domingo, agosto 06, 2017

Alberto João Jardim: “Portugal é uma partidocracia e isso vai ter de acabar”

Retirado da política, Jardim aproveita para viajar e escrever livros. Mantém-se irónico e não se arrepende do estilo combativo, que diz ter sido necessário para desenvolver a Madeira. O confronto – com Lisboa, com a Justiça “sovietizada” ou com os media – é mais honesto que o falso consenso, diz.
Helder Santos
Alberto João Jardim recebeu o Económico Madeira na sede da Fundação Social Democrata da Madeira, que fica na casa que o viu nascer há 74 anos. Em entrevista, fala da reforma, do seu primeiro livro de ficção – que está a escrever – e da sua visão sobre o sistema político. Sem rodeios, não poupa nas críticas ao sucessor Miguel Albuquerque e ao líder do PSD, Pedro Passos Coelho. Os partidos políticos estão condenados a mudar, defende ainda o ex-presidente do Governo Regional da Madeira, que se define como um dos últimos sociais-democratas e sá-carneiristas do PSD. O partido “não é nada” e anda ao “sabor da corrente”, diz.

Deixou a presidência em 2015, após 37 anos no poder e tendo vencido dez eleições com maioria absoluta.  Não sente falta disso?
Não. É uma questão de filosofia de vida. Temos de perceber quando é que o nosso tempo está a acabar. E, obviamente, que em 37 anos houve uma grande mudança. Tinha a perceção que era a altura de sair. A política também tem algo de instintivo. E esse instinto dizia- me que era altura de sair. E ainda para mais por questões de saúde. Tinha tido um enfarte. Estava proibido de fazer voos intercontinentais. As comunidades madeirenses estão fora da Europa. Estava muito limitado. Era preciso ter um presidente do governo que pudesse estar fora da Europa. Era preciso termos uma noção do que era estar num tempo novo. Se a pessoa não sabe estar num tempo novo é infeliz.
Mas há quem diga que deveria ter saído mais cedo.
Quem diz isso é o Marcelo Rebelo de Sousa, mas é uma das coisas que ele diz que não se escrevem. Eu tive esta alegria, fui eu que defini o tempo, não foram os outros que me definiram o tempo nem foi o povo que me pôs na rua. A sua pergunta é pertinente, na medida em que há um pouco a ideia de que as pessoas mudando de vida são infelizes. Não. As pessoas, se escolherem o momento de mudar de vida, vão exatamente à procura de como ser felizes no novo tipo de vida que escolheram. Eu continuo a fazer o que gosto. De manhã só tenho preocupações físicas e à tarde estou a escrever um novo livro, mas este é de ficção [após o recente “Relatório de Combate”, onde faz um balanço dos anos no poder].
Qual é o tema?
É um romance sócio-histórico. A sociedade madeirense antes e depois do 25 de Abril e o que será Portugal e a Madeira, e aqui entra a ficção, no final dos anos 20 [deste século]. Espero que esteja vivo para assistir (risos). E depois quando me dá na cabeça viajo.
Que destinos escolhe para viajar?
Ainda o ano passado fui parar à Islândia. Gosto de ir a cruzeiros. Vou com a família toda e com os netos. Depois, não há aquela coisa de andar com as malas de um lado para o outro e o hotel é o barco. A minha filha tinha a mania de me levar sempre para o Mediterrâneo. Disse-lhe para não me trazer para sítios quentes. Ainda por cima para sítios que já conheço. Disse não conheço a Albânia, Roménia, a Sérvia. E ela disse que não se fazem cruzeiros para esses sítios. E eu perguntei: “e para a Islândia?”.
A Islândia teve uma forma sui generis de resolver a crise financeira. Julgou os políticos e os banqueiros que a causaram. Portugal deveria ter aprendido alguma coisa com a Islândia?
A Islândia tem uma pequena densidade populacional, sem querer levar as coisas para esse campo. Acho que a densidade da população ainda conta. E depois a Islândia tem uma grande vantagem em relação a Portugal, que é a educação. Em Portugal só começou depois do 25 de Abril e a educação na Islândia é uma coisa cimentadíssima há muitos anos. Eles lidaram com os banqueiros e com os políticos, mas sem espetáculo. Estas coisas são eficientes quando é sem espetáculo. Em Portugal está a fazer-se com espetáculo do Estado, através dos serviços de justiça, da comunicação social, que também parecem que fazem parte da investigação e não dão com solução nenhuma, e também por parte de todos os que estão metidos nisto, que não só os nomes que nós sabemos. Estou convencido que isto é um fio de meada que nunca mais acaba.
A queda de Ricardo Salgado e do BES surpreendeu-o?
Não me surpreendeu. Aprendi desde pequenino que quando a esmola é muita o pobre desconfia. Eu tinha um avô que me dizia nunca compres papel e eu não comprei. Nem sequer para forrar paredes. Quando eu via a facilidade de ganhar dinheiro… Quando eu vejo estas facilidades, digo sempre: há mouro na costa.
Quando diz que é um fio de meada que não acaba, quer dizer que nos grandes escândalos da banca portuguesa ainda há muito por descobrir?
Penso que sim. Ligações políticas com grupos financeiros que ainda não foram chamados à colação, incluindo gente estrangeira metida nisto. Depois da primeira geração a seguir ao 25 de Abril, e eu sou suspeito porque pertenci a ela, lembro-me que na direção de todos os partidos políticos, nos quatro grandes, havia gente de princípios e ideais. A certa altura, com a União Europeia, começou-se a pensar mais em dinheiro do que em ideais. E é este pensar em dinheiro que depois nos arrasta para a situação em que estamos metidos. Costumo dizer que a minha geração era a geração do nós. A comunidade. O que nós vamos fazer. Hoje é a geração do eu. Eu estou neste sítio, o que vou eu ganhar com isto, o que é que eu perco em vir para aqui. Há uma mentalidade completamente diferente. No meu tempo, ajudávamos os colegas a copiar e havia sentimento de comunidade. Hoje ninguém ajuda o colega porque tem que ter melhor nota do que ele. Este tipo de individualismo exacerbado destrói uma sociedade.
Não acha que esse individualismo é necessário para termos uma sociedade mais meritocrática?
O problema é que não há meritocracia na sociedade portuguesa. Portugal não é uma democracia, é uma partidocracia. O mérito é avaliado se pertence ou não ao partido. Não há meritocracia se há partidocracia (entrevista concedida ao Jornal Económico, com a devida vénia)

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