segunda-feira, setembro 09, 2019

Nota: os partidos, a Venezuela, o oportunismo e a realidade indesmentível


Estas eleições regionais mostram um fenómeno novo, o da inclusão de candidatos representando (?) a comunidade venezuelana. Ora sabemos que não representam coisa nenhuma, são rigorosamente o mesmo dos alegados "representantes" dos concelhos nas listas de candidatos a deputados que são escolhidos  ou designados pelas nomenclaturas partidárias regionais ou pelos sectores mais elitistas das estruturas partidárias nesses concelhos, embora sem peso na decisão da escolha final.
Primeiro, o enquadramento deste tema.
Segundo se diz, cerca e 8 a 10 mil emigrantes que viviam na Venezuela, terão regressado os últimos anos à Madeira - muitos ficaram no Continente onde as ofertas de emprego eram mais fáceis e variáveis e porque muitos pretendiam furtar-se a contactos com as freguesias de origem na Madeira - fruto do agravamento acelerado da situação na Venezuela, nomeadamente a crise social, económica, política e financeira ali existente.
Os partidos jogam numa espécie de esperteza saloia, escolhendo uma ou duas ou três pessoas para as integrarem nas suas listas de candidatos determinadas personagens, mesmo que saibam - sabemos todos - que o conhecimento que elas têm da realidade regional é nulo e que os próprios como candidatos não constituem qualquer mais valia eleitoral ou política  - muitos dos regressados, segundas e terceiras gerações, não tinham contactos entre si na Venezuela, salvo nas festas nos centros sociais portugueses e pouco mais. Mesmo assim eram as gerações mais velhas, os pais, que compareciam, já que muitos dos jovens, completamente integrados na sociedade venezuelana, nem compareciam nesses centros. Não vale a pena negar isto porque sei do que falo.
Apenas há, repito e insisto, uma golpada eleitoral, a de alegadamente pretenderem dar voz a pretensos representantes dessa comunidade que vai continuar na  Madeira apenas até Maduro cair.  Se a ditadura for derrubada, milhares de emigrantes que se instalaram na Madeira e no Continente, regressam logo à Venezuela (acresce que milhares de conterrâneos nossos sem possibilidades financeiras, continuam esmagadoramente a viver na Venezuela, ou porque a Região devido aos muitos anos a viver fora já não lhes diz muito, ou  porque não têm condições económicas para voltarem para a Madeira onde muitos deles não possuem nem familiares nem bens ou porque não abandonaram as suas casas na Venezuela).
Ressalvo que a Venezuela está longe de ter sido o tal "El Dorado" de que muitos falam, para milhares de madeirenses. Há que ter presente isso e desmistificar um pouco uma ideia de generalização que não corresponde à verdade.
O erro de não se terem envolvido mais na politica, aliás igual ao que se passou na África do Sul
Alberto João Jardim apelava repetidamente - e nas vezes que o acompanhei testemunhei isso - a esse envolvimento das comunidades madeirenses na política nos países de acolhimento, na corrida eleitoral mesmo que para pequenas comunidades ou cidades, defendia a necessidade de fazerem no caso da Venezuela, como os italianos e os espanhóis, sempre activos e envolvidos, para que os portugueses, madeirenses em particular, tivessem uma voz, fossem representados, tivessem mais condições de afirmação nos países de acolhimento e de onde eram naturais as segundas e terceiras gerações, para que tivessem mais oportunidades. Isso nunca aconteceu verdadeiramente, raramente aconteceu, na Venezuela ou na África do Sul, salvo raras excepções neste país.
Na África do Sul a mudança política, social e económica também foi brutal, mas apesar do choque étnico e de um sentimento de ajuste de contas por causa do apartheid, creio que todos concordamos que nunca chegamos à lamentável degradação que ocorre na Venezuela e que está à vista de todos. Contudo existem sinais recentes que podem apontar para um perigoso agravamento da situação social na África do Sul, com todas as consequências daí resultantes.
Não votam
As comunidades no estrangeiro não votam, basta consultarem os valores e a abstenção - os 89% nas legislativas de 2015, os 95% nas presidenciais de 2016 ou os 99% nas europeias de 2019. Os truques que a geringonça agora introduziu no recenseamento, aumentou de 250 mil emigrantes (2015) para 320 mil (2016) e 1,4 milhões de recenseados (2019), mas curiosamente o peso no parlamento nacional continua o mesmo - 2 deputados pela Europa e 2 pelo Resto do Mundo - a par da palhaçada que é o processo de escolha por parte dos partidos dos candidatos  alegados "representantes" dessas comunidades: personagens que vivem em  Portugal e cuja relação com as comunidades ou é política ou é platónica.
Se reconhecidamente não votam nas eleições nacionais, dificilmente encontrarão estímulos para votarem nas regionais da Madeira ou dos Açores, e darem deste modo a sua anuência à demagogia dos partidos e ao seu oportunismo eleitoral.
Perceber o sentimento generalizado
Há que perceber um sentimento que é generalizado aos madeirenses regressados temporariamente à Madeira, admitindo eu que uma minoria, insignificante quantitativamente face ao global, pense ficar de vez na Região. Falo do regresso, de olharem para esta vinda para a Madeira como um acidente de percurso, uma opção de vida que está relacionada com a degradação da situação na Venezuela, com a falta de liberdade, com a deterioração trazida pela ditadura, com o caos no estado, com  a falta de tudo, na saúde, na educação, na alimentação, nos combustíveis, nos transportes, nas universidades, etc, etc.
O regresso como meta de vida
Uma jovem no Porto Santo, natural a Venezuela, a viver como empregada naquela ilha, porque a mãe ali reside, reconhecia, quase a chorar e com uma cara de profunda tristeza, que a sua grande ambição é apenas uma: regressar à Venezuela logo que o ditador seja derrubado e a situação no país mude. Não vale a pena andarmos a distorcer a realidade, uns para ganharem dinheiro à custa dos nossos emigrantes e da desgraça deles - e não faltam festanças e romarias ao estrangeiro - outros por oportunismo político que não engana ninguém.
A Madeira o pouco ou quase nada que podia fazer pelos seus emigrantes regressados, creio que já fez. Faltam empregos, faltam casas, a integração desses regressados não é fácil, há uma diferença de hábitos e de culturas, as pessoas sentem-se a mais, a Madeira para a esmagadora maioria dos regressados é "estranha". Muitos deles vinham de férias. E já pensavam no regresso ao seu mundo, quando a Venezuela era para eles uma espécie de centro do universo, pais rico que era (e é) embora sempre socialmente desequilibrado e marcado por elevadíssima e descarada corrupção mesmo antes da revolução chavista ou bolivariana, sabem o que quiserem.
Desconhecimento e não mais-valia
Ora neste quadro, passemos ao segundo aspecto desta minha abordagem, acredito que eleitoralmente os partidos no seu oportunismo podem incluir as personagens que quiserem, oriundas desta leva de regresso temporário à RAM, que não ganham votos por causa disso. Acho que a comunidade venezuelana na Madeira não se deixa enganar, sobretudo a que recusa a ideia de um regresso em definitivo, porquanto não se sente mobilizada, não tem razões para votar seja em quem for, porque o regresso é asua meta de vida. Compreensível e naturalmente. É com a Venezuela que eles se preocupam, é com a Venezuela livre, democrática, próspera e com lugar para todos que sonham e na Venezuela que pensam todos os dias é para a Venezuela que querem voltar.
Esta é a realidade, pelo que aos políticos em funções, no governo, no parlamento nas autarquias, o que se espera e se pede é que tomem as medidas adequadas possíveis e passíveis de atenuarem o sofrimento de quem foi deslocado, obrigado a sair do seu pais, da sua vida, da sua cultura, dos seus hábitos, dos seus amigos, das suas rotinas, do seu mundo, etc, para esperar cá fora que o ditador seja derrubado, que os corruptos sejam castigados e que a Venezuela seja de novo um país para todos e aberto a todos.
Desconhecimento
Quando é disto que falamos, quando é isto que está em cima da mesa, para que servem essas eleições nacionais ou regionais, para que servem esses pretensos “representantes” de meia-tijela, escolhidos pelas hierarquias partidárias, que não conhecem a realidade madeirense, nas freguesias, nos concelhos? Para que servem esses pretensos “representantes” se eles não interagem com as pessoas porque não escondem as suas dificuldades de integração (num meio que pode dizer ainda alguma coisa, pouca, aos pais e avós, mas que seguramente pouco ou nada diz às gerações que já nasceram na Venezuela), se nem são sequer conhecidos e nada dizem aos eleitores, etc, se o futuro para eles tem apenas um nome, a Venezuela? (LFM)

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