sexta-feira, março 18, 2016

Opinião: Madeira, turismo, promoção, costa norte e realismo

Comecemos pelo princípio, como diz o outro. Eu não sei o que é isso de "política de turismo" diferenciada dentro de uma mesma região, nem sequer sei se o turismo propriamente dito precisa de políticas oficiais assentes na lógica com que alguns a elas se referem. O que existe, de concreto, são destinos turísticos, que não só concorrem entre si, como concorrem internamente entre as diferentes regiões e ofertas. Ou seja, o turismo que na Madeira é praticado na costa sul da Madeira pouco ou nada tem a ver com o turismo mais vocacionado para a costa norte. O que a Madeira precisa de ter presente é que, em termos nacionais, tem que concorrer com a agressividade e potencialidades turísticas de regiões como o Algarve, os  Açores ou mesmo Lisboa cada vez mais procurada e transformada numa "base" para milhares de turistas que escolhem Portugal.

Mais do que políticas de turismo a gosto do freguês, o que me parece importante são programas de acção concreta no terreno, envolvendo todas as entidades directamente ligadas ao sector, uma eficaz promoção do destino,obviamente aglutinado neste esforço os privados e não sacudindo a responsabilidade apenas para o sector público ou para organismos públicos. O incentivo da qualidade só é possível se for reforçada  a fiscalização capaz de apurar o estado actual de todos os serviços prestados e ligados à actividade turística para saber se cumprem ou não as regras, se têm qualidade, o que propiciam aos visitantes,  preços praticados, seriedade e ética no negócio, etc.
O atlas do norte da ilha
Quero saber se existe uma política de transportes terrestres no interior da ilha ligando facilmente e com comodidade a costa norte ao sul, a costa oeste ao leste da Madeira, etc. Quero saber se as três câmaras municipais do norte estariam dispostas a um atlas com todos os serviços turísticos oferecidos aos visitantes, do qual figurassem os hotéis e demais unidades de acolhimento, miradouros, restaurantes, praias, actividades náuticas ou de montanha, alojamento local devidamente classificado e fiscalizado, tascas, programas de festas, ofertas complementares disponibilizadas aos visitantes, custos e duração das ligações por taxi, passeios que podem ser realizados,  informações sobre o clima,  etc.
Quando se fala em "políticas de turismo" falamos basicamente de promoção, de preservação da qualidade dos destinos, nas suas múltiplas vertentes, de estruturas de acolhimento de turistas a preços convidativos e com qualidade, de restaurantes atractivos e acessíveis, de animação, de um envolvimento articulado entre os três municípios da costa norte - que não existe - na realização de uma promoção comum e na execução de iniciativas que não representem uma espécie de disputa entre autarcas ou concelhos. Aliás, e curiosamente, nenhuma das câmaras municipais do norte são dirigidas neste momento pelo PSD. Não poder haver lugar a uma perspectiva de exploração dos visitantes, do vale tudo, não há lugar para a disponibilização de estruturas de acolhimento sem qualidade, sem fiscalização adequada, só porque os proprietários legitimamente resolvem ganhar uns cobres com um imóvel que possuem e que está desocupado mas que nalguns casos poderá não ter qualquer qualidade, nas suas diferentes vertentes, para ser comercializado.
Política de turismo local, não tem apenas a ver com a oferta dos transportes aéreos, com a qualidade do serviço prestado nos hotéis da costa sul, com a capacidade de imaginação e de trabalho das agências de viagens locais e de outros operadores turísticos da RAM que tentam aliciar os visitantes com as suas ofertas (levadas, golfinhos e baleias, actividades radicais na montanha, passeios de barco ao longo da costa sul, etc). Tem que ser olhada como um todo, integrado, articulado, funcional, participado e em, constante melhoria.
Alternativas e não apenas a crítica pela crítica
Não pode haver passividade perante as exigências da concorrência, as exigências da própria procura (turistas) não há lugar a acomodamentos.
Longe vão, de facto, os tempos em que cabia ao poder político, em  nome da tal política de turismo que dava para tudo e que era repetidamente reclamada - desde que não representasse encargos para quem a ela se pendura. Hoje quando se fala no turismo, no sucesso dos destinos turísticos, tudo isso tem a ver, para além da qualidade e da preservação do destino, com a amplitude e capacidade persuasiva das acções de promoção desencadeadas, incluindo a participação em certames nacionais e internacionais do sector, tudo em nome de uma promoção que não pode abdicar de pensar noutras vertentes, nomeadamente a relação custo-qualidade, a distância (transportes) face aos principais mercados europeus geradores de turismo, a qualidade da oferta, o clima, a tranquilidade do destino, o acolhimento propiciado aos visitantes, etc.
Parece-me contudo que, por muitas que sejam as razões de queixa - e não vou tentar perceber a razão dessas queixas - não se pode cair no exagero.
Disse um jovem deputado do PSD, natural de São Vicente, que o esquecimento a que foi votada a costa Norte da Madeira nestes anos todos se ficou a dever à "falta de promoção de governos anteriores que não mostraram interesse em tentar perceber as dificuldades da costa Norte".
A reboque desta lógica acusou os  responsáveis políticos do sector de favorecerem os grandes empresários do Funchal, ficando contudo a dúvida sobre o que é que os empresários do norte ligados a este sector ou a actividades similares, pretendem de facto. Depois de afirmar que "a costa Norte serve apenas para tirar umas fotografias e colocar em planos estratégicos para promoção pessoal" - não percebi esta ultima referência nem o(s) destinatário(s) - Guido Gonçalves lembrou que todos os eventos de promoção turística estão centralizados no Funchal, esquecendo o resto da Região. E exemplificou:
- o Carnaval é uma semana de folia entre a Praça do Povo e a Avenida Arriaga;
- a Festa da Flor são quinze dias de animação na Placa Central.
Até o rali Vinho Madeira e as festas do Fim de Ano tiveram avaliação crítica o mesmo acontecendo com a Festa do Vinho: "Prende-se o turista ao Funchal, vamos ao campo buscar os lagares, colocamos umas uvas de plástico para inglês ver e ficamos a vindimar na Placa Central".
O problema é que nesta intervenção faltaram as propostas concretas, por exemplo,  saber como é que o deputado em causa pretende que tudo seja feito, se entende que o rally vinho Madeira se realize apenas no eixo Porto Moniz-Santana, como é que se leva milhares de pessoas para um fim-do-ano em São Vicente, e que garantias concretas, factuais, não emotivas, podem ser dadas de que as festas do Vinho e da Flor realizadas fora do Funchal teriam possibilidade de se transformar nos cartazes promocionais que hoje são, etc.
Recomendo vivamente, independentemente das razões de queixa que o referido deputado possa ter ou queira dar eco, que pragmaticamente não se entre pelo populismo facilitista da crítica pela crítica, tentando inverter as coisas, sem apresentar alternativas.
Já agora, para inflamar a teoria do deputado social-democrata, perguntarei: e o Porto Santo? Esqueceu-se de incluir na sua intervenção a Ilha Dourada apesar de não integrar a denominada "costa norte"? Por acaso o Porto Santo não tem legitimidade também para reclamar iniciativas numa altura em que os hotéis praticamente fecham todos durante 3 ou 4 meses, ao contrário do que acontece na costa norte, mesmo com todas estas razões de queixa e com as tontices feitas, na óptica do deputado, pelos governos regionais anteriores?
Finalmente duas notas: não existem deputados da costa norte, da costa sul, do concelho A, B ou C, da Madeira ou do Porto Santo. Existem deputados regionais, de toda a Região, eleitos num círculo único. Uma lógica que por vezes é esquecida.
Em segundo lugar, e fazendo São Vicente parte da minha infância, quero esclarecer que percebo muito bem as críticas do deputado social-democrata, reconheço, digam o que disserem, que o norte foi sempre uma espécie de parente pobre, o que se refestele no facto de ter hoje cerca de 10% da população da Madeira. Sei que há uma crise no norte que tem afectado vários estabelecimentos, alguns deles emblemáticos que fecharam portas, outros que passem por dificuldades. Sei que é preciso fazer alguma cosia para que a situação não se agrave e socialmente os problemas se agravem.
Desafio
O desafio que deixo a Guido Gonçalves e aos autarcas do Norte é que tratem rapidamente de reunir-se uma primeira vez para abordarem com frontalidade e pragmatismo a realidade turística no norte da Madeira. Não podemos andar ao sabor de discursos e de políticos, uns dizendo hoje uma cosia, outros dizendo amanhã outra, mas cada um a puxar pelo seu concelho em detrimento de uma perspectiva global, de toda a costa norte. Temos que envolver as populações, termos que cativar os jovens, fazendo-os investir na costa norte, criando mecanismos e/ou programas de apoio ao investimento. Sem isso nada feito. (LFM)

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