ACÓRDÃO
Nº 208/2015
Processo n.º 334/15
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acórdão,
em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são
recorrentes PSD-Madeira, José Lino Tranquada Gomes e Rui Emanuel Sousa Abreu e
recorridos Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses PCTP/MRPP; Juntos
pelo Povo, BE- Bloco de Esquerda; Mudança; PNR; Plataforma dos Cidadãos; MAS –
Movimento de Alternativa Socialista; CDS – Partido Popular (CDS/PP); nova
Democracia e CDU, foi interposto recurso contencioso, ao abrigo do artigo 124.º
da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira
(aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de fevereiro, com as alterações
introduzidas pela Lei Orgânica n.º 1/2009, de 19 de janeiro, de ora em diante,
LEALRAM), da decisão da assembleia de apuramento geral dos resultados
eleitorais da Região Autónoma da Madeira.
O presente recurso foi enviado a este Tribunal,
por correio eletrónico, às 16h17m do dia 01 de abril de 2015.
2. O requerimento de recurso tem o
seguinte teor:
“José Lino Tranquada Gomes, casado, NIF
12054241.2, residente à Rua Mãe dos Homens, n.º 35, 9060-185 no Funchal, na
qualidade de candidato eleito pelo PSD/Madeira às eleições Legislativas
Regionais, titular do Cartão de Cidadão n.º 05413514.1243 de cédula
profissional de advogado n.º 15M, emitida pelo Conselho Distrital da Madeira da
Ordem dos Advogados e Rui Emanuel de Sousa Abreu, casado, residente na Rua João
de Deus, n.º2 A, no Funchal, na qualidade de mandatário do PSD, veem nos termos
do art.º 24 da Lei Orgânica para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da
Madeira (Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro, com as alterações
introduzidas pela Lei Orgânica n 1/2009, de 19 de janeiro, que a republicou,
Apresentar RECURSO CONTENCIOSO, o que fazem nos
termos e com os fundamentos seguintes:
1 – Os fundamentos de facto
1.º
No exercício dos seus direitos conferidos pelo
n.º 3 do art.º 114 da predita Lei Orgânica, o signatário candidato apresentou
24 protestos sobre a deliberação da Assembleia Geral de Apuramento que manteve a
qualificação como nulos dos seguintes votos:
Tudo conforme cópias da ata de apuramento geral
que se junta como dos protestos apresentados, dos votos protestados e das atas
de apuramento das assembleias de voto em que os votos protestados foram
igualmente qualificados como nulos.
2.º
Conforme se pode ver, dois dos votos protestados
pelo signatário candidato - referentes à secção de voto B, da freguesia de
Santa Maria Maior e outro da secção E da freguesia do Monte, foram declarados
nulos pela respetiva secção de voto por um deles conter na sua extremidade
superior um pequeno corte e outro por em vez da cruz no quadrado ter sido
empregue um símbolo “V” que excedeu os limites do mesmo. Conf. Doc. N.º1
3.º
Em nenhum dos votos se consegue descortinar
qualquer intenção dos eleitores em anular o seu voto.
4.º
Não existe qualquer intenção do eleitor em
rasgar o seu voto e assim inutilizar a sua opção de voto no PSD.
5.º
Os cortes, pela sua configuração e perfil e por
nem atingirem quaisquer dos caracteres e delimitação do próprio espaço
destinado à identificação dos partidos concorrentes e às respetivas quadriculas
de voto, não justifica a qualificação que lhes deu a secção de voto nem a que
assembleia de apuramento geral que, não obstante o protesto, manteve a qualificação
como nulo.
6.º
Há cortes que podem resultar do próprio
manuseamento dos votos pelos membros da secção de voto ou pela própria retirada
dos mesmos das respetivas urnas com recurso a um simples lápis ou esferográfica
ou qualquer outro objeto cortante.
7.º
Já que se houvesse intenção destes eleitores
anularem o voto certamente no se limitariam a proceder a um pequeno corte no
boletim.
8.º
E para mais com um perfil de corte que não
indicia minimamente que estes eleitores não quisessem, de facto, votar
validamente pela opção que assinalaram corretamente, dentro da respetiva
quadrícula ou seja no PSD.
9.º
Destes pequenos cortes, que no resultam ter sido
feitas pelos eleitores em causa, no resulta qualquer atitude determinada dos
eleitores em anular o seu voto.
10.º
Quanto aos votos da Secção E da freguesia do
Monte, conforme se realça das respetivas cópias não existe quaisquer razes
válidas que determinassem a sua não qualificação como válidos, o que se pode
facilmente se concluir pelo cotejo dos documentos que vão identificados com o
n.º 2 (composto de 8 folhas)
12.º
Quanto aos votos cujas cópias estão integradas
nos documentos nºs 3 a 20, no existem dúvidas de que a vontade inequívoca dos
eleitores foi a de votar no PSD muito embora a cruz não tenha sido colocado
dentro do quadrado.
13.º
O Eleitor não pretendeu anular o seu voto,
simplesmente a colocação da cruz não foi a mais correta.
15.º
O facto da cruz em alguns daqueles votos exceder
os exceder os limites do quadrado, não justifica que os boletins de voto sejam
considerados nulos.
16.º
O sinal feito no boletim é demonstração clara de
intenção de voto no eleitor já que é sinal usado corretamente como sinal de
confirmação.
17.º
Há um “assinalamento inequívoco” da opção de
voto do eleitor.
18.º
O critério seguido, quer no apuramento parcial
quer geral, foi demasiado restrito e impede o aproveitamento dos votos dos
eleitores que marcaram presença na votação, não protestaram nem pretendiam
inutilizar o voto.
19.º
De outra forma, não estarem a valorizar quer a
disponibilidade do cidadão em exercer o seu direito de voto quer a respeitar a
sua própria opção por determinado partido.
20.º
O eleitor everitua1merte mesmo
esclarecido no procedimento de voto no deve ser penalizado na apreciação da sua
manifestação de voto por um critério demasiado restrito e que acaba por no
acomodar aqueles eleitores que decidam - e bem - exercer o seu direito de voto,
desrespeitando a sua vontade.
21.º
O mesmo se diga relativamente aos votos que
constam dos documentos 21 a 24 em que a manifestam inequívoca dos eleitores em
votar no PSD.
Do Direito
22.º
O art.º 104 da referida Lei Orgânica
estabelece os critérios para um voto ser considerado nulo.
23.º
Os votos acima referidos não se enquadram em
nenhuma das alíneas do n.º 2 do preceito.
24.º
Em todos eles é patente a opção do eleitor em
votar no PSD.
Termos em que deve ser considerado procedente o
referido recurso corrigindo-se a decisão que declarou nutos os votos acima
identificados e reconhecendo o seu sentido expresso no PDS.
Vão 24 documentos e a ata de apuramento geral “
3. Por
correio electrónico enviado a este Tribunal no mesmo dia às 16h52m vieram os
recorrentes dizer o seguinte:
“Rui Emanuel de Sousa Abreu e José Lino
Tranquada Gomes, subscritores do recurso hoje apresentado vêm informar V. Ex.ª,
que o edital do apuramento geral foi afixado ontem pelas 22H20 e os documentos
que instruem o recurso apenas foram facultados pelos serviços da assembleia de
apuramento pelas 14H20 de hoje, o que constitui impedimento a que o
requerimento de recurso pudesse ter sido apresentado antes da hora em que foi,
embora tenha ocorrido dentro das 24 horas previstas no n.º 1 do art.º 125 da
lei eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira.
Se for entendido necessário para comprovar que a
entrega dos documentos acima referidos ocorreu à hora assinalada, podem ser
ouvidas as seguintes testemunhas:
- Dra. Luísa Araújo, Chefe de Gabinete de S.
Excelência o Representante da República para a Madeira e com domicilio
profissional no Palácio de S. Lourenço no Funchal e
Dr. José Jardim Mendonça Prada, advogado, com
escritório no Funchal, à Rua do Bettencourt n.º 10, 1.º.”
4. Por não
estar devidamente instruído, a secretaria judicial solicitou, no dia 2 de abril de 2015, “por ser necessário para a boa
decisão, o envio, pela forma mais expedita, de certidão da Ata de Apuramento
Geral, Certidão de Afixação do Edital respectivo, Certidões das Atas de
Apuramento Local da Secção B da freguesia de Santa Maria Maior, Secção E da
freguesia do Monte, e os Votos protestados pelo PSD Madeira (junta-se fotocópia
do recurso)”.
5. Notificado, nos termos do n.º 2 do
artigo 125º da LEALRAM, o recorrido CDS/Partido Popular (CDS/PP) veio
pronunciar-se, por telefaxe, às 19h49m do dia 05 de abril de 2015, no seguinte
sentido:
“1. O presente recurso tem por objetivo a
validação de votos que foram considerados nulos nas Mesas eleitorais e na
Assembleia de Apuramento Geral.
2. Embora tivéssemos sido notificados do
articu1ado do recurso, não foi feito chegar pela mesma via, os anexos que
pretendem provar o que se alega, o que torna impossível nos pronunciamos sobre
os concretos factos alegados pelo Recorrente.
3. Apesar disso confirmamos, como fizemos em
recurso próprio, que o critério uniforme para reapreciação dos votos considerados
nulos e protestados adotados pela AAG — “não considerar nulos os boletins de
voto em que, não s verificando qualquer outra causa de inva1idação prevista na
Lei, tenha sido assinalada uma cruz, entendida esta como o desenho que consista
na interceção de dois traços tendencialmente retilíneos ou significando
manifestamente esse sinal, ainda que imperfeitamente desenhados ou excedendo em
medida razoável os 1imites do quadrado respetivo, desde que tal intersecção
ocorra dentro do quadrado respetivo e nenhum dos traços intersecte outro
quadrado os quaisquer caracteres ou símbolos do bo1etim.” — não atende aos
princípios eleitorais e à última jurisprudência do Tribunal Constitucional.
4. Assim, no acórdão n.° 541/2009 (repetindo a
orientação já fixada no acórdão 530/2009), o Tribunal Constitucional veio
c1arificar que deve ser considerado nulo o voto onde hajam elementos que
perturbem a perceção da escolha do eleitor e onde não seja seguro que a
qualquer pessoa se permita identificar o eleitor em concreto.
5. A orientação do Tribunal Constitucional
permite na nossa opinião que se considere como princípio fundamenta1 o de
validar o maior número de votos que não afetem a perceção da escolha nem o
secretismo do voto.
6. Ora, o critério restritivo adotado pela AAG
não respeitou esse princípio interpretativo e por causa do critério adotado
considerou nulos votos que não o deviam ser, onde podem estar a1guns dos votos
que o recorrente considera que foram mal anulados.
7. A questão porém é ainda mais complexa, porque
como foi possível detetar na Assembleia de Apuramento Geral, alguns dos votos
das seis mesas recontadas foram validados pelas respetivas mesas eleitorais,
com um critério bem mais concordante com o sentido da última jurisprudência
constitucional (sem que a AAG tivesse alterado), o que origina uma disparidade
de tratamento de alguns dos votos validados.
8. Há votos que foram considerados válidos pelas
mesas eleitorais e assim confirmados pelas atas respetivas, mas há votos que,
em outras mesas e posteriormente na AAG, mesmo sendo similares ou iguais nas
causas foram considerados nulos.
9. A disparidade de critério é grave quando está
em causa uma diferença de votos para determinar a maioria absoluta de mandatos
de um só partido nas eleiçes.
10. Também por essa razão, conforme
oportunamente foi apresentado nesse Tribunal, em recurso próprio, esta
candidatura entende que o pedido de recontagem de votos ou seja, um novo
apuramento geral, através da recontagem de todos os votos entrados em todas as
secções de voto, com exceção das que já foram recontadas pela AAG (as seis
mesas referidas), anulando todos os atos de apuramento parcial ou geral
realizados respeitante a este ato eleitoral, é a única medida que credibiliza o
apuramento realizado
1.1. Sendo inválida a ata de retificação
(segunda) e estando errada a primeira ata, por razões que deixámos expressas em
recurso próprio, há suficientes irregularidades que impõem novo apuramento.
1.2. Expressa-se assim concordância com a
a1teração do critério de qualificação como nulos os votos expressos e com a
reabertura do processo de apuramento.
6. Igualmente notificados para o efeito,
os demais recorridos deixaram esgotar o prazo sem que tenham vindo aos autos
apresentar qualquer resposta.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Importa começar por averiguar se
estão preenchidos os pressupostos processuais indispensáveis ao conhecimento do
objeto do presente recurso.
Resulta dos elementos documentais constantes dos
autos o seguinte:
i) No dia 31 de março de 2015, entre as
09h00 e as 20h15, e entre as 20h45 e as 22h20, esteve reunida a Assembleia de
Apuramento Geral da eleição de deputados à Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira, cuja votação teve lugar no dia 29 do referido mês;
ii) O edital a publicitar os resultados
(retificados) do apuramento geral foi afixado no átrio do Palácio de São
Lourenço, Funchal, às 22h20 do dia 31 de março de 2015;
iii) O recurso foi remetido para este
Tribunal através de mensagem de correio eletrónico, como acima se disse.
8. De acordo com o n.º 1 do artigo 125.º,
da LEALRAM, o recurso contencioso que verse atos e deliberações da AAG deve ser
interposto perante o Tribunal Constitucional no prazo de vinte e quatro horas,
contado a partir da afixação do edital em que se publicam os resultados do
apuramento geral, regra que carece de ser articulada com o disposto no artigo
167.º, n.º 1, do mesmo diploma, de acordo com o qual, quando o ato processual
envolver a intervenção de entidades ou serviços públicos, como aqui acontece, o
termo dos prazos respetivos considera-se referido ao termo do horário normal
dos competentes serviços ou repartições. Isto mesmo quando, como expressamente
admitido no n.º 3 do artigo 35.º da LEALRAM para a interposição de recurso, o
ato processual seja praticado por correio eletrónico ou fax.
Face à particular celeridade que domina o
contencioso eleitoral, impondo uma disciplina rigorosa em matéria de prazos e, frequentemente,
a prática imediata de atos (é disso exemplo o disposto no n.º 2 do artigo 125.º
da LEALRAM), tem o Tribunal jurisprudência consolidada no sentido de que,
independentemente do meio de remessa ou de transmissão do requerimento de
interposição de recurso, releva o momento em que este, no decurso do horário
normal de expediente, dá entrada na secretaria do Tribunal Constitucional (cfr.
Acórdãos n.ºs 1/2002, 535/2009, 564/2009, 644/2013 e 679/2013, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
O que significa, no caso vertente, que tendo o
edital (retificado) a publicar os resultados sido afixado no dia 31 de março de
2015, pelas 22h20, o recurso contencioso deveria, para assegurar a sua
tempestividade, ser recebido na secretaria do Tribunal Constitucional até ao encerramento
do respetivo horário de expediente no dia seguinte, ou seja, até às 16h00 do
dia 1 de abril de 2015.
E nem se diga que o facto de, eventualmente, os
documentos que instruem o recurso apenas terem sido facultados pelos serviços
de apuramento geral pelas 14h20m constitui impedimento para apresentar o
recurso tempestivamente, uma vez que os recorrentes sempre poderiam tê-lo
enviado e protestado entregar os documentos mais tarde, como, aliás, veio a
suceder.
Verificando-se que o presente recurso foi apenas
remetido às 16h17m desse dia, cumpre concluir que foi interposto fora de prazo.
Assim, e independentemente de saber se se
verificam os demais pressupostos processuais, o recurso mostra-se intempestivo,
pelo que dele não há que conhecer.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos,
decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 7 de abril de 2015 – Ana Guerra
Martins – Maria Lúcia Amaral – Catarina Sarmento e Castro - João Pedro Caupers - Maria
José Rangel de Mesquita - Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura
– Carlos Fernandes Cadilha - João Cura Mariano – Maria de
Fátima Mata-Mouros (Vencida, fundamentalmente, nos termos das razões
contidas nas declarações de voto apresentadas no acórdão 414/2004 – então
referentes a aplicação do disposto no artº.171.º da Lei Eleitoral para a
Assembleia da República, que são, no essencial, transponíveis para a
interpretação do art.º 1667 da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira) - Joaquim de Sousa
Ribeiro