terça-feira, janeiro 30, 2018

Padre Giselo: um castigo a fingir...

A Igreja não castigou o padre Giselo como alguns reclamavam mas cedeu às pressões mais conservadoras que acham que continua a fazer sentido, nos tempos que correm, uma Igreja, construída pelos homens, com regras impostas pelos homens numa sucessão de Concílios que a adaptaram às necessidades da expansão, aos tempos e à sobrevivência da instituição em cada momento.
Nos últimos anos, e sem querer confundir a árvore com a floresta, nem misturar a mensagem religiosa propriamente dita com este caso - nem discutir o conteúdo dessa mensagem e a forma como ela foi estruturada para servir uma determinada postura institucional perante os fieis - é um facto que a Igreja não tem saído nada honrada de várias situações recentes que revelam a sua fragilidade, quer da instituição, quer dos homens que lhe dão corpo desde logo na estrutura bem cimeira.

Falo dos casos de corrupção incluindo no Vaticano, das estranhas relações da Igreja com organizações que de religiosas nada têm, de escândalos financeiros cujo expoente máximo foi o caso da loja maçónica P2, dos vergonhosos casos de pedofilia que mancham, digam o que disserem, a credibilidade da Igreja, etc.
Ora o caso do padre Giselo - que muitos acham que nunca devia ter acontecido, mesmo que os padres sejam homens como todos os demais, também sujeitos às pressões da sociedade e a tudo o que sabemos - não tem a gravidade dos outros que atrás referi. Longe disso.
 Aliás, se um dia pudéssemos recuar no tempo e verificar de novo tudo o que se passou com a Igreja, tudo o que foi feito em nome dela e da sua mensagem, tudo o que os seus principais atores fizeram e esconderam deliberadamente, provavelmente o padre Giselo seria respeitado pela dignidade de ter assumido o que alguns dizem ter sido um erro, mas que outros, onde me incluo, acham que estamos pode constituir um contributo, mais um, para que esta Igreja fechada, teimosa, velha, caduca em algumas matérias, mude, mude rapidamente, não profundamente como porventura seria desejável, mas que seja capaz de dar os primeiros passos para uma Igreja mais pragmática e que não dependa de teorias ou de aproveitamento da fé das pessoas a reboque de mensagens religiosas que nem sabemos se foram inventadas ou não.
O padre Giselo acaba de ser castigado de forma discreta. Acho eu. Não foi sacrificado na praça pública como alguns pretendiam e defendiam. Dir-me-ão que os padres sabem que pertencem a uma instituição que tem regras e que ao aderirem a essa instituição automaticamente estão obrigados a seguir essas regras. Estão sim, todos sabemos disso. 
A sociedade também proíbe que matem, agridam, roubem, aldrabem pessoas, proíbe que violem pessoas mas por acaso não é tudo isso que acontece? Os homens, vulneráveis como sempre foram, acabam por cometer erros que ou assumem ou por eles são castigados sempre que a sociedade entende que a linha vermelha da tolerância foi ultrapassada e os códigos de conduta violados.
Acho que a Igreja em geral, incluindo a madeirense, precisa de mudança, precisa de dar o tal passo corajoso para adaptar-se aos novos tempos, nos quais tudo é questionado incluindo a mensagem religiosa, os milagres, etc - e que o faça antes que fique cada vez mais às moscas e sem fiéis, tornando-se uma desnecessidade. A igreja madeirense ficaria a perderia se afastasse o padre Giselo. Não por se ele, mas por ser um sacerdote jovem, saído de uma fornalha de jovens padre - cada vez menos - com ideias frescas, com visões mais modernas da religiosidade, que trouxeram, lembro-me disso, alguma esperança ao processo de modernização da Igreja, dos seus procedimentos, atitudes e posturas perante os homens e as mulheres que são no fundo os destinatários das suas mensagens.
Bem ou mal a Diocese do Funchal vai continuar a contar com o padre Giselo. Dificilmente ele será um herói no meio de tanta hipocrisia e santarrões de pacotilha. Podia ser mais um sacerdote, e quantos não haverá ainda por ai, com afilhados ou sobrinhos que todos sabiam esconder histórias perfeitamente humanas mas que tinham que ser ocultadas. Ele assumiu, não sei se obrigado, se por livre vontade. 
Nunca ousaria sacrificar na praça pública, nem o padre Giselo nem a jovem com quem teve a filha. Nunca ousaria - pecador me confesso - levantar o dedo acusador a um jovem padre pelo que fez. Aceito que deveria ter pensado nas consequências sobretudo perante a instituição de que faz parte e a sociedade altamente mediatizada pronta a dar uma amplitude especulativa e jocosa a um caso que que o que vale, apesar de não ser por causa dele que a igreja ficará pior. Melhor não fica porque há muitas pessoas que entendem que o que se passou nunca deveria ter acontecido.
Peço apenas que deixemos em paz as pessoas, que a criança possa ter condições para uma vida normal, afastada de polémicas ou de controvérsias idiotas que estes casos suscitam. Respeitemos os protagonistas de uma história que divide as pessoas mas que não justifica nenhuma atitude de hostilidade persecutória, pelo contrário.
Saúdo o bispo do Funchal apesar das pressões a que esteve sujeito - alegadamente sujeito, pois não sei se de facto aconteceram ou não - quer de alguns sacerdotes mais antigos e com uma mentalidade mais fechada, mas não menos legítima e respeitável, quer da beataria do costume que acha que vão entrar no paraíso, ou seja lá onde for, se forem "mais papistas que o Papa". Saúdo o Bispo do Funchal também porque vai continuar a contar com o padre Giselo, para bem da instituição que lidera na Madeira, embora tenha muitas dúvidas que esta situação possa ser mantida por muito tempo, até porque a criança não é filha de pai incógnito ou distante.
Repto para que se dissipem todas as dúvidas: não conheço pessoalmente o padre Giselo, nunca falei com ele, opino apenas como cidadão livre de pensar, inclusivamente livre para dizer asneiradas e suscitar por isso apoios e contestação. Mas da minha parte nunca ouvirão uma palavra que seja contra o padre Giselo e a jovem mãe da filha de ambos, esperando apenas que esta tenha o direito sagrado de crescer em paz, de viver em liberdade, de ser respeitada e de ser feliz. Sem ser obrigada a transportar qualquer estigma (LFM)

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