A crise económica e a austeridade orçamental são
decisivas para a falta de popularidade de Cavaco. As suas clivagens com a
esquerda e algumas declarações infelizes fizeram o resto. Se fosse rei, Cavaco Silva ficaria para a História com
o cognome de "o impopular"? É possível, mas como aconteceu com muitos
monarcas, também este poderia ser injusto. Não se pode provar que o
ex-primeiro-ministro foi mais impopular que Mário Soares ou que Ramalho Eanes
porque não existem dados comparáveis, apenas a memória e essa engana muito. O
que se pode dizer, segundo Pedro Magalhães, é que foi muito menos popular do
que o seu antecessor, Jorge Sampaio. E que a sua popularidade caiu a pique no
seu mandato.
Independentemente das sondagens que se usem, todas
apontam para uma quebra significativa da popularidade de Cavaco Silva, diz o
investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS). No caso da Aximage, cujos
resultados são divulgados pelo Negócios e pelo Correio da Manhã, a evolução é
muito clara. De uma nota de 16 (entre zero e 20) registada no início do seu
primeiro mandato, Cavaco termina o segundo mandato com uma nota inferior a
sete. Durante quase três anos consegue manter um nível de
aprovação bastante elevado. Em Agosto de 2009, rebenta o escândalo das escutas
em Belém. O jornal Público noticia, com base numa fonte anónima da Casa Civil,
que a Presidência da República teme estar a ser vigiada e sob escuta. Um mês
depois, o DN avança que a fonte era o assessor do Presidente, Fernando Lima,
que acaba por ser afastado do cargo.
Apesar do desgaste provocado por toda esta polémica,
Cavaco Silva consegue recuperar. Mas é sol de pouca dura. No início do ano
seguinte, nova quebra na popularidade. Não é possível atribuir uma causa, mas a
descida coincide com o discurso de tomada de posse do segundo mandato, que
causou mal-estar e de que ainda hoje se fala. "Foi um discurso revanchista
e polarizador", descreve António Costa Pinto, professor do ICS, e que
contribuiu para afastar ainda mais o eleitorado de centro-esquerda. Cavaco fora
duramente atacado durante a campanha eleitoral (designadamente com o caso BPN)
e nesse discurso em vez de vestir a pele de presidente de todos os portugueses
optou por acertar contas, visando directamente o Governo e o PS e apelando a um
"sobressalto cívico", três dias antes da manifestação que ficou
conhecida com a da geração à rasca.
Pouco tempo depois, Sócrates cai. Cavaco ainda está de
pé, mas muito longe já dos níveis de aprovação iniciais. Segue-se o programa de
assistência e Portugal fica sujeito a três anos de austeridade deixando a
economia em profunda recessão. E se até ao final do ano, o então presidente
consegue evitar novas quebra, o desaire chega no início de 2012. As famosas
declarações sobre as suas pensões, que "quase de certeza que não vão dar
para pagar as suas despesas" dão um golpe na sua popularidade, que nunca
mais consegue recuperar.
Cavaco: o Presidente da austeridade
Porém, não terão sido as suas declarações que mais
contribuíram para a baixa avaliação que merece dos portugueses, defendem tanto
António Costa Pinto como Pedro Magalhães, do ICS. "É quase inevitável que
o Presidente da República acompanhasse a taxa de popularidades do Governo e do
primeiro-ministro tendo em vista os quatro anos de austeridade", diz Costa
Pinto. "O Presidente nunca está imune a aspectos que afectam todas as
instituições públicas e cargos políticos", em particular quando esse
aspecto se chama economia, frisa Magalhães. "O Presidente, devido à função
não executiva, deixa sempre uma opinião que deriva do ar do tempo. São
associados simbolicamente ao tempo que se vive nos seus mandatos e avaliados
por coisas que não controlam. E a isso se deve agora a falta de popularidade de
Cavaco", acrescenta Jorge Fernandes, investigador na universidade de
Bamberg, na Alemanha.
Por outro lado, não conseguiu manter o "efeito de
refúgio" de que geralmente beneficiam os presidentes da república, visto
como uma espécie de provedores da sociedade, explica Costa Pinto. Pelos seus
valores conservadores, pela sua personalidade e pelo contexto polarizador de
intervenção da troika e de crise social, Cavaco Silva "foi relembrando a
clivagem entre esquerda e direita". "O conflito político entre
Presidente e Governo traz sempre custos", também para o chefe de Estado,
lembra Magalhães, recordando a relação tensa com José Sócrates. E salvo em
curtos momentos, essa tensão já não existiu com Passos Coelho, uma tensão que
dada a impopularidade do Executivo até poderia ter beneficiado o Presidente. O
facto de Cavaco não ter descolado, no essencial, da política de Passos acabou
por penalizá-lo. Finalmente, o seu
estilo frio e distante não ajudou, admite Costa Pinto. Soromenho-Marques,
professor universitário, vê mesmo "qualquer coisa de mecânico" no
ex-primeiro-ministro. Essa postura, cruzada com várias declarações infelizes
(sobre as suas pensões) ou propensas a serem ridicularizadas (como a alusão às
vaquinhas), terá sido a gota que faltava para entornar o copo. "Cavaco
meteu algumas argoladas sérias e tem um estilo difícil, mas acho que ele foi
uma vítima das circunstâncias", resume Jorge Fernandes (texto Jornal deNegócios, pelo jornalista MANUEL ESTEVES)
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