quarta-feira, abril 08, 2015

Regionais-2015: acórdão do TC sobre requerimento do PSD



ACÓRDÃO Nº 208/2015 
Processo n.º 334/15
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acórdão, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes PSD-Madeira, José Lino Tranquada Gomes e Rui Emanuel Sousa Abreu e recorridos Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses PCTP/MRPP; Juntos pelo Povo, BE- Bloco de Esquerda; Mudança; PNR; Plataforma dos Cidadãos; MAS – Movimento de Alternativa Socialista; CDS – Partido Popular (CDS/PP); nova Democracia e CDU, foi interposto recurso contencioso, ao abrigo do artigo 124.º da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 1/2009, de 19 de janeiro, de ora em diante, LEALRAM), da decisão da assembleia de apuramento geral dos resultados eleitorais da Região Autónoma da Madeira.
O presente recurso foi enviado a este Tribunal, por correio eletrónico, às 16h17m do dia 01 de abril de 2015.
2. O requerimento de recurso tem o seguinte teor:
“José Lino Tranquada Gomes, casado, NIF 12054241.2, residente à Rua Mãe dos Homens, n.º 35, 9060-185 no Funchal, na qualidade de candidato eleito pelo PSD/Madeira às eleições Legislativas Regionais, titular do Cartão de Cidadão n.º 05413514.1243 de cédula profissional de advogado n.º 15M, emitida pelo Conselho Distrital da Madeira da Ordem dos Advogados e Rui Emanuel de Sousa Abreu, casado, residente na Rua João de Deus, n.º2 A, no Funchal, na qualidade de mandatário do PSD, veem nos termos do art.º 24 da Lei Orgânica para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n 1/2009, de 19 de janeiro, que a republicou,
Apresentar RECURSO CONTENCIOSO, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 – Os fundamentos de facto
1.º
No exercício dos seus direitos conferidos pelo n.º 3 do art.º 114 da predita Lei Orgânica, o signatário candidato apresentou 24 protestos sobre a deliberação da Assembleia Geral de Apuramento que manteve a qualificação como nulos dos seguintes votos:
Tudo conforme cópias da ata de apuramento geral que se junta como dos protestos apresentados, dos votos protestados e das atas de apuramento das assembleias de voto em que os votos protestados foram igualmente qualificados como nulos.
2.º
Conforme se pode ver, dois dos votos protestados pelo signatário candidato - referentes à secção de voto B, da freguesia de Santa Maria Maior e outro da secção E da freguesia do Monte, foram declarados nulos pela respetiva secção de voto por um deles conter na sua extremidade superior um pequeno corte e outro por em vez da cruz no quadrado ter sido empregue um símbolo “V” que excedeu os limites do mesmo. Conf. Doc. N.º1
3.º
Em nenhum dos votos se consegue descortinar qualquer intenção dos eleitores em anular o seu voto.
4.º
Não existe qualquer intenção do eleitor em rasgar o seu voto e assim inutilizar a sua opção de voto no PSD.
5.º
Os cortes, pela sua configuração e perfil e por nem atingirem quaisquer dos caracteres e delimitação do próprio espaço destinado à identificação dos partidos concorrentes e às respetivas quadriculas de voto, não justifica a qualificação que lhes deu a secção de voto nem a que assembleia de apuramento geral que, não obstante o protesto, manteve a qualificação como nulo.
6.º
Há cortes que podem resultar do próprio manuseamento dos votos pelos membros da secção de voto ou pela própria retirada dos mesmos das respetivas urnas com recurso a um simples lápis ou esferográfica ou qualquer outro objeto cortante.
7.º
Já que se houvesse intenção destes eleitores anularem o voto certamente no se limitariam a proceder a um pequeno corte no boletim.
8.º
E para mais com um perfil de corte que não indicia minimamente que estes eleitores não quisessem, de facto, votar validamente pela opção que assinalaram corretamente, dentro da respetiva quadrícula ou seja no PSD.
9.º
Destes pequenos cortes, que no resultam ter sido feitas pelos eleitores em causa, no resulta qualquer atitude determinada dos eleitores em anular o seu voto.
10.º
Quanto aos votos da Secção E da freguesia do Monte, conforme se realça das respetivas cópias não existe quaisquer razes válidas que determinassem a sua não qualificação como válidos, o que se pode facilmente se concluir pelo cotejo dos documentos que vão identificados com o n.º 2 (composto de 8 folhas)
12.º
Quanto aos votos cujas cópias estão integradas nos documentos nºs 3 a 20, no existem dúvidas de que a vontade inequívoca dos eleitores foi a de votar no PSD muito embora a cruz não tenha sido colocado dentro do quadrado.
13.º
O Eleitor não pretendeu anular o seu voto, simplesmente a colocação da cruz não foi a mais correta.
15.º
O facto da cruz em alguns daqueles votos exceder os exceder os limites do quadrado, não justifica que os boletins de voto sejam considerados nulos.
16.º
O sinal feito no boletim é demonstração clara de intenção de voto no eleitor já que é sinal usado corretamente como sinal de confirmação.
17.º
Há um “assinalamento inequívoco” da opção de voto do eleitor.
18.º
O critério seguido, quer no apuramento parcial quer geral, foi demasiado restrito e impede o aproveitamento dos votos dos eleitores que marcaram presença na votação, não protestaram nem pretendiam inutilizar o voto.
19.º
De outra forma, não estarem a valorizar quer a disponibilidade do cidadão em exercer o seu direito de voto quer a respeitar a sua própria opção por determinado partido.
20.º
O eleitor everitua1merte mesmo esclarecido no procedimento de voto no deve ser penalizado na apreciação da sua manifestação de voto por um critério demasiado restrito e que acaba por no acomodar aqueles eleitores que decidam - e bem - exercer o seu direito de voto, desrespeitando a sua vontade.
21.º
O mesmo se diga relativamente aos votos que constam dos documentos 21 a 24 em que a manifestam inequívoca dos eleitores em votar no PSD.
Do Direito
22.º
O art.º 104 da referida Lei Orgânica estabelece os critérios para um voto ser considerado nulo.
23.º
Os votos acima referidos não se enquadram em nenhuma das alíneas do n.º 2 do preceito.
24.º
Em todos eles é patente a opção do eleitor em votar no PSD.
Termos em que deve ser considerado procedente o referido recurso corrigindo-se a decisão que declarou nutos os votos acima identificados e reconhecendo o seu sentido expresso no PDS.
Vão 24 documentos e a ata de apuramento geral “
3. Por correio electrónico enviado a este Tribunal no mesmo dia às 16h52m vieram os recorrentes dizer o seguinte:
“Rui Emanuel de Sousa Abreu e José Lino Tranquada Gomes, subscritores do recurso hoje apresentado vêm informar V. Ex.ª, que o edital do apuramento geral foi afixado ontem pelas 22H20 e os documentos que instruem o recurso apenas foram facultados pelos serviços da assembleia de apuramento pelas 14H20 de hoje, o que constitui impedimento a que o requerimento de recurso pudesse ter sido apresentado antes da hora em que foi, embora tenha ocorrido dentro das 24 horas previstas no n.º 1 do art.º 125 da lei eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira.
Se for entendido necessário para comprovar que a entrega dos documentos acima referidos ocorreu à hora assinalada, podem ser ouvidas as seguintes testemunhas:
- Dra. Luísa Araújo, Chefe de Gabinete de S. Excelência o Representante da República para a Madeira e com domicilio profissional no Palácio de S. Lourenço no Funchal e
Dr. José Jardim Mendonça Prada, advogado, com escritório no Funchal, à Rua do Bettencourt n.º 10, 1.º.”
4. Por não estar devidamente instruído, a secretaria judicial solicitou, no dia 2 de abril de 2015, “por ser necessário para a boa decisão, o envio, pela forma mais expedita, de certidão da Ata de Apuramento Geral, Certidão de Afixação do Edital respectivo, Certidões das Atas de Apuramento Local da Secção B da freguesia de Santa Maria Maior, Secção E da freguesia do Monte, e os Votos protestados pelo PSD Madeira (junta-se fotocópia do recurso)”.
5. Notificado, nos termos do n.º 2 do artigo 125º da LEALRAM, o recorrido CDS/Partido Popular (CDS/PP) veio pronunciar-se, por telefaxe, às 19h49m do dia 05 de abril de 2015, no seguinte sentido:
1. O presente recurso tem por objetivo a validação de votos que foram considerados nulos nas Mesas eleitorais e na Assembleia de Apuramento Geral.
2. Embora tivéssemos sido notificados do articu1ado do recurso, não foi feito chegar pela mesma via, os anexos que pretendem provar o que se alega, o que torna impossível nos pronunciamos sobre os concretos factos alegados pelo Recorrente.
3. Apesar disso confirmamos, como fizemos em recurso próprio, que o critério uniforme para reapreciação dos votos considerados nulos e protestados adotados pela AAG — “não considerar nulos os boletins de voto em que, não s verificando qualquer outra causa de inva1idação prevista na Lei, tenha sido assinalada uma cruz, entendida esta como o desenho que consista na interceção de dois traços tendencialmente retilíneos ou significando manifestamente esse sinal, ainda que imperfeitamente desenhados ou excedendo em medida razoável os 1imites do quadrado respetivo, desde que tal intersecção ocorra dentro do quadrado respetivo e nenhum dos traços intersecte outro quadrado os quaisquer caracteres ou símbolos do bo1etim.” — não atende aos princípios eleitorais e à última jurisprudência do Tribunal Constitucional.
4. Assim, no acórdão n.° 541/2009 (repetindo a orientação já fixada no acórdão 530/2009), o Tribunal Constitucional veio c1arificar que deve ser considerado nulo o voto onde hajam elementos que perturbem a perceção da escolha do eleitor e onde não seja seguro que a qualquer pessoa se permita identificar o eleitor em concreto.
5. A orientação do Tribunal Constitucional permite na nossa opinião que se considere como princípio fundamenta1 o de validar o maior número de votos que não afetem a perceção da escolha nem o secretismo do voto.
6. Ora, o critério restritivo adotado pela AAG não respeitou esse princípio interpretativo e por causa do critério adotado considerou nulos votos que não o deviam ser, onde podem estar a1guns dos votos que o recorrente considera que foram mal anulados.
7. A questão porém é ainda mais complexa, porque como foi possível detetar na Assembleia de Apuramento Geral, alguns dos votos das seis mesas recontadas foram validados pelas respetivas mesas eleitorais, com um critério bem mais concordante com o sentido da última jurisprudência constitucional (sem que a AAG tivesse alterado), o que origina uma disparidade de tratamento de alguns dos votos validados.
8. Há votos que foram considerados válidos pelas mesas eleitorais e assim confirmados pelas atas respetivas, mas há votos que, em outras mesas e posteriormente na AAG, mesmo sendo similares ou iguais nas causas foram considerados nulos.
9. A disparidade de critério é grave quando está em causa uma diferença de votos para determinar a maioria absoluta de mandatos de um só partido nas eleiçes.
10. Também por essa razão, conforme oportunamente foi apresentado nesse Tribunal, em recurso próprio, esta candidatura entende que o pedido de recontagem de votos ou seja, um novo apuramento geral, através da recontagem de todos os votos entrados em todas as secções de voto, com exceção das que já foram recontadas pela AAG (as seis mesas referidas), anulando todos os atos de apuramento parcial ou geral realizados respeitante a este ato eleitoral, é a única medida que credibiliza o apuramento realizado
1.1. Sendo inválida a ata de retificação (segunda) e estando errada a primeira ata, por razões que deixámos expressas em recurso próprio, há suficientes irregularidades que impõem novo apuramento.
1.2. Expressa-se assim concordância com a a1teração do critério de qualificação como nulos os votos expressos e com a reabertura do processo de apuramento.
6. Igualmente notificados para o efeito, os demais recorridos deixaram esgotar o prazo sem que tenham vindo aos autos apresentar qualquer resposta.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Importa começar por averiguar se estão preenchidos os pressupostos processuais indispensáveis ao conhecimento do objeto do presente recurso.
Resulta dos elementos documentais constantes dos autos o seguinte:
i) No dia 31 de março de 2015, entre as 09h00 e as 20h15, e entre as 20h45 e as 22h20, esteve reunida a Assembleia de Apuramento Geral da eleição de deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, cuja votação teve lugar no dia 29 do referido mês;
ii) O edital a publicitar os resultados (retificados) do apuramento geral foi afixado no átrio do Palácio de São Lourenço, Funchal, às 22h20 do dia 31 de março de 2015;
iii) O recurso foi remetido para este Tribunal através de mensagem de correio eletrónico, como acima se disse.
8. De acordo com o n.º 1 do artigo 125.º, da LEALRAM, o recurso contencioso que verse atos e deliberações da AAG deve ser interposto perante o Tribunal Constitucional no prazo de vinte e quatro horas, contado a partir da afixação do edital em que se publicam os resultados do apuramento geral, regra que carece de ser articulada com o disposto no artigo 167.º, n.º 1, do mesmo diploma, de acordo com o qual, quando o ato processual envolver a intervenção de entidades ou serviços públicos, como aqui acontece, o termo dos prazos respetivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições. Isto mesmo quando, como expressamente admitido no n.º 3 do artigo 35.º da LEALRAM para a interposição de recurso, o ato processual seja praticado por correio eletrónico ou fax.
Face à particular celeridade que domina o contencioso eleitoral, impondo uma disciplina rigorosa em matéria de prazos e, frequentemente, a prática imediata de atos (é disso exemplo o disposto no n.º 2 do artigo 125.º da LEALRAM), tem o Tribunal jurisprudência consolidada no sentido de que, independentemente do meio de remessa ou de transmissão do requerimento de interposição de recurso, releva o momento em que este, no decurso do horário normal de expediente, dá entrada na secretaria do Tribunal Constitucional (cfr. Acórdãos n.ºs 1/2002, 535/2009, 564/2009, 644/2013 e 679/2013, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
O que significa, no caso vertente, que tendo o edital (retificado) a publicar os resultados sido afixado no dia 31 de março de 2015, pelas 22h20, o recurso contencioso deveria, para assegurar a sua tempestividade, ser recebido na secretaria do Tribunal Constitucional até ao encerramento do respetivo horário de expediente no dia seguinte, ou seja, até às 16h00 do dia 1 de abril de 2015.
E nem se diga que o facto de, eventualmente, os documentos que instruem o recurso apenas terem sido facultados pelos serviços de apuramento geral pelas 14h20m constitui impedimento para apresentar o recurso tempestivamente, uma vez que os recorrentes sempre poderiam tê-lo enviado e protestado entregar os documentos mais tarde, como, aliás, veio a suceder.
Verificando-se que o presente recurso foi apenas remetido às 16h17m desse dia, cumpre concluir que foi interposto fora de prazo.
Assim, e independentemente de saber se se verificam os demais pressupostos processuais, o recurso mostra-se intempestivo, pelo que dele não há que conhecer.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 7 de abril de 2015 – Ana Guerra MartinsMaria Lúcia AmaralCatarina Sarmento e Castro - João Pedro Caupers - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro MacheteFernando Vaz VenturaCarlos Fernandes Cadilha - João Cura MarianoMaria de Fátima Mata-Mouros (Vencida, fundamentalmente, nos termos das razões contidas nas declarações de voto apresentadas no acórdão 414/2004 – então referentes a aplicação do disposto no artº.171.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, que são, no essencial, transponíveis para a interpretação do art.º 1667 da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira) - Joaquim de Sousa Ribeiro