Hoje vou abordar um tema, de natureza religiosa,
o qual apesar de não dever ser considerado tabú, não me entusiasma nem
estimula, porque tenho a consciência de que estamos longe de uma posição
consensual.
Temos todos, quase sempre, a mania de
ridicularizar ou desvalorizar as questões religiosas e sobretudo a fé expressa
publicamente pelas pessoas. Respeito muito a liberdade de escolha dos cidadãos,
respeito muito a liberdade de opinião e de crença e a própria liberdade de
darem à sua vida o rumo que entenderem.
Não discuto as questões de religião, de devoção e
de fé, porque acho que se trata de um domínio muito pessoalizado, que não tem
que andar na praça pública, muito menos quando subjacente a essa pretensa
discussão pública, há a intenção, apenas e só, de ridicularizar as pessoas,
sejam elas de que religião forem, e de questionar a suas opções de fé e os testemunhos
públicos dessa escolha.
Qual a autoridade que eu tenho, para colocar em
causa ou sequer discutir com uma pessoa que vai a Fátima cumprir uma promessa -
por exemplo cumprindo um determinado percurso de joelhos, muitas vezes sob um
calor abrasador, como há poucos dias testemunhei, protagonizado tanto por
jovens como por cidadãos mais velhos - se olho para a cara dessa pessoa e
percebo que, com mais ou menos sofrimento, com mais ou menos dificuldade, ela
se sente realizada e feliz por fazer o que faz naquele momento e naquele local,
feliz por cumprir o que prometeu. Pouco me importa saber o que está (esteve)
origem a essa promessa, porque isso é do foro pessoal. O que não tenho é o
direito - aceitando que haja quem pense de forma diferente, mas discordando com elas - é de questionar essa
liberdade de culto, de devoção e de testemunho de fé.
Em
Santiago de Compostela o fenómeno é semelhante ao de Fátima, apesar de haver
quem garanta que muito dificilmente, ao contrário do que é dito - e no fundo é
isso que justifica as romarias anuais de milhões de cidadãos de todo o mundo
que ali se concentram - aquele túmulo dificilmente será do apóstolo Santiago.
Recordo
um texto que li recentemente sobre este tema:
“814, é o ano da morte de Carlos Magno e de uma
descoberta de grande importância para a cristandade, neste lugar muito recuado
da Europa: o túmulo de Santiago, o apóstolo que evangelizou a Península Ibérica.
Esta descoberta foi de tão grande importância, que ainda hoje deixou marcas nas
mentalidades.
Talvez nunca saberemos quem estava realmente no
túmulo. É claro que esta descoberta era “política”, o túmulo de um personagem
tão importante só podia servir uma cristandade arturiana, em luta contra os poderosos
muçulmanos de Espanha. Infelizmente, a probabilidade que este seja efetivamente
o túmulo do Santo é ínfima, para não dizer nula: Tiago foi morto e decapitado em
Jerusalém! Porém, escavações arqueológicas provaram que a catedral atual foi
construída em cima de um cemitério romano”.
A
verdade é que todos os anos, milhares de pessoas cumprem religiosamente os
chamados "Caminhos de Santiago" ou porque querem dar testemunho da
sua religiosidade e devoção, ou porque querem dar expressão à sua fé ou porque querem
cumprir promessas que são do foro íntimo e que a cada um e apenas a cada um dizem
respeito.
Quando
vemos, por exemplo, mil ou duas mil pessoas, fazendo uma fila enorme que
serpenteia junto da Catedral de Santiago de Compostela, muitas vezes concentradas
ao sol, só porque querem entrar na catedral e tocar na imagem do Apóstolo, que
direito tenho eu para questionar quem assim se comporta e se sente bem com a
sua consciência?
Gosto,
já o disse várias vezes, de visitar Fátima.
Fátima é
uma paragem obrigatória sempre que vou de Lisboa ao Norte ou vice-versa. Há
muitos anos que é assim. Sinto-me bem em Fátima, não sei explicar porquê.
Sente-se que há ali qualquer coisa que nos toca. Mas não me peçam para ser mais
pormenorizado porque não sou capaz.
Mas gosto
também, já o escrevi, de visitar Santiago. Vou algumas vezes por ano, cumprindo
uma espécie de ritual que me leva, quase sem dar por isso, a "entrar"
no ambiente e a comportar-me qual peregrino, igual a tantos outros que ali
chegam de avião, comboio ou de carro ao contrário de muitos outros milhares que
percorrem quilómetros e que na praça do Obradoiro, frente a uma Catedral a ser
recuperada da sujidade exterior dos anos, dão expressão à satisfação do cumprimento de uma
promessa.
É emocionante vermos grupos de peregrinos, da
Alemanha, da Venezuela, do Brasil, de Portugal, de Espanha, da Polónia, da
Itália, da França, etc, na sua maioria jovens, chegar ao centro das praça do
Obradoiro e abraçarem-se chorando, alguns copiosamente, com os pés
completamente dilacerados e com outros sinais de sofrimento e de mazelas
corporais que o objectivo de chegar a Santiago não os fez desistir. É
espantoso, intrigante para alguns. Mas é também uma expressão de liberdade, de
fé e de devoção, em Fátima ou em Santiago, que temos de respeitar.
Espanta-me sempre, repito, e no caso de Santiago,
a presença de muitos jovens. É impressionante a parcela de jovens entre aquela
imensa multidão de peregrinos que vai todos os anos a Compostela, cidade que
fiquei a conhecer quase ao pormenor.
Obviamente que não tenho igual tolerância para
com determinados grupelhos de crápulas oportunistas que por aí andam e que se
limitam, numa escala menor, muito mais recente, sem tradição, sem história, sem
conteúdo dogmático, a enganar as pessoas a reboque da fé, da devoção, dos problemas
pessoais, das dificuldades de muitos, tudo sob a capa do catolicismo e da
Bíblia interpretados da forma que melhor serve a esta espécie de arautos das
religiosidade do povo.
Uma coisa é certa e disso posso garantir-vos:
ninguém consegue ficar indiferente, por muito que se interrogue sobre as
motivações que levam as pessoas, os jovens (muitos) ou os mais velhos, por
gratidão ou por desespero, a actos públicos tão contundentes de demonstração de
fé ou de devoção. Já me confrontei com algumas situações, sobretudo em Fátima –
em Santiago essa devoção expressa-se de uma outra forma – tão surpreendentes
quão interrogativas.
Sei que há um padre (Mário da Lixa) que mantém uma espécie de cruzada contra Fátima e a mensagem que a Igreja propagandeia,
considerando que tudo não passa de uma invenção da Igreja em conluio com o
regime político de então, e que Fátima é hoje uma espécie de negócio. Nessa
ordem de ideias, pergunta-se o que não será negócio, quando se fala em culto e
devoção?! O padre tem direito à sua opinião. Não tem contudo é o direito de
reclamar que essa sua opinião se transforme numa verdade absoluta. Podemos discutir
as suas ideias, aceito sem hesitação (porventura haverá dúvidas e perguntas sem
respostas), mas não me parece normal que um padre tenha demorado tanto tempo a
perceber que afinal Fátima é, segundo ele, uma… invenção. No mínimo é muito
estranho e leva-me a interrogar-me também sobre que motivações – ao que sei algumas
identificáveis – estarão subjacentes a essa agressividade contra Fátima e
contra tudo o que ali existe e se desenvolve.
Não creio, pelos milhões que todos os anos ali se
deslocam, que o padre da Lixa consiga arrebanhar muitas ovelhas para o seu
rebanho de descrentes de Fátima, por muitos livros que publique e entrevistas
que dê (LFM)
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