segunda-feira, fevereiro 29, 2016

RTP-Madeira: João Soares vem à RAM tentar resolver os problemas. Com privados?!

Por ocasião da sua recente passagem pela Comissão do Orçamento e Finanças da Assembleia da República, no quadro da discussão na especialidade da proposta de Orçamento de Estado para 2016, o novo ministro da cultura - de quem depende a tutela da RTP - João Soares revelou que tem o processo da RTP, do seu futuro e do futuro de vários dos seus serviços, em cima da sua mesa de trabalho, atribuindo-lhe particular prioridade. O mesmo acontece, disse na altura, com o futuro da agência de notícias Lusa e com a clarificação do contrato de prestação de serviços a ser assinado com o estado.
Tendo assistido a parte dessa passagem de João Soares pela Comissão, onde foi interpelado pelos deputados, tomei nota, no que à RTP-Madeira diz respeito, do seguinte:
  • o novo ministro da cultura já reuniu, num contacto preliminar com os responsáveis nos governos regionais da Madeira e dos Açores pela comunicação social;
  • confirmação de que está a ser realizado um investimento em infraestruturas nos Açores, já que era urgente essa intervenção;
  • reconhecimento de que a RTP-Madeira possui boas instalações, que João Soares disse conhecer, precisando apenas de investimento ao nível de equipamentos;
  • - referência feita ao núcleo museológico da RTP-Madeira que o ministro da cultura recomendou fosse visitado pelas pessoas, o que não deixa de ser curioso este pormenor;
  • compromisso prometido de articulação a prazo de contactos com as diferentes partes interessadas, tendo em vista a adopção de soluções, para a Madeira e os Açores, que podem não ser comuns, envolvendo se possível parceiros privados que queiram envolver-se neste projecto e definindo o papel dos governos regionais no contexto do funcionamento dos centros regionais de emissão;
  • aposta na melhoria das resposta da RTP nas duas regiões autónomas indo ao encontro das propostas dos governos regionais, mas sem clarificar se o Estado vai exigir um maior envolvimento financeiro de ambos os executivos insulares nos respectivos centros emissores;
  • anuncio de uma deslocação ao Funchal e a Ponta Delgada, para continuar os contactos com as autoridades regionais, visitar as instalações da RTP em cada região e procurar identificar as prioridades e as necessidades mais prementes de cada centro emissor.
Basicamente foram estas as notas que registei das declarações de João Soares.
O problema da RTP, e vou centrar-me apenas no caso da Madeira, tem a ver, é certo, com a modernização ao nível dos equipamentos, mas também e sobretudo com a tomada de decisões de fundo no quadro da produção regional. Ou seja, tem a RTP-Madeira os recursos financeiros suficientes para que essa produção sofra um salto qualitativo e quantitativo que lhe permita novos níveis de audiência?
Até que ponto a RTP-Madeira tem condições, neste momento, para entrar em concorrência directa com serviços de informação nacionais de outras televisões, com programas de entretenimento e telenovelas difundidas pelas televisões nacionais que ocupam manhãs e tardes sem grandes dificuldades, negando provavelmente aos centros regionais espaço próprio para se afirmarem como alternativas?
Tem a RTP-Madeira, em termos de quadros de pessoal, os recursos humanos adequados a esse salto qualitativo?
Que tipo de relação existirá, definida por quem, entre os governos regionais e os centros regionais da RTP, enquanto extensões de uma empresa pública, já que as competências em termos de conteúdos não cabem nos atributos das Regiões Autónomas?
  • Como se processará o alegado envolvimento potencial de privados nos projectos televisivos, se retirando espaço de manobra aos governos insulares, se viabilizando a criação de empresas regionais específicas para este fim, etc?
  • Vai o estado investir nos centros regionais da Madeira e dos Açores da RTP ou pretende fazê-lo apenas parcialmente na expectativa de envolvimento de privados ou obrigando os governos regionais a terem também uma quota parte na distribuição da responsabilidade financeira necessária?
  • Continuará o estado disposto a assumir em exclusivo as responsabilidades pelos encargos financeiros imputados ao funcionamento dos centros regionais da RTP na Madeira e nos Açores?
  • Quais as potencialidades e limitações dos mercados publicitários na Madeira e nos Açores que numa economia de escala são obviamente um obstáculo à sua estabilização?
Lembro que em 2011 o então Presidente da RTP, Guilherme Costa afirmou que a RTP Açores e a RTP Madeira "têm custos excessivos e podem trabalhar com menos meios". Segundo ele, os custos de ambas as televisões regionais desceram "significativamente" em 2010 e também vão descer em 2012 em valores superiores a um milhão de euros por cada estação.
Um ano depois, em Setembro de 2012, o mesmo Guilherme Costa afirmou aos deputados, numa audição, que no final do primeiro semestre de 2012 "os custos directos da RTP Açores e RTP Madeira ascendiam a 15 milhões de euros". Já em 2014 ficamos a saber que a RTP na Madeira e nos  Açores tinham um total de 247 trabalhadores, tendo o anterior governo de Passos Coelho e do CDS de Portas informado os dois governos insulares que seria despedido - cenário que foi rejeitado - um número importante de trabalhadores. Em 2013 foi revelado que os encargos com pessoal atingiram 4,4 milhões, quase metade dos custos directos (8,5 milhões) da RTP-Madeira enquanto que nos Açores, os 134 trabalhadores dispersos pelas três delegações custam 5,2 milhões, mais de metade do orçamento de 9,7 milhões. E mais. A RTP recebia então uma indemnização compensatória de 6 milhões pela Madeira e 6,9 milhões pelos Açores, além da contribuição audiovisual de, respectivamente, 2,2 e 2,5 milhões de euros.
OE-2016
Sabe-se que a proposta de Orçamento de Estado para 2016 tem prevista uma verba de 234 milhões de euros de despesa com a RTP para uma receita calculada em 244 milhões de euros de receita. A verdade é que estes números não batem certo com os que foram previstos pela própria empresa pública nos seus documentos oficiais já que o contrato de concessão prevê 222 milhões de euros e o plano de actividades e orçamento aponta para 216 milhões. Nas despesas, enquanto o orçamento de estado reserva 234 milhões de euros para a RTP o contrato de concessão prevê um total de gastos de 215 milhões de euros e o PAO da empresa fica-se pelos 208 milhões. O orçamento prevê também que a RTP receba este ano 180,2 milhões de euros provenientes da contribuição para o audiovisual, valor inscrito no orçamento do Ministério da Cultura devido a uma oportuna recomendação do Tribunal de Contas. A RTP deixou de receber indemnização compensatória do Estado no final e 2013, passando a ser financiada exclusivamente pela CAV e pelas receitas comerciais que consegue angariar – e cuja fatia maior é a da publicidade.
Em meu entender,o que se passa com a RTP, nomeadamente as hesitações, os avanços e recuos, as indefinições quase constantes, é apenas uma consequência de uma ausência de decisões por parte do poder político relativamente ao órgão de informação estatal. O governo anterior, é mais do que sabido, estava dividido. Portas recusava qualquer cenário de privatização ou de perda de uma posição maioritária do estado, enquanto que Passos e o PSD tudo fizeram – incluindo uma fortíssima campanha de manipulação (intoxicação) nos meios de comunicação social - para que a RTP fosse privatizada e entregue a grupos económicos, porventura com ligações à área ideológica do PSD e ao espaço social onde eventualmente terão tido lugar negociatas.
Nesta disputa entre PSD e CDS e a constatação de que a crise financeira e orçamental acabou por penalizar a RTP, perdeu a empresa pública que acabou por ser empurrada para uma espiral de degradação que parece ter atingido, no caso da Madeira, de uma forma mais agreste, a RDP - componente radiofónica do grupo, que atravessou períodos de profunda carência de meios financeiros e de recursos humanos necessários à manutenção da estabilidade numa programação que precisa de ir ao encontro das pessoas e possa entrar directamente em confronto concorrencial com as estações televisivas privadas nacionais.
Um dos problemas que hoje são referenciados tem a ver com a ausência de indicadores claros que mostrem a dimensão dos shares de audiência da RTP na Madeira e nos Açores e identifiquem quais os picos em que as demais estações de dimensão nacional exercem maior pressão sobre os dois centros regionais. Os responsáveis regionais acham, até para que seja definida uma estratégia comercial, que essa medição devia ser feita regularmente, durante pelo menos três a seis meses, para que seja propiciado um retrato o mais fiel possível sobre as mais-valias e menos-valias da RTP na Madeira e nos Açores, dos picos de audiência, dos programas com maior procura por parte dos telespectadores, etc. Idêntica iniciativa, segundo nos foi confidenciado, seria desejável no que diz respeito às emissões regionais nos canais nacionais – particularmente da RTP da Madeira – para que a empresa e o Centro Regional tenha uma ideia concreta do que se passa em termos de níveis de audiência. Algo que alguns consideram poder ser uma informação estratégica para a RTP-Madeira, apostando cada vez mais nessa emissão e na diversificação da produção emitida e respectiva melhoria.
Nos últimos anos, a RTP da Madeira terá passado de um gasto anual da ordem dos 12 milhões de euros para valores da ordem dos 7 a 8 milhões de euros. A imposição de cortes e de redução de despesas foi mais do que evidente, afectando a produção televisiva, a modernização dos equipamentos e a atenção que deve ser dada às dificuldades existentes em matéria de recursos humanos.
Hoje, com um novo governo socialista - e evitando que qualquer tendência dominadora e controleira da RTP, particularmente da informação e dos seus espaços programáticos mais emblemáticos e com maior audiência, possa condicionar decisões - volta a estar em cima da mesa a necessidade de serem tomadas medidas que permitam a tomada de decisões concretas e pragmáticas. Mas antes disso o estado precisa de definir o seu papel face ao grupo RTP nas ilhas. Penso que tanto nos Açores como na Madeira o problema também se coloca aos governos regionais que precisarão, estimo eu, de clarificar abertamente qual o envolvimento que pretendem ter com os centros regionais, na lógica de que não estando disponíveis para qualquer tipo de encargos financeiros, inevitavelmente correm o risco de perder muita da razão que reclamam particularmente na possibilidade de serem parceiros estratégicos importantes neste processo. Não vejo, muito sinceramente, que a Madeira e os Açores ao se manterem à margem da RTP vejam reconhecida qualquer legitimidade para reclamarem para si um papel decisório que facilmente lhes seria atribuível se acordassem uma qualquer forma de envolvimento mesmo que meramente simbólica, na futura estrutura empresarial. A ver vamos. O que este processo precisa urgentemente é de uma imediata despolitização e, mais do que isso, de uma rápida despartidarização. Usar a RTP como instrumento de arremesso partidário de um partido para outro, com acusações mútuas, algumas provocações ou picardias à mistura de certeza que em nada ajudará a estabilidade da empresa e a sustentabilidade do projecto em causa (LFM)

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