quarta-feira, setembro 12, 2018

CRISE EM RORAIMA: “A maioria dos brasileiros não sente a migração venezuelana como um problema”


O Expresso conversou com o investigador Tássio Franchi sobre a chegada ao Brasil dos refugiados venezuelanos. Franchi esteve recentemente na fronteira de Pacaraima e em Boa Vista. E diz que os confrontos na fronteira não vão beneficiar os candidatos de direita nas presidenciais de 7 de outubro no Brasil. No estado brasileiro de Roraima, o menos populoso do Brasil, vivem pouco mais de meio milhão de pessoas, que se distribuem por uma área duas vezes e meia maior do que Portugal. A população não indígena é feita de migrantes que chegaram maioritariamente na segunda metade do século XX. Para melhor compreender o que leva os brasileiros a não aceitar os refugiados venezuelanos que ali chegam pela fronteira terrestre, e perceber o impacto destes confrontos nas eleições brasileiras de 7 de outubro, o Expresso entrevistou o investigador Tássio Franchi, que esteve recentemente na fronteira de Pacaraima e na capital estadual, Boa Vista. Franchi é doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília e leciona no Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

Há sentimentos de xenofobia em relação aos 50 mil venezuelanos que entraram e permanecem no Brasil nos últimos anos?
-Não acredito que exista um sentimento de xenofobia nos brasileiros, como alguns setores da mídia têm avançado. A maioria dos brasileiros jamais encontrou um venezuelano no sinaleiro, nem tem um abrigo de migrantes na cidade onde mora. Houve descontentamentos pontuais em Pacaraima [19 de agosto], que começaram com um rumor de que um comerciante tivesse sido atacado e morto por venezuelanos, versão que não se confirmou, pois, o senhor tinha sido evacuado para o hospital de Boa Vista. Além disso, é complicado falar de xenofobia naquela fronteira, porque há populações binacionais, que vivem um movimento pendular entre as duas nações, e por vezes tem pais e mães brasileiros ou venezuelanos. Fronteiras vivas são lugares onde as pessoas se conhecem, tem relações comerciais e de amizade. A história brasileira é marcada por diversas ondas migratórias desde o período colonial. Portugueses, açorianos, africanos, europeus, japoneses, sírios além de latinos ajudaram a constituir o povo brasileiro. Tensões pontuais devem ser entendidas como um pedido de atenção feito por parte da população [do estado] que convive diariamente com o fluxo de migrantes, e sente que alguns serviços básicos estão aquém do ideal. Mas este é geralmente um processo transitório que tende à acomodação mediante a ação efetiva do Estado [Federal]. A história brasileira é feita de ondas migratórias: portugueses, açorianos, africanos, europeus, japoneses, sírios além de latinos ajudaram a constituir o povo brasileiro
O Presidente Temer autorizou a entrada das Forças Armadas em Roraima, para manter a ordem. Quais as consequências?
-O decreto assinado pelo presidente, surge na sequência de um pedido feito pela governadora do Estado de Roraima [Suely Campos]. Pessoalmente, não vejo grandes consequências: Primeiro porque o documento [de 28 de agosto] tem um escopo muito limitado no tempo – cerca de duas semanas apenas. Acresce que Roraima não vive uma situação de problemas na segurança pública como a do Rio de Janeiro, já que a Polícia Militar do estado continua a ser capaz de garantir a segurança dos cidadãos. A polícia garante a segurança regular dos cidadãos mas precisou de ajuda para garantir a dos imigrantes e refugiados venezuelanos... Esse é o terceiro motivo que ia mencionar – no Brasil, a lei contempla um recorte territorial denominado Faixa de Fronteira, onde as Forças Armadas tem poder de polícia.
Como e em que condições?
-Este recorte delimita uma faixa que dista 150 quilómetros da linha de fronteira; e a lei diz que nesta área as Forças Armadas já têm poder de polícia. O estado de Roraima [que tem fronteira com a Venezuela e Guiana], por causa de sua geografia tem mais da metade do seu território dentro desta Faixa de Fronteira e está sobre responsabilidade da 1ª Brigada de Infantaria de Selva. Há ainda que referir o âmbito da medida provisória 820 que determinou a criação de um comité interministerial para tratar do fluxo dos venezuelanos – essa medida já previa o controle do território fronteiriço. E foi neste quadro legal que a 1ª Brigada de Infantaria de Selva além de apoiar a Operação Acolhida desencadeou a Operação Controle, que mais não é do que uma ação de presença em toda a faixa de fronteira, para reforçar as ações de segurança e o controle da região. Roraima faz fronteira com a Venezuela e Guiana. Quase metade do seu território está naquilo que a lei chama Faixa de Fronteira, que tem legislação especial em matéria de segurança.
O senador Romero Jucá, candidato às eleições de 7 de outubro pelo estado de Roraima e até aqui apoiante de Temer, abandonou o Congresso por discordar da política do PR para lidar com a crise migratória. Como vê o estabelecimento da quota migratória que Jucá defende?
-O Brasil é signatário de uma série de tratados e convenções internacionais sobre refugiados e migrantes. E a legislação brasileira que tem sido alterada desde os anos 1990 para facilitar a circulação de compatriotas dos países do MERCOSUL, é considerada uma das mais modernas no que diz respeito aos direitos concedidos, e às possibilidades de solicitar refúgio, migração ou residência temporária. Quero com isto lembrar que as leis brasileiras não são restritivas; pelo contrário facilitam o acolhimento e a legalização do migrante/refugiado. Com esta legislação, o Brasil tem uma atitude proativa na resposta que dá aos acordos internacionais que subscreveu e, por outro lado, esta atitude permite que o Estado brasileiro tenha um melhor conhecimento dos números reais de estrangeiros que entram em território nacional, o que permite dimensionar políticas públicas e planear ações de suporte. Em nenhuma destas leis existe menção a criação de quotas ou restrições.
Esta crise pode beneficiar os candidatos de direita nas eleições de 7 de outubro?
-Infelizmente a questão migratória ainda é um tema local, restrito aos estados de Roraima e Amazonas, [este] com menor repercussão. O Brasil é um país continental, e a distância de Boa Vista [capital de Roraima] a São Paulo é superior a 3300 quilómetros. Dito de outra forma são quatro horas e meia de avião... porque não existem estradas alcatroadas que liguem as duas cidades. Devido à localização de Roraima em relação ao resto do país, o assunto não tem impacto [suficiente] noutros estados, para gerar reações.
A quase totalidade dos brasileiros vê isto como um problema de Roraima, apesar da televisão e das redes sociais?
-Sim, a maioria dos brasileiros não sente a migração venezuelana como um problema (ou oportunidade) pois esta é uma realidade muito distante deles. Por isso, não vejo como possa afetar as eleições para além do âmbito local (texto da jornalista do Expresso, MANUELA GOUCHA SOARES, com a devida vénia)

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