quarta-feira, dezembro 23, 2015

Tribunal de Contas: Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2014

Nota para a imprensa
A apreciação da sustentabilidade das finanças públicas e o controlo do endividamento das administrações públicas conferem especial importância ao exame da execução do Orçamento do Estado quanto à sua legalidade (com ênfase na aplicação dos princípios orçamentais), correção financeira e adequada contabilização. O exame à CGE de 2014 suscita um conjunto de considerações e evidencia deficiências, nalguns casos recorrentes.
A receita consolidada da administração central aumenta 2,2% impulsionada pelo acréscimo de 2,3% nas receitas fiscais e 10,8% nas contribuições sociais. Nos impostos, 57% do aumento decorre de correções contabilísticas (IRS afeto aos municípios e contribuição sobre o sector bancário) visto o acréscimo do IVA e a redução do IRC se compensarem. Considerando a receita decorrente de certos ativos financeiros a receita consolidada cresce 6,3% devido, sobretudo, à amortização pelos bancos de instrumentos de capital contingente (CoCos) emitidos para recapitalização da banca.
A CGE voltou a evidenciar casos relevantes de desrespeito dos princípios e regras orçamentais, de incumprimento das disposições legais que regulam a execução e a contabilização das receitas, de insuficiências dos sistemas de contabilização e de ineficácia dos sistemas de controlo. As contribuições de serviço rodoviário (entregue à Estradas de Portugal) e para o audiovisual (entregue à Rádio e Televisão de Portugal) subsistem como exemplos de omissão de receitas do Estado (€ 1.472 M em 2014).
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) passou a reportar ao Tribunal o valor das liquidações e dos acréscimos de receita fiscal provenientes dessa ação. Por sua vez, o Governo divulgou (também pela primeira vez) uma estimativa da receita fiscal resultante do combate à fraude e à evasão. Todavia o Governo não indicou as fontes de informação e os cálculos efetuados nem disponibilizou os dados necessários para a verificação dessa estimativa cujas principais parcelas são, aliás, inconsistentes com os valores reportados pela AT ao Tribunal e na CGE.
Dezassete anos após a sua aprovação, o POCP ainda não era aplicado em todos os serviços da Administração Central. A não conclusão da implementação do POCP constitui um revés para a elaboração do balanço e da demonstração de resultados da Administração Central do Estado, porém, não é impeditiva de que a CGE apresente essas demonstrações financeiras consolidadas relativamente às entidades com POCP. O Tribunal formula uma recomendação no sentido de a transição e implementação do SNCAP (aprovado este ano e com aplicação plena prevista para 2017) não demore o tempo que tem levado o POCP, com as consequências que daí adviriam para o rigor e transparência da CGE.
As sucessivas alterações dos valores fixados no Quadro Plurianual de Programação Orçamental (QPPO), que a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) impõe como vinculativos, desvirtuam, por completo, a sua natureza e propósito disciplinador do rigor das finanças públicas. Anota-se, também, que a nova LEO consagra, em substituição do QPPO, o Quadro Plurianual das Despesas Públicas (QPDP) com um regime menos rígido, uma vez que os limites nele fixados apenas são vinculativos para o primeiro ano de vigência.
A CGE no procedimento de consolidação e apuramento do saldo exclui todas as receitas e despesas classificadas como activos financeiros. O Tribunal entende que não é correto considerar que todas as receitas e todas as despesas classificadas como ativos financeiros são insuscetíveis de alterar definitivamente o património financeiro líquido do Estado, como é o caso de receitas e despesas relativas a operações financeiras de médio e longo prazos (neste ano assumem particular relevância o empréstimo de € 3.900 M concedido ao Fundo de Resolução, um outro concedido à CP de € 2.283 M e os casos de empréstimos convertidos em capital social das empresas públicas). Considerar tais receitas e despesas confere maior rigor e transparência aos documentos de prestação de contas referentes à execução orçamental. O impacto no saldo das operações com os activos financeiros considerados foi de € -5.774 M.
A CGE continua a não incluir a dívida dos serviços e fundos autónomos, onde se integram as entidades públicas reclassificadas (€ 13.526 M, dívida consolidada), nem a dívida representada por derivados e locações financeiras (cerca de € 1.300 M, avaliados ao justo valor).
Em 31 de Dezembro de 2014 o saldo acumulado das receitas e despesas orçamentais com BPN e sociedades veículo era de € -2.647 M e as garantias prestadas pelo Estado de € 3.537 M. No Parecer analisa-se, ainda, a venda do BPN Crédito, vendido por € 36 M, venda que levava associada um crédito potencialmente recuperável de € 94 M.
Pela primeira vez faz-se um levantamento dos apoios concedidos ao sector financeiro (sem incluir benefícios fiscais) no período 2008-2014, desagregado por entidades beneficiárias e por instrumentos utilizados, tendo-se apurado um saldo negativo de fluxos de € 11.822 M e garantias em vigor no montante de € 7.037 M.
A despesa fiscal relevada na CGE continua subavaliada, quer pela omissão de € 34 M em IRC, quer por não ter sido quantificada despesa relevante, incluindo a relativa a operações e atos isentos de imposto do selo declarados por sujeitos passivos. Só o resultado da mera aplicação das taxas mínimas previstas na tabela geral desse imposto aos montantes declarados ascende a € 143 M. 
Subsiste a falta de inventário e de valorização adequada dos imóveis da administração central; a informação sobre o património constante da CGE continua inconsistente e permanece afetada por várias deficiências. O relatório da Conta é manifestamente insuficiente para confirmar a contabilização das receitas obtidas e das despesas pagas com operações imobiliárias realizadas por organismos da administração central, as quais estão afetadas por erros e, sobretudo, por falta de validação.
A conta dos fluxos financeiros não desempenha o papel que lhe cabe no controlo das contas do Estado ao não comportar a totalidade dos movimentos dos organismos da administração central. Com efeito, uma parte relevante das disponibilidades financeiras dos organismos da administração central e das empresas públicas continua a ser movimentada fora do Tesouro, não sendo registada na contabilidade da tesouraria. A generalidade dos juros auferidos pelo incumprimento da unidade de tesouraria não foi entregue ao Estado.
O Tribunal formula reservas, em especial: pela não aplicação integral do POCP; pela não apresentação do balanço e demonstração de resultados consolidados da administração central na CGE, relativamente às entidades com POCP; pela omissão de impostos nas receitas do Estado; pela subavaliação da despesa fiscal; pela falta de informação sobre o stock da dívida dos serviços e fundos autónomos; pela falta de inventário do património imobiliário. Formula ainda ênfases, entre outras: por insuficiências da conta dos fluxos financeiros; pelo não cumprimento de princípios orçamentais e do princípio da unidade de tesouraria; pela não contabilização em operações extraorçamentais dos fluxos sem natureza orçamental. Assinala uma limitação de âmbito por a CGE não incluir a receita e a despesa de nove entidades, incluindo o Fundo de Resolução.
Segurança Social:
Os totais da receita e da despesa do sistema de segurança social reduziram-se, respetivamente, em 17,6% e 17,8%, em relação ao ano anterior, primordialmente em resultado da menor rotação dos Ativos Financeiros. Já as receitas e despesas efetivas baixaram apenas 2,8% e 2,6%, respetivamente. Da receita destacam-se como as mais significativas as contribuições e quotizações e as transferências correntes, incorporando estas o valor de € 1.329,1 M, correspondente a uma transferência extraordinária para financiamento do sistema previdencial repartição, e do lado da despesa as relativas a pensões, a desemprego e apoio ao emprego. O saldo de execução orçamental foi de € 436,2 M e o saldo de execução efetiva de € 429,4 M.
A despesa com pensões e complementos paga pelo sistema de segurança social totalizou € 15.954,0 M, mais 0,8% do que em 2013, tendo o respetivo financiamento sido objeto de um reforço de € 952,2 M, por via da transferência extraordinária para financiamento do sistema previdencial repartição. Detetou-se a existência de deficiências de controlo interno relativas à ausência de informação integral e atualizada sobre os dados identificadores dos pensionistas, tendo por consequência o pagamento de pensões, por períodos por vezes alargados, após o falecimento, bem como a ausência de diferenciação entre a função de atribuição e processamento mensal de pensões e a de apuramento de valores indevidamente pagos na sequência de falecimento dos pensionistas, o que é suscetível de permitir a ocorrência de situações de fraude e corrupção.
A despesa com prestações de desemprego paga pelo sistema de segurança social foi de € 2.238,7 M, menos 18,2% do que em 2013. O financiamento destas prestações registou, em 2014, um excedente de € 158,3 M. Detetou-se a existência de limitações na aplicação informática processadora daquelas prestações, com impacto favorável ou desfavorável para os beneficiários, bem como deficiências ao nível do controlo interno, referentes à ausência de procedimentos de rotina com vista a ultrapassar as incorreções ocorridas por força das referidas limitações e, bem assim, à ausência de segregação das funções instrutória e decisória na atribuição das prestações, não prevenindo a ocorrência de situações de fraude e corrupção que podem revelar-se de difícil deteção.
O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social contava, no final de 2014, na composição da respetiva carteira, com 75% de dívida pública nacional, a qual poderá, nos termos da lei, vir a atingir 90% do total. O valor do fundo era então suficiente para cobrir encargos com pensões do sistema previdencial durante um período de 13,9 meses. A rendibilidade média anual do Fundo desde a sua constituição situava-se em 5,17%.
O juízo sobre a Conta da Segurança Social expressa reservas sobre o controlo interno, designadamente no âmbito das pensões e das prestações de desemprego, reservas e ênfases referentes a questões de legalidade e reservas sobre a correção financeira da conta de execução orçamental, o balanço e a demonstração de resultados, o que não permite assegurar que a referida Conta reflete, em todos os aspetos materialmente relevantes, uma imagem verdadeira e apropriada da situação económica, financeira e patrimonial da segurança social.
No Parecer formulam-se 95 recomendações (várias delas recorrentes) à Assembleia da Republica e ao Governo, com vista à correção das deficiências encontradas e à melhoria da fiabilidade e do rigor da CGE.
Foram acolhidas, total ou parcialmente, 65% das recomendações formuladas no Parecer sobre a Conta de 2012, o que se regista positivamente (TC)

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