segunda-feira, julho 11, 2016

Venezuela: Insegurança obriga comunidade portuguesa a mudar rotinas diárias

Trata-se de uma situação que é acompanhada de perto pelos conselheiros das comunidades portuguesas, que dizem estar "preocupados pela situação" e pelo grau de exposição dos comerciantes, chamando a atenção que em paralelo há compatriotas "menos visíveis" a viver com grandes dificuldades. "A comunidade portuguesa é, das que residem na Venezuela, uma das mais expostas aos sequestros, à insegurança, primeiro porque visivelmente é a que está mais na área comercial, de restaurantes e hotéis. São uma comunidade muito visível e, à parte disso, estão em qualquer zona do país", disse à Lusa o conselheiro Fernando Campos. Segundo o também ex-presidente do Centro Português de Caracas, a criminalidade fez "mudar um pouco a forma dos portugueses atuarem" na sociedade venezuelana, passando de ser pessoas que demonstravam no dia-a-dia que eram bem sucedidos, para cidadãos um pouco mais cautelosos.

"Eram um pouco ostentosos, hoje em dia são mais de baixo perfil, mas continuam bastante expostos. Logicamente que a insegurança aumentou no país, porque estamos a viver uma crise económica, social e política muito grande, que faz com que as pessoas comecem a buscar alternativas de 'negócios' e os sequestros não deixam de ser um tipo de negócio", disse. No entanto os raptos estão também a mudar, "passaram de ser sequestros muitos longos, de muitos dias, para (ser) de um ou dois dias e até de horas", salientou.
"A comunidade portuguesa, quando acontece este tipo de situação, tem muita tendência a não falar do assunto e não recorrer às autoridades, por medo, terminando depois por pagar resgate e isso é ajudar os criminosos a terem fundos para fazer outras coisas", frisou. Fernando Campos é enfático e diz que as "atividades económicas que os portugueses desenvolvem na Venezuela, o comércio, são sítios atrativos para que a criminalidade atue" e que os comerciantes estão conscientes dessa situação, tendo adotado algumas medidas de segurança que passam por mudar (reduzir) o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, mas que alguns continuam expostos porque, pelo tipo de atividade que realizam, trabalham até mais tarde.
"Hoje em dia estar num restaurante às oito horas da noite já é tarde. Sei de casos de pessoas que têm saído de restaurantes, são seguidas e depois sequestradas. É complicado, neste momento, pela situação económica do país, porque o dinheiro não chega e as pessoas estão a recorrer a outros métodos (para conseguir dinheiro) e o método é a criminalidade", frisou.
No seu entender "a melhor arma contra os sequestros e a criminalidade é a prevenção que as pessoas já estão a fazer", por exemplo "em vez de sair sozinhos do Centro Português reunir-se em grupos de três ou quatro carros de pessoas que vão para a mesma zona" de Caracas.
"É uma forma de prevenção e de proteger-se" enfatizou, sublinhando que alguns comerciantes optaram por contratar "escoltas (guarda-costas) privados" e que ele próprio tem um filho de 23 anos a quem tem dado instruções para mudar a rotina diária.
"Se for até casa de um amigo, a uma festa, em vez de regressar às 02:00 da manhã, prefiro que fique lá e que regresse às 07:00 da manhã, verificando sempre se está a ser seguido (por viaturas de desconhecidos) e não falar sobre o que temos porque nunca sabemos quem é que está a ouvir", explicou. Fernando Campos diz que "há também outra situação que é preciso pensar nela" e é que "já existe também muitíssimo ressentimento social e isso está a provocar que sejamos (os empresários) vítimas da insegurança".
"A Venezuela durante muitos anos esteve aberta para receber muita gente do estrangeiro, foi um país construído por imigrações que chegaram nas décadas de 1940, 1950 e 1960, quando a convivência entre comunidades e a sociedade venezuelana não era um problema. Hoje já se sente um bocadinho de xenofobia e ressentimento. Lamentavelmente as nossas autoridades (locais) deviam ter um léxico, um verbo um pouco mais conciliador, porque têm dado pé a que estas coisas aconteçam, porque começam a generalizar", disse. No seu entender não é correto quando dizem que "ser rico é mau". "O que é mau é não trabalhar, quem trabalha, produz e ganha com o seu trabalho as coisas bem ganhas, não deveria ter que preocupar-se ou ter medo de nada", acentuou. O conselheiro lamenta que todos os dias estejam a "desaparecer" empresas na Venezuela e a economia esteja "dolarizada", que "se ganhe em bolívares e se pague o equivalente em dólares" a uma taxa ilegal, o que faz com que as pessoas não tenham capacidade para comprar e levar para casa tudo o que precisam, "num país onde cada dia escasseiam mais os produtos básicos, que depois são vendidos no mercado paralelo a um preço dez vezes superior". "Estamos (os conselheiros) a acompanhar tudo isto e a tratar de partilhar com as autoridades portuguesas toda esta informação. Preocupa-nos seriamente aquela comunidade menos visível que é a mais afetada. Há nacionais nossos que estão em dificuldades, nas zonas mais remotas", acrescentou.Por outro lado frisou estar "muito preocupado" e não ver capacidade das autoridades portuguesas locais de poder atender qualquer situação de crise que possa surgir, por exemplo, o caso de alguns compatriotas que tenham de regressar a Portugal" (Lusa)

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