesado na sanção aplicada. Note-se bem: pedido de esclarecimento por escrito, e não rigorosamente inquirição de testemunhas”.
Vejamos.
14. Novamente, na ausência de regulação nos Estatutos, ou em qualquer regulamento, o regime legal pertinente à produção de prova no âmbito do procedimento disciplinar em apreço, mormente na fase de defesa do arguido, emana da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, com as adaptações às especificidades do contencioso disciplinar partidário que se mostrem necessárias.
De acordo com o disposto nos artigos 214.º e segs. da LGTFP, proferida a acusação abre-se a fase de defesa dos arguidos, sendo estes notificados do laudo acusatório, cabendo ao instrutor fixar um prazo entre 10 e 20 dias para a apresentação de defesa, podendo ser concedido prazo superior, até ao limite de 60 dias, quando o processo seja complexo. No caso, os impugnantes foram notificados de que, no prazo de 20 dias, poderiam consultar o processo, deduzir defesa e oferecer a prova que tivessem por conveniente, vindo individualmente apresentar defesa escrita e arrolar testemunhas.
Na LGTFP, a regulação da prova testemunhal oferecida pelo arguido encontra-se condensada no artigo 218.º, cujo teor, no que aqui interessa, é o que segue:
Artigo 218.º
(Produção da prova oferecida pelo arguido)
1 - As diligências requeridas pelo arguido podem ser recusadas em despacho do instrutor, devidamente fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias.
2 – Não podem ser ouvidas mais de três testemunhas por cada facto, podendo as que não residam no lugar onde corre o processo, quando o arguido não se comprometa a apresenta-las, ser ouvidas por solicitação a qualquer autoridade administrativa.
3 – O instrutor pode recusar a inquirição das testemunhas quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido.
[...]
5 – As diligências para a inquirição de testemunhas são sempre notificadas ao arguido.
6 – Aplica-se à inquirição referida na parte final do n.º 2, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 111.º e segs. do Código de Processo Penal.
7 - O advogado do trabalhador pode estar presente e intervir na inquirição das testemunhas.
8 - O instrutor inquire as testemunhas e reúne os demais elementos de prova oferecidos pelo trabalhador, no prazo de 20 dias, o qual pode ser prorrogado, por despacho, até 40 dias, quanto o exijam as diligências referidas na parte final do n.º 2.
9 – Finda a produção da prova oferecida pelo trabalhador, podem ainda ordenar-se, em despacho, novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade.
15. Como se disse, os impugnantes requereram a inquirição de testemunhas, notando-se que, sendo os factos alegados nas quatro peças praticamente sobreponíveis, o impugnante Guilherme Silva arrolou 24 testemunhas, elenco que inclui as 7 testemunhas arroladas pelos arguidos Francisco Gomes e as 8 testemunhas arroladas pelos dois outros arguidos (esclarece-se que não se tem em consideração na contabilização o requerimento de inquirição dos coarguidos como testemunhas). E, no final de cada um das peças, os ora impugnantes indicaram que se “reservavam” o direito de indicar a matéria a que as testemunhas deveriam ser ouvidas e “chamaram a atenção” para que algumas testemunhas gozavam da prerrogativa de prestar depoimento por escrito.
Ora, conforme referido supra, a instrutora diligenciou tão somente pelo depoimento de 2 das testemunhas arroladas, comuns a todos os arguidos, a saber, Duarte Pacheco e Luís Marques Guedes, bem como, oficiosamente, pelo depoimento de duas outras testemunhas, Hélder Reis e Teresa Morais (esta com a indicação de que havia sido indicada como testemunha pelos arguidos, o que não acontecera). E, relativamente a todas as testemunhas, a modalidade empregue foi a do depoimento escrito, com solicitação de “esclarecimento” quanto à matéria de várias questões formuladas pela instrutora.
Os impugnantes insurgem-se em primeira linha por não terem sido notificados previamente sobre qualquer das diligências de prestação de depoimento por escrito. Sem razão, pois não se encontra nesse ponto qualquer desvio à tramitação devida.
Com efeito, os impugnantes haviam já tomado posição quanto à prerrogativa de depor primeiro por escrito de que beneficiavam as testemunhas por eles indicadas com a qualidade de Deputado à Assembleia da República ou membro do Governo, o que, aliás, decorre do artigo 503.º, n.º 2, al. b), do CPC, norma com aplicação transversal às diversas ordens jurídico-processuais.
Também não colhe a pretensão dos impugnantes quanto à indispensabilidade de notificação dos arguidos com vista à indicação dos factos sobre que pretendiam o depoimento e formulações de questões. Não tendo os impugnantes especificado, como lhes incumbia fazer logo no momento da indicação de uma entidade com prerrogativa de depor primeiro por escrito (artigos 503.º, n.º 3 e 505.º, n.º 2, do CPC), os específicos factos sobre que pretendiam o depoimento, não existe óbice a que a instrutora diligenciasse sem mais delongas pela prestação dos depoimentos, tendo como objeto uma seleção dos factos que, dentre o acervo constante da defesa dos arguidos, fosse suscetível de ser do conhecimento da testemunha.
16. O segundo fundamento de nulidade invocada pelos impugnantes resulta da não audição de 3 testemunhas, cujos depoimentos reputam de essencial, em virtude de terem envolvência direta na questão em causa no processo disciplinar, sendo que apenas 2 delas, Alberto João Jardim e Ventura Garcês, constam do rol de testemunhas. Relativamente às demais testemunhas por si arroladas e cujo depoimento não foi recolhido, nada é dito pelos impugnantes, o que significa que se conformaram com essa decisão.
     Efetivamente, nenhuma das testemunhas especificadas, todas integrantes do Governo Regional da Madeira ao tempo dos factos constantes da acusação, prestaram depoimento, presencialmente ou por escrito, sem que conste do processo disciplinar qualquer despacho da instrutora a esse propósito.  Apenas na decisão condenatória, proferida pelo Conselho de Jurisdição Nacional em acórdão relatado pela mesma Conselheira que desempenhou as funções de instrutora, ficou exarada a decisão de “dispensa” da “maior parte das testemunhas indicadas pelos denunciados”, fundamentada na consideração de que “sendo público e notório todo o percurso político e social dos denunciados, sua seriedade, idoneidade, responsabilidade, competência e longo percurso de serviços prestados, no plano partidário e extrapartidário. Cingindo-se, por isso a audição por escrito às testemunhas com intervenção direta na alegada e denunciada infração”.
Temos, então, que, ainda que integrada na decisão final proferida pelo órgão jurisdicional colegial - ao qual sempre caberia decidir de impugnação incidente sobre decisão singular da instrutora (cfr. artigo 10.º do Regulamento de Disciplina) -, foi fundamentada a recusa de diligências requeridas pelos arguidos, decisão radicada essencialmente em duas ordens de razões: desnecessidade dos depoimentos, seja por se darem como assentes os factos alegados de natureza abonatória, seja por as testemunhas “dispensadas” não terem tido intervenção direta nos factos que integravam a infração imputada.
Os impugnantes não colocam em crise a aplicação do primeiro critério, atinente aos factos pertinentes à determinação da espécie e medida de eventual sanção disciplinar, nem, em rigor, o cabimento do segundo, centrando o seu inconformismo no facto das 2 testemunhas arroladas que identificam na impugnação para este Tribunal terem tido, na sua ótica, intervenção direta nos factos.
Porém, tomando o articulado de defesa apresentado pelos arguidos, verifica-se que não é alegado qualquer facto que consubstancie atuação ou omissão individual de tais testemunhas (nem, acrescente-se, do então Diretor Regional das Finanças), em termos de suportar a conclusão de que tiveram “intervenção direta nos factos” e confirmar a essencialidade do respetivo contributo probatório para a descoberta da verdade. Com efeito, encontra-se apenas a indicação de que as questões orçamentais foram tratadas com o Presidente do Governo Regional e o Secretário Regional das Finanças, daí resultando a apresentação na especialidade de um conjunto de propostas à Lei de Orçamento de Estado, e, bem assim, a deliberação tomada em 24 de novembro pela Comissão Política Regional do PSD, cuja ata (extrato) foi junta pelos arguidos.
E, tomando agora o Acórdão n.º 1/2015, dele decorre que a matéria alegada pelos arguidos, no que respeita ao posicionamento do Governo Regional da Madeira, e/ou das estruturas partidárias da Região, foi dada como assente e tida em atenção na decisão, tanto assim que são analisados os quatro depoimentos colhidos, justamente a propósito da questão de determinar o seguimento dado a essa posição na Assembleia da República, e por parte do Governo, mormente na consideração de “parece ter existido uma disponibilidade por parte do Sr. Dr. Hélder Reis em trabalhar com a Madeira em busca de uma solução”.
Face ao exposto, não se encontra, na decisão de recusa de recolha dos depoimentos de outras testemunhas arroladas pelos arguidos, mormente de Alberto João Jardim e Ventura Garcês, omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
17. Cabe, agora, apreciar o último plano invocado pelos impugnantes em suporte da verificação de nulidade processual no domínio probatório: a não notificação aos arguidos dos depoimentos prestados por escrito, seja no que concerne às testemunhas por eles arroladas, seja quanto às testemunhas inquiridas oficiosamente. A este propósito, os impugnantes sustentam que foram impedidos de solicitar quaisquer esclarecimentos ou requerer outras diligências, retomando assim a linha argumentativa que já haviam formulado perante o CJN, com invocação de violação das garantias de defesa constitucionalmente garantidas aos arguidos em processo disciplinar, mormente por infração do princípio do contraditório (cfr. artigos 2.º a 9.º do requerimento formulado ao abrigo do artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2003, de 22 de agosto, na redação conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 maio, transcritos no artigo 32.º da petição dirigida a este Tribunal).
A este propósito, a resposta apresentada pelo Partido impugnado nada diz, à semelhança do acórdão proferido em 4 de outubro de 2015, para que remete, podendo, quanto muito, atribuir-se à distinção operada entre “pedido de esclarecimento por escrito” e “inquirição de testemunhas” o sentido de afastar os primeiros do âmbito de aplicação do regime da prova testemunhal no processo disciplinar em análise.
Porém, a distinção não colhe. A colocação por escrito de um conjunto de interrogações dirigido a testemunha consubstancia uma forma de inquirição, como, aliás, decorre do n.º 2 do artigo 503.º do CPC, constituindo, por seu turno, a resposta a pedidos de esclarecimento subsequentes, seja sob forma escrita, seja por audição, igualmente uma modalidade de prestação de testemunho, sujeita às normas pertinentes a esse meio de prova.
Como o Tribunal sempre disse, mormente no Acórdão n.º 259/2008: «Os partidos políticos, enquanto «associações privadas com funções constitucionais» (J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, 682), estão sujeito, por força do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 18.º da Constituição, ao princípio da vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais, que os submete – maxime no exercício de competências sancionatórias – ao regime material dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, e 32.º, n.º 10, da CRP (v. CARLA AMADO GOMES, “Partidos rigorosamente vigiados? Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 185/03” in Jurisprudência Constitucional, n.º 2, Abril-Junho 2004, 27).
E, em concretização das garantidas de audiência e defesa constitucionalmente asseguradas aos arguidos em quaisquer procedimentos sancionatórios (n.º 10 do artigo 32.º da Constituição), o nº 2 do artigo 22.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, na redação conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 maio, estabelece que “compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa (...)”, enquanto os Estatutos do PSD conferem aos militantes o direito de  “não sofrer sanção disciplinar sem ser ouvido em processo organizado perante a instância competente” [artigo 6.º, n.º 1, alínea d)]. Garantias de audiência e defesa que, na dimensão decorrente do princípio do contraditório, compreendem necessariamente, não apenas a possibilidade de o arguido influir na decisão sancionatória através do oferecimento de prova dos factos que alega em sua defesa, mas também de intervir ativamente na sua produção, assim como, em geral, a possibilidade de contradizer as provas que contra si sejam produzidas.
O direito de participação do arguido em processo sancionatório – “right to be heard, caracterizador do “due process” – não se cinge ao oferecimento de prova. Enquanto princípio intimamente conexionado com a ideia de Estado de direito democrático (artigos 2.º e 9.º, alínea b), da Constituição), como salientado nos Acórdãos n.º 1010/96, 499/2009 e 413/2011, exige que se assegure ao arguido a possibilidade de ser ouvido sobre todos os factos, sobre todas as provas e sobre todas as questões jurídicas a ponderar na decisão final, o que “também exige que, se surgirem elementos novos na fase de defesa do arguido ou na fase de decisão, seja dada ao arguido a possibilidade de sobre eles se pronunciar, contraditando-os, infirmando-os ou negando-lhes relevância ou atendibilidade, se necessário com oportunidade de produção de prova complementar” (Acórdão n.º 499/2009).
Quando se esteja perante prova testemunhal produzida na modalidade de audição, o respeito pelo contraditório é assegurado pela possibilidade de o mandatário do arguido poder estar presente e intervir na inquirição de testemunhas, como garante o n.º 5 do artigo 218.º do LGTFP. Tratando-se de prova produzida por escrito, em que não é viável a imediação, cumpre assegurar mecanismo equivalente, de modo a proporcionar ao arguido a possibilidade de indicar as questões a colocar inicialmente e, ainda, em face das respostas prestadas, de suscitar os esclarecimentos que, na lógica própria da defesa, entenda necessários, sem prejuízo de avaliação pelo instrutor do respeito pela indispensável relação com o thema probandum. Um tal mecanismo encontra-se previsto no n.º 3 do artigo 503.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual, junto o relato testemunhal quanto aos factos indicados, qualquer parte pode, uma única vez, solicitar esclarecimentos, igualmente por escrito, podendo ainda a parte que tiver indicado a testemunha que beneficie da prerrogativa de depor por escrito solicitar a respetiva audição, justificando devidamente a necessidade da audiência para o completo esclarecimento do caso.
Ora, no caso em apreço, não foram os arguidos notificados do conteúdo dos relatos testemunhais junto aos autos, nem lhes foi facultado qualquer prazo para sobre eles solicitarem, querendo, esclarecimentos complementares, inviabilizando-se desse modo o exercício do contraditório, em infração das apontadas garantias constitucionais e legais.
E não se diga, como é sustentado, ainda que de forma genérica, no acórdão do CJN n.º 1/2015, que, estando os autos disponíveis para consulta, aos arguidos e ao respetivo mandatário era sempre possível acompanhar a par e passo os vários trâmites, podendo solicitar a produção de qualquer prova. Na verdade, tendo sido intercalada na fase de defesa prova determinada oficiosamente e prova arrolada pelos arguidos, sem que fosse lavrada decisão da instrutora a recusar a produção de qualquer outra prova arrolada, mesmo que os autos tivessem sido consultados pelos arguidos durante a fase de defesa – o que não é alegado pelo Partido impugnado  –, não lhes era possível determinar, até à notificação da deliberação punitiva, que a instrutora havia circunscrito a produção de prova a 4 testemunhas e que não lhes seria fixado prazo para solicitarem esclarecimentos complementares à prova produzida e tomarem posição quanto à prova produzida oficiosamente, de modo a que fossem tidos em conta na decisão final.
Cumpre, assim, concluir que o procedimento não respeitou as garantias de audição e defesa dos impugnantes, em violação do disposto no artigo 22.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2003, de de 22 de agosto, na redação conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 maio, e no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), dos Estatutos do PSD, o que tem como consequência a nulidade insuprível do respetivo processo disciplinar, por omissão de diligências essenciais a uma defesa adequada e, inerentemente, de diligências essenciais para a descoberta da verdade, de acordo com o disposto do n.º 1 do artigo 203.º da LGTFP.
Tal vício procedimental determina a invalidade dos termos posteriores à junção ao processo do último relato testemunhal escrito, ocorrida em 12 de junho de 2015, abrangendo a decisão punitiva e a decisão que a confirmou, que devem ser anuladas.
18. Atento o sentido decisório a que se chegou, fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos de invalidade invocados pelos impugnantes.
Decisão
19. Pelo exposto, decide-se:
Julgar a ação de impugnação deduzida por GUILHERME HENRIQUE VALENTE RODRIGUES DA SILVA, MANUEL FILIPE CORREIA DE JESUS, HUGO JOSÉ TEIXEIRA VELOSA e FRANCISCO MANUEL FREITAS GOMES procedente e anular as deliberações do Conselho de Jurisdição Nacional do PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA proferidas em 30 de julho de 2015 (acórdão n.º 1/2015) e 4 de outubro de 2015.
Sem custas.
Notifique.
Lisboa, 11 de novembro de 2015 - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro (TC)

Sem comentários: