sexta-feira, fevereiro 26, 2016

Alberto João Jardim ao Jornal I (entrevista na íntegra): “Não votei no PSD nas últimas eleições legislativas”

Alberto João Jardim conversou com o i no Funchal. Fala da nova vida depois de quase 40 anos no poder e arrasa Passos Coelho. Alberto João Jardim está retirado da vida política e não vai ao congresso do PSD, mas defende que o partido devia mudar de liderança. Ao fim de quase 40 anos no poder, Jardim garante que não se arrepende de nada do que disse, nem das muitas obras que fez na região. Durante uma conversa de mais de uma hora, na casa onde agora trabalha, no Funchal, o ex-líder do PSD/Madeira admite que saiu da política de mal com o partido, mas bem com o povo.
  • Continua a participar no Carnaval da Madeira. Fá-lo por provocação ou por prazer?
Vou porque gosto. Não é por obrigação. Só me faltava essa. Quem me conhece desde o tempo de estudante não se surpreende e sabe que eu sou assim.
  • Estudou em Coimbra

Tive três anos em Lisboa para fazer quatro cadeiras. Diverti-me à grande e depois formei-me em Coimbra, mas as últimas cadeiras já foram no regime militar. Fui chamado para a tropa
  • O que  quer dizer com ‘divertia-me à grande’?
Ó homem, divertia-me...
  • Era boémio... 
Eu não faço disso bandeira da minha vida. Eu era muito cábula, mas não era só porque gostava de me divertir. Eu perdia muito tempo a ler. Sabe que eu saí de uma ilha em 1970 da qual só se saía de barco e vinha-se duas vezes por ano à Madeira. Havia 80% de analfabetos. O continente abriu-me novos horizontes e isso fez-me perder muito tempo a ver coisas, a ler coisas. Paralelamente à vida académica tive de perder tempo para fazer a escola da vida.
  • Já tinha ambições políticas?
Sempre gostei de política. Eu, quando fui para a faculdade, era muito à direita e hoje sinto-me mais à esquerda que o PSD. Os meus amigos eram quase todos de esquerda e hoje estão todos à minha direita. Quando me perguntam o que é que eu gostei mais de fazer, eu digo que foi a alteração social e mental que se deu aqui na Madeira. Era uma sociedade feudal, o estatuto de cada um era avaliado conforme a condição social. Era uma sociedade muito hierarquizada com os ingleses a mandar aqui nisto tudo. Eu gostei mais da mudança que aconteceu na sociedade do que qualquer obra que tenha feito. E ainda não está como eu gosto, porque o madeirense ainda continua a ver muitos fantasmas. Existem traumas de séculos. Ainda há muito complexo social e isto vai a pouco e pouco. Mas do que eu gostei mais foi de mudar a cabeça das pessoas. Hoje o homem das zonas rurais veste da mesma maneira que o homem da cidade. Já não vão àquelas tascas sujas, sentam-se nas esplanadas. Isso foi a revolução que eu chamo de revolução tranquila.
  • E governou à esquerda ou à direita?
A regra foi discursar à direita e governar à esquerda. Discursar à direita num meio conservador para ter as pessoas calmas e depois fazer as reformas que tinham que se fazer à esquerda. Se calhar o meu sucesso foi esse. Isso e não mentir. Quando apareciam a pedir uma estrada eu dizia: não faço estrada nenhuma, não tenho dinheiro, vai para o raio que te parta. E depois ia lá inaugurar a estrada.
  • Falou-se muito da possibilidade de se candidatar à Presidência da República. Não avançou porquê?
Isso foi uma ideia de uma série de pessoas amigas. Como sabe fui sempre opositor da Constituição de 1976. Eu sempre defendi que há qualquer coisa aqui de antidemocrático. Isto de o povo não poder referendar a Constituição é antidemocrático. Significa que 10 milhões de pessoas não se podem pronunciar, mas 50 pessoas dos diretórios do PSD e do PS podem substituir-se a 10 milhões de cidadãos. A maneira de ultrapassar isto era avançar com uma proposta para uma nova constituição e isto foi uma oportunidade de apresentar o que é que eu propunha constitucionalmente ao país. Depois disso houve muita gente a dizer-me para avançar e recolhi as assinaturas, mas eu não tinha máquina no continente e quando comecei a desafiar as pessoas para se organizarem o que me disseram foi que não, porque estavam ligadas à função pública ou porque estavam ligadas a um partido...
  • Não teve máquina no continente para o ajudar.
Comecei a perceber que esta gente em Portugal empurra as pessoas para a frente, mas depois quando é para dar o corpo ao manifesto cada um arranja as suas desculpas. Sem ter organização, sem ter dinheiro e depois vendo que o professor Marcelo ia avançar fiz uma declaração a dizer que saía da competição. Não ia fazer as cenas daqueles tipos que vão lá para ter mil ou cinco mil votos.
  • Acabou a vida política?
Nenhum cidadão que esteja vivo e no seu perfeito juízo acaba a sua vida política.
  • Tem algum projeto na cabeça? 
Não tenho nada de especial na cabeça. Acho é que o sistema político português está num impasse. Não é novidade. Já Francisco Sá Carneiro levantava esta questão, mas eu tenho a impressão que sou o último sá-carneirista vivo. Isto não é só em Portugal. Os partidos políticos em toda a Europa querem é ter muitos militantes. Eu vejo as coisas ao contrário e acho que o que é preciso é terem boas propostas que cativem muitos eleitores. O que sucedeu e explica muito a atual crise é o assalto aos partidos políticos. Com a queda do muro de Berlim, o grande capital que domina o Ocidente perdeu a cabeça com a especulação, houve uma desregulação do mundo financeiro. Houve dinheiro para pagar inscrições, houve dinheiro para pagar quotas e uma certa mediocridade começou a tomar conta dos partidos políticos.
  • O PSD não é diferente?
Eu não faço distinções. Os partidos ficaram subordinados aos interesses financeiros e isto explica como é que a Europa se encontra nesta situação, a que eu chamo de bola ao centro. Nem joga para a frente, nem joga para trás. A Europa não dá o passo necessário para a federalização, não dá o passo necessário para uma política social comum, para uma disciplina da banca comum ou para uma política fiscal comum. E tudo isto porque a mediocridade tomou conta dos partidos. Alguém paga para os partidos estarem como estão. Isto vem de encontro à sua pergunta. O que é que eu posso fazer? Eu tenho 73 anos e já trabalhei a vida inteira. O que faço agora é escrever, ando muito pelo mar, faço uma vida de semirreformado, mas tenho a noção de que é preciso que surja qualquer coisa nova em Portugal.
  • Um novo partido político?
Se necessário, mas o que temos visto é que há tentativas de fazer novos partidos e acabam a dizer o que os outros já disseram. Ninguém enfrenta o sistema político, ninguém vai ao fundo da questão e a questão é o sistema político que temos. Não podemos continuar a ter um sistema político que permita que o país gaste mais do que produz. Não podemos ter um sistema político que justifique não trabalhar. Tenho visto muitos casos à minha frente de pessoas que dizem que entre o salário mínimo nacional e o subsídio de desemprego preferem o desemprego porque não têm de se levantar cedo. Isto e a indisciplina e o corporativismo que se apoderou deste país. Não se faz isto porque aquela corporação não quer, isto está mal mas não se pode tocar naquela corporação. Nem o Salazar tinha um regime corporativo destes.
  • Fala também muito das sociedades secretas, principalmente da maçonaria...
Isso é outra coisa. Eu não tenho nada contra a liberdade de associação e de reunião. Não tenho nada contra os ritos, as liturgias que cada um queira fazer. Eu também me mascaro no carnaval e ninguém tem nada a ver com a minha liturgia carnavalesca. O que eu não posso aceitar é que sejam tomadas decisões importantes para a sociedade portuguesa sob forma de secretismos e de solidariedades secretas.
  • Mas tem casos concretos de decisões que tenham sido tomadas pela maçonaria e que influenciem o país?
Toda a gente sabe o que eu estou a dizer. Não estou a dizer mais do que o que está escrito por aí.
  • As pessoas que pertencem à maçonaria não devem estar na política?
A pessoa que está na política não deve ter compromissos às escondidas do povo. Deviam dizer o que é que são. As pessoas deviam saber. Não falo só na maçonaria, há outro tipo de organizações. O ideal é que não houvesse confusão. Quem está na política deve estar ndependente de uma série de coisas. Sabe que a Madeira é um dos pontos do país onde a maçonaria primeiro se instalou? Entrou através da comunidade inglesa que se foi fixando aqui na Madeira e que está a voltar ao poder.
  • Quando é que começou a pensar que estava na altura de deixar a política ou pelo menos a liderança do PSD na Madeira?
Eu comecei a sentir resistência à minha continuidade à frente do PSD desde que o Passos Coelho assumiu a presidência do PSD. Juntamente com esses esforços houve também pressões das sociedades secretas. As sociedades secretas estavam interessadas na minha substituição porque nunca toleraram a denúncia que eu fazia de determinados comportamentos.
  • Passos Coelho disse-lhe alguma vez que era melhor sair?
Não era preciso dizer. A forma colonial como ele tratou a Madeira como se a Madeira não fosse Portugal... Em vez de considerar a Madeira território nacional de forma a ficar envolvida no plano de apoio económico e financeiro que a troika fez para Portugal, ele impôs um plano separado e só para a Madeira.
  • Não lhe perdoa isso.
Eu não lhe perdoo, porque a Madeira no meu entender não deve nada ao Estado português. Este livrinho que está aqui, chamado “O deve e haver das finanças regionais”, demonstra que durante séculos mais de dois terços daquilo que a Madeira produziu foi levado para o Estado português. Por isso eu dou uma gargalhada na cara das pessoas que dizem que nós é que devemos dinheiro ao continente. O continente viveu à nossa custa durante séculos. Pode pôr que eu disse isto.
  • Mas isso justifica que a Madeira se tenha endividado da forma como o fez?
Quando se dá o 25 de Abril a Madeira era a região mais pobre e atrasada do país. Pior ainda que o Alentejo e os Açores. O esforço que nós fizemos para alterar isso em poucos anos implicou o recurso à banca. Dou-lhe um exemplo: se a União Europeia me dá 70% para fazer uma escola, eu tenho de ir buscar os outros 30% à banca para não perder o dinheiro que é de graça. Seria um crime a Madeira perder esse dinheiro com o atraso em que estava. Isto para dizer que essa dívida pública foi feita porque esta região estava muito atrasada.
  • Mas também fez muitas obras que eram desnecessárias e houve um exagero na política do betão...
Isso é mentira. Pode dizer que eu disse que é mentira. As obras públicas que foram feitas eram necessárias e não se esqueça que estamos numa região de turismo.
  • Todas?
Houve alguma que está bem... Houve uma que me falhou. O mar deu cabo daquilo. Foi a marina para a zona da Ponta do Sol [a Marina do Lugar de Baixo foi uma obra que custou mais de 100 milhões de contos e nunca funcionou]. Mas fazer um campo de golfe em Porto Santo pode não ser rentável, mas é a única maneira de ter turismo no Porto Santo e ter emprego numa região onde dois terços da população trabalhava para a Função Pública.
  • E esse modelo é sustentável?
O erro hoje em Portugal é ter aceite o orçamentalismo que os poderes financeiros fazem os governos mais poderosos impor aos países mais fracos. Existe uma clara falta de solidariedade na União Europeia e os países do sul põem-se de cócoras ou se calhar não têm alternativa. E apostam no não investimento e temos a crise que temos e o desemprego que temos. Nós precisamos de ter, não só investimento privado, como investimento público. Também não pode ser como este governo está a fazer com o aumento do consumo. Vai haver mais moeda em circulação, mas essa maior quantidade de moeda em circulação não vai criar mais emprego. Vai criar mais consumo e vai servir os países aos quais nós vamos comprar e aumentam as importações. Enquanto Portugal, que é um país periférico, pobre e pequeno, não voltar a um esforço de investimento público bem pode vir a direita e a esquerda que não saímos desta crise.
  • Como é que viu esta solução de um governo PS com o apoio dos comunistas e do Bloco de Esquerda?
Esta solução governativa é perfeitamente legítima. Esta solução saiu de uma maioria parlamentar e é muito difícil dizer que o governo é ilegítimo. Esta solução aparece porque o governo do senhor Passos Coelho não teve sensibilidade social e causou repúdio nas pessoas. A culpa de hoje haver um governo socialista minoritário com o apoio dos partidos radicais de esquerda é da governação do senhor Passos Coelho. Eles não querem ver isso e vão recandidatar outra vez o senhor Passos Coelho, mas vão levar outro banho porque ninguém lhe vai dar uma maioria absoluta.
  • Foi o PSD que empurrou António Costa para esta solução?
O PSD cometeu um erro logo a seguir às eleições, porque pôs-se a fazer um acordo de governo com o CDS sem ter maioria parlamentar. Foi o mesmo que dizer: agora ponham-nos na rua.
  • E neste momento acha que o melhor seria Passos Coelho ser substituído na liderança do PSD?
O PSD não tem hipóteses no futuro com o Passos Coelho. Nem com o Passos Coelho, nem com a sua corte.
  • Qual seria a melhor solução para o partido?
A solução não sou eu daqui da ilha que vou descobrir.
  • Mas tem uma opinião...
A minha opinião é que essa solução tem de ser encontrada dentro do PSD. Repare que hoje em Portugal as elites estão conscientes daquilo que eu há pouco falava, que é a mediocrização dos partidos políticos. Isto desmotiva as pessoas. Os partidos inscrevem gente que serve para ir aos congressos bater palmas e fazer aquelas cenas do costume. E essa gente tem sempre maioria mesmo que meia dúzia de pessoas bem-intencionadas queiram ir lá... Por isso é que eu lhe digo que se calhar isto vai acabar com um novo partido.
  • Chegou a pensar em fazê-lo. Já desistiu?
Você acha que eu com 73 anos ia-me meter numa coisa dessas?
  • Tem pena de não ter tido um papel mais relevante na política a nível nacional?
Eu fui vice-presidente da Comissão Política do Marcelo. Gostei muito de trabalhar com ele. Fui presidente da mesa do congresso...
  • Mas nunca fez carreira política no continente.
Não. Aquilo não me motivava e também porque sempre encontrei muitos obstáculos. O PSD comigo era mais ou menos assim: ‘vai-nos dando vitórias na Madeira, mas não venhas para aqui chatear’.
  • O seu estilo de fazer política era incompatível com a forma como se faz política no continente?
Não sou um político da situação. Nunca escondi isso a ninguém. Mas quando eu fui para o PSD/Madeira também não era compatível, muita gente ficou com os cabelos em pé. As pessoas têm de ter um feitio não convencional para fazer as coisas mudar. Para fazer as coisas mexer.
  • Também nunca quis ser deputado apesar de ter tido essa oportunidade.
Eu fui sempre eleito para a Assembleia da República e costumo dizer na brincadeira que o Salazar ainda lá foi três dias, mas eu nunca pus lá os pés.
  • Porquê?
Não tenho nada a ver com aquela classe política, não tenho nada a ver com aquela gente. Você não gosta de escolher as pessoas com quem convive? Eu também gosto.
  • Não queria conviver com os políticos do continente?
São pessoas que, salvo algumas exceções, e há pessoas de quem sou amigo, não me motivam. Muito deles já nem os conheço.
  • Quem são os seus amigos? Há alguém que gostasse de ver a liderar o PSD?
Não falo em nomes porque isto é um país de novelas chinesas e eu não quero cá novelas chinesas
  • Fala-se em Rui Rio...
Se é para ser mais um orçamentalista vale mais ficar em casa.
  • Custou-lhe deixar a política?
Nada. Não me custou porque isto foi programado. Quando tive o enfarte, há cinco anos, percebi que a minha vida pública não podia ter a mesma intensidade. Foi-me recomendado, por exemplo, não fazer viagens intercontinentais. Os médicos recomendaram-me não fazer mais de quatro horas de voo. O meu limite é Moscovo. E vi que tinha de desacelerar. De maneira que escolhi o momento certo. Poucos políticos gozam desse benefício de sair no momento que escolhem. Tentaram pôr-me um pouco mais cedo de fora, mas falharam.
  • Quando?
Foi em 2012. Depois de eu ter conseguido mais uma maioria absoluta houve uma movimentação para que eu fosse afastado, mas eu ainda ganhei as eleições.
  • Mas foi perdendo força nas eleições regionais e dentro do PSD.
Sabe porquê? Eu não fazia ideia da quantidade de gente que estava inscrita no partido. Eu ia ao partido uma vez por mês para fazer formalmente a reunião da Comissão Política. Nunca fui um homem de partido. Muita gente do PSD embirra comigo, porque o partido para mim não era um objetivo, era um instrumento. E havia malta que não gostava. E repare que o PSD tinha dez mil e tal filiados e arranjar tacho para dez mil e tal gajos não é fácil. Muitas vezes convidava as pessoas para virem trabalhar comigo e só depois é que eles por vontade própria aderiam ao partido, faziam ao contrário. Eles ficavam fulos porque  ia buscar gente fora do partido. Isso foi alimentando certos rancores contra mim e quando eu saí eu tinha maior hostilidade dentro do meu partido do que no homem na rua. Eu saí bem com o povo e mal com o partido. Onde eu sinto ainda uma pedra no sapato é nos gajos do meu partido.
  • Isso preocupou-o?
Não me deixa nada preocupado. Simplesmente eu pergunto-me: como é que tu deixaste que o PSD da Madeira chegasse a um ponto em que te identificavas mais com as pessoas de fora do partido do que com as que estavam lá dentro? É um fenómeno que um dia tenho que estudar bem.
  • Havia gente no PSD que estava na política por interesses?
Isso é verdade. E a certa altura perceberam que o PSD não era derrotável do exterior e que isto só rebentava por dentro. Nessa altura os interesses económicos, as tais sociedades secretas, provocaram uma fratura dentro do PSD/Madeira. Uma fratura que me preocupa porque a atual direção partidária ainda não foi capaz de refazer a unidade do partido aqui na Madeira. As pessoas estão magoadas. Nas últimas autárquicas o grupo que fraturou o PSD apoiou os partidos da oposição. Isso dá expulsão em qualquer partido do mundo democrático. Alguns foram mesmo expulsos na altura e estão agora a ser recebidos no partido como heróis. Tipos que traíram são considerados heróis porque traíram o Alberto João.
  • Sentiu-se traído?
Já esperava. A minha mulher e os meus filhos passavam a vida a dizer-me: você ai ver o que lhe vão fazer quando chegar a hora. Sucedeu tudo como estávamos à espera. Havia tipos que eu já sabia o que eram, mas outros estranhei. De facto estranhei. Eu tive dez mandatos, mas também não foi só por mérito próprio. Foi por demérito da oposição. Eu agora estou a escrever um livro sobre o que foi a história da Madeira nestes 40 anos, mas não é um livro de memórias com discursos e coisas chatas, é uma coisa a contar histórias. E ando a ver nos meus arquivos o que era de facto esta oposição. Qualquer nabo ganhava as eleições aqui na Madeira. Só faltou estenderem o tapete para eu ir passando.
  • Não era fácil ser oposição aqui na Madeira. O próprio sistema motivava a que a oposição fosse frágil
Enquanto eu estive no governo você tinha imprensa que era contra mim e imprensa que era a meu favor. Se vir neste momento toda a imprensa está a servir o poder regional. Não sai nada contra. A situação é pior do que no meu tempo.
  • Mas agora não se fala no défice democrático.
O défice democrático foi uma tontice que o Guterres arranjou para se afirmar lá no partido dele. Até este senhor que é líder do PC [Jerónimo de Sousa] , ainda há dias dei com isso nos jornais antigos, veio à Madeira e disse ‘não há défice democrático’, só para contrariar o Guterres. Não havia nem mais nem menos do que em qualquer outra região do país.
  • Revê-se neste PSD a nível nacional?
Eu revejo-me no projeto do PSD, revejo-me no programa do PSD na interpretação que lhe dava Francisco Sá Carneiro. Não me revejo neste PSD com esta direção e a com esta orientação que tem.
  • Vai ao congresso em Abril?
Os estatutos preveem que os ex-presidentes dos governos regionais têm direito a ser convocados, mas eles não me mandam a convocatória
  • Ainda podem convidá-lo...
Por acaso não posso porque tenho coisas marcadas. Nem ia lá. Não vou a um espetáculo montado para a entronização do Passos Coelho.
  • Já está tudo previsto?
Claro. Você está a gozar comigo?
  • Votou sempre no PSD?
Votei sempre no PSD menos nas últimas eleições legislativas, mas não votei noutro partido. Primeiro, porque era contra a continuidade do senhor Passos Coelho como primeiro-ministro e em segundo lugar porque na lista do Funchal estavam pessoas que não me pareciam idóneas. Mas nunca votei noutro partido e a única vez que não votei no PSD foi desta última vez e bem me custou. Olhe que custou-me ter ajudado à fundação do partido e ao fim de 40 e tal anos custou-me. Magoou cá dentro.
  • Enquanto lá estiver Passos Coelho não vota no PSD?
Depende também das alternativas. Se aparecer uma alternativa ainda mais desastrosa que o Passos Coelho eu tenho que votar nele por patriotismo.
  • Já viu os vídeos no You Tube com as suas melhores frases?
Acho piada a isso. Cada um é como é e nós temos que saber ser como somos.
  • Não acha que foi excessivo em alguns momentos? Não se arrepende de nada?
Não, não. Eu sou assim. Não me arrependo.
  • Tem agora um julgamento em Tribunal por difamação.
Não durmo por causa disso. O processo em tribunal é porque eu digo que lhe caíam os dentes de raiva [o processo está relacionado com dois artigos que Alberto João Jardim publicou no Jornal da Madeira em 1994 em que criticava o militante socialista António Loja e lhe chamava “ordinarote”]. Houve um ilustríssimo magistrado que achou isto uma injúria e mais não sei quê. O que há aqui é uma intenção de me fazer ir a tribunal e politizar o processo.
  • Também não gostou do que o Daniel Oliveira escreveu sobre si e foi para tribunal.
Não gostei pelo conteúdo, mas sobretudo por causa da arrogância dele. Houve gente que me chamou coisas piores e não liguei, mas a arrogância dele obrigou-me a fazer isso. Ele recorreu. A gente vai recorrendo e ganhando e perdendo. Isto é uma alegria.
  • Sabe quanta inaugurações fez aqui na Madeira?
Fiz 4.879. Dá uma inauguração em cada dois dias e meio. Está aí o trabalho. Quando eu inauguro é sinal de que estou a fazer alguma coisa de novo ou estou a transformar alguma coisa. Eu não estou no poder para gerir. Hoje os países estão parados e faz-se gestão das finanças públicas. Não se investe, nem se criam postos de trabalho. Depois estão admirados. Ai o desemprego, ai coitadinhos formam-se e não têm onde trabalhar. As mesmas pessoas que dizem ‘ai coitadinhos’ batem palmas a esta política do politicamente correto imposta pelo grande capital europeu.
  • Como é que um país pequeno como Portugal dá a volta a isso?
Portugal tem que desafiar a Europa e tem que ter lóbis. Sabe que eu uma vez perguntei ao Passos Coelho porque é que ele não se metia no avião, ia falar com os países do sul a fazia-se um lóbi. Isto na União Europeia ou se tem força ou não se tem força. Olhe os ingleses.
  • O que é que lhe disse Passos Coelho?
A resposta que eu ouvi é que era desprestigiante para Portugal juntar-se aos países do sul. Acha prestigiante andar ali debaixo das saias da Merkel.
  • O António Costa está a tentar resistir?
Nós fomos colegas no Comité das Regiões, em Bruxelas. Como pessoa eu tinha uma relação com ele melhor do que tinha com o Passos Coelho. O António Costa é mais humanizado do que o Passos Coelho. O Passos Coelho é mais frio, mais duro e mais insensível socialmente. Mas tenho muito receio destas alianças.
  • Tem medo da esquerda?
Só em Portugal é que existem partidos totalitários com aquela dimensão. Vamos deixar de ser politicamente corretos. Há dois campos: o da democracia e o do totalitarismo. Aqueles dois partidos estão na área do totalitarismo, não têm nada a ver com a democracia. Voltou-se ao tempo do gonçalvismo em que a democracia está permeável aos partidos de extrema-esquerda. Eu disse-lhe há pouco que a alternativa formou-se devido às políticas do senhor Passos Coelho e não estou a pôr em causa a alternativa. Foi como que uma punição para Passos Coelho. E ainda não vi coisas que me façam fugir do país, mas tenho sempre receio de ver um partido que é minoritário na mão de organizações comunistas. O Bloco de Esquerda é uma organização comunista também, embora o politicamente correto em Portugal diga que só o PCP é que é comunista.
  • Mas é diferente do PCP.
O Bloco de Esquerda é um grupo de meninos burgueses. Seriam os primeiros a fugir de um regime comunista.
  • Julga que o governo PS com o apoio do PCP e do Bloco pode durar?
Se aquilo rebentar é por causa do Bloco de Esquerda. São meios avariados. O PCP neste momento a única arma que pode esgrimir é ter conseguido pôr na rua o governo de direita e para isso vão ter que engolir todos os elefantes brancos. O Bloco de Esquerda vai depender da maneira como eles acordarem de manhã. Aquilo é um conjunto de personagens em que todos querem ser importantes e quando o vedetismo lhes der para estragar o governo vão estragar.
  • Não gosta deste orçamento?
Não, porque é um orçamento que não vai inverter as coisas. A opção foi consumo e não investimento e vamos continuar a ter uma forte onda de desemprego. 
  • Mas também não concordou com os cortes aplicados pelo governo do PSD com o CDS?
Não concordo. Acho que é preciso primeiro os países da Europa serem solidários. Os países do sul endividaram-se porque os bancos dos países do Norte foram facilitando o crédito, porque com esse crédito nós estávamos-lhes a comprar bastantes coisas e os tipos faziam uma rica vida. E quando foi a altura de corrigir isto não houve solidariedade com os países do sul. O que nos disseram é para pagar o que devemos e acabou. Não pode ser assim. Apesar de tudo, o Banco Central Europeu tem trabalhado bem e tem de ter a coragem de mesmo à custa de inflação na Europa, controlada obviamente, não é uma inflação de 15% nem de 10%, pôr mais moeda em circulação, mas apontada ao investimento. E não com estas medidas restritivas. O orçamento português tem as medidas restritivas do senhor Passos Coelho com uma ligeira alteração nos destinatários. Dá mais dinheiro para o consumo mas não resolve o problema do investimento, nem do emprego. A intelectualidade portuguesa acha que não é politicamente correto falar contra a Constituição mas ao mesmo tempo fala em renovar o Estado. É um logro. É uma vigarice que estão a lançar aos portugueses. Não há reforma do Estado sem alteração constitucional. Não é possível, é tudo idiotice.
  • Os partidos estarão disponíveis?
Se aparecerem novos políticos nos partidos com coragem ou se houver pessoas em Portugal que tenham a coragem de lançar novos partidos. Isso sucedeu em França. Nos momentos de crise apareceram novos partidos. O De Gaulle fez isso. Em toda a parte do mundo se dá saltos em frente. Estou convencido que o Ciudadanos, em Espanha, será um partido do futuro.
  • Em Portugal isso não aconteceu.
O sistema está mais fechado. A comunicação social está ligada aos grupos financeiros que, por sua vez, querem o sistema como está. Não sei se isto pode sair.
  • Foi jornalista, mas sempre teve uma relação difícil com a comunicação social.
Foi uma relação de amor-ódio. Comigo existe um caso curioso. Tive sempre muita hostilidade no campo da comunicação social. Não sei como é que as pessoas julgam um tipo que esteve na comunicação social e depois foi trabalhar na política. Isto em relação à Madeira. No Continente, compreendo o que se passa. Se andam a dizer há 10 anos que o Jardim é uma besta é natural que um jovem que entra para a comunicação social siga isto.
  • Como é o seu dia-a-dia desde que deixou o governo?
Deito-me tarde. Uma hora ou uma hora e meia da manhã. Estou sempre a fazer qualquer coisa. Mudo os quadros todos, mudo os livros todos, mudo a casa toda se for preciso. Levanto-me nas calmas, leio o “Jornal da Madeira”, não leio o jornal dos ingleses  [o “Diário de Notícias” da Madeira]. Tomo o pequeno-almoço e ando todos os dias uma hora a pé.
  • Vai falando com as pessoas que encontra na rua?
Vou falando, mas sempre a andar. Depois almoço com os meus filhos e genros. Toda a gente almoça na minha casa. O clã reúne ao almoço e ao jantar cada um vai para a sua casa. À noite ou vou jantar com alguém ou vou para casa e faço um chá e uma torrada para manter isto equilibrado.
  • Tem netos.
Tenho quatro. Tenho um que joga no Nacional. Eu digo-lhe: joga sempre ao ataque. E gosto de andar na rua. Dizem-me que estou mais magro e mais novo. Eu digo-lhes: olhe a minha mulher não diz isso e elas fartam-se de rir. E é engraçado que pessoas que antes, quando eu era presidente do governo, me tratavam com alguma cerimónia agora aproximam-se e falam mais à vontade (entrevista conduzida pelo jornalista do Jornal I,  Luís Claro)

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